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Por que torcedores do Boca presos por injúria racial poderão pagar fiança?

Durante a partida entre Corinthians e Boca Juniors, na noite desta terça-feira (28), na Neo Química Arena, pela ida das oitavas de final da Libertadores, três torcedores do clube argentino foram presos em flagrante pela Polícia Militar por injúria racial e apologia ao nazismo.

Dos três torcedores detidos, dois foram enquadrados no crime de injúria racial por terem imitado um macaco na direção dos corintianos e o outro, que foi flagrado fazendo um gesto nazista, por racismo. Em audiência de custódia realizada no Jecrim (Juizado Especial Criminal) do estádio, o juiz responsável autuou os argentinos ao pagamento de R$ 20 mil de fiança (cada um) para responderem o processo em liberdade.

A diferença entre racismo e injúria racial ainda causa dúvida, principalmente em relação ao pagamento de fiança.

Injúria racial x racismo

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima.

Já o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros, são mais comuns no País os casos enquadrados no artigo 20º da legislação, que consiste em “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Por que os acusados foram liberados após o pagamento de fiança?

“O crime de racismo é considerado imprescritível e inafiançável. Não há mesma previsão em relação à injúria racial. Ainda assim, os Tribunais Superiores têm equiparado ambos os crimes para fins de imprescritibilidade. O debate seguirá sobre a fiança. Importante referir que no crime inafiançável o acusado apenas permanecerá preso se preenchidos os requisitos de prisão preventiva. Há projeto de lei em tramitando sobre o tema visando equiparação, tornando também a injúria racial inafiançável”, explica Rafael Canterji, advogado especialista em direito penal.

O advogado Renal Gandolfi, especialista em direito penal, conta que “a Lei 12.403/11 alterou o código de processo penal no tocante à prisão processual, fiança, liberdade provisória, medidas cautelares, dentre outros pontos (art. 322). A fiança foi uns dos institutos que sofreu mais modificações com a entrada em vigor da referida lei, que alterou as possibilidades de concessão de fiança pelo delegado de polícia”.

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

“De acordo com a nova redação dada ao artigo 322 do código de processo penal, o delegado de polícia somente poderá conceder fiança nos casos de infrações cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a 4 (quatro) anos, não se exigindo mais que a conduta seja punível somente com pena de detenção ou prisão simples, como previa a redação anterior do artigo 322 do CPP”, explica Gandolfi.

Discussões no STF

Em outubro do ano passado, o Pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ser imprescritível o crime de injúria racial previsto no art. 140, 3°, CP, pois entendeu ser equivalente a um tipo de racismo que já era imprescritível e inafiançável conforme art. 5º, LXII, CF. Isso significa que racismo não prescreve nem admite fiança, em outras palavras, imprescritível quer dizer que não há prazo para punir o autor do crime, ou melhor, o Estado não perde o direito de punir pelo decurso do tempo.

Porém, a recente decisão do STF analisou somente o instituto da prescrição no tocante ao crime de injúria racial, o qual apesar de ser agora imprescritível continua admitindo fiança, visto que, por enquanto, não há vedação jurisprudencial, legal ou constitucional para o arbitramento de fiança.

Renan Gandolfi destaca que é preciso esclarecer alguns pontos.

“Os crimes de racismo previstos na Lei 7716/89 são processados e julgados mediante ação pública incondicionada, diferente do crime de injúria racial, não dependem da vontade da vítima para que o Estado exerça o direito de punir. Por outro lado, apesar de ser reconhecido como imprescritível, o crime de injúria racial continua admitindo fiança e sendo de ação pública condicionada à representação do ofendido, encontra-se no rol dos crimes contra a honra no Código Penal e exige essa condição de procedibilidade, que consiste em a vítima exercer o direito de representação, sem a qual o Estado não pode agir para punir o criminoso”, explica o advogado.

Próximos passos

Com a liberação mediante ao pagamento de fiança, os torcedores serão alvos de investigação. João Paulo Martinelli, advogado especializado em direito penal, explicou quais são os trâmites. Segundo ele, são três etapas:

“O delegado responsável vai analisar as imagens, ouvir as testemunhas e ao final concluir se ocorreu ou não o crime. Independente da conclusão do delegado, o caso será encaminhado ao Ministério Público, que decide se arquiva ou não. Caso o órgão ofereça a denúncia (entender que houve crime), os réus são citados para apresentar as respostas para a acusação e, se o juiz mantiver o recebimento da denúncia, tem início o processo. Por fim, ao final dos trabalhos, o magistrado decide se condena ou absolve os envolvidos”, conta.

Outros detidos

Além dos três torcedores enquadrados, outros três chegaram a ser detidos e levados ao Jecrim durante a partida, mas acabaram sendo liberados horas depois.

Após a partida, o Corinthians divulgou uma nota oficial repudiando os casos:

“O Corinthians repudia veementemente os atos racistas que envolveram torcedores argentinos na Neo Química Arena nesta terça-feira (28), durante o jogo contra o Boca Juniors pelas oitavas da CONMEBOL Libertadores. Todos foram prontamente conduzidos ao Jecrim do estádio”.

Na esfera desportiva, nas duas partidas entre Corinthians e Boca Juniors pela fase de grupos da Libertadores, em abril e maio, torcedores do clube argentino foram flagrados fazendo gestos racistas contra os brasileiros.

Na semana passada, a Conmebol condenou o Boca Juniors a pagar multa de US$ 100 mil devido aos atos registrados na Bombonera. O clube argentino já havia sido multado US$ 30 mil depois dos gestos racistas flagrados na Neo Química Arena, em abril.

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