Na semana passada uma vitória importante dos direitos humanos em universo esportivo teve pouca repercussão. A Federação Internacional de Natação (FINA) anunciou a aprovação de uma touca especial para cabelo afro em competições internacionais. Conhecido como ‘Soul Cap’, o produto chegou a ser proibido nos Jogos Olímpicos de Tóquio no ano passado.
Interessante o comunicado da Federação sobre a decisão. Quando ele foi vetado, a justificativa foi de que ela não seguia “a forma natural da cabeça”.
“Promover a diversidade e a inclusão está no centro do trabalho da Fina, e é muito importante que todos os atletas aquáticos tenham acesso a roupas de banho apropriadas”, escreveu.
Esse, na verdade, tem que ser um compromisso permanente de todo o movimento esportivo. Dentro desse processo, a ciência teve papel importante.
O fabricante da Soul Cap explica que o produto foi projetado para atender as pessoas que tem cabelos mais espessos, volumosos e encaracolados.
A nova regra privada do esporte vai na direção da proteção de direitos humanos e foi construída através da pressão de movimentos sociais. A decisão é mais uma a favor dos direitos humanos quando confrontado com regras privadas do esporte.
E se fosse no Brasil…
Se fosse por aqui, mais uma vez as irritações provocadas pelas regras estatais trariam aprendizado ao movimento esportivo.
Bastaria trazer o art. 5°, VIII, da Constituição Federal que adverte que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política […]” . E na sequencia, buscar a Lei de Introdução ao Direito, logo no início, no art.5o que explica que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
A literalidade da regra esportiva é sempre um caminho perigoso. Se ela cria a exigência de um uniforme, a fim de manter equilíbrio esportivo, ajudar o evento e facilitar a vida da arbitragem, esse caminho não pode conflitar com direitos humanos protegidos, como o da “não discriminação” ou da liberdade religiosa, pra ficar em dois exemplos.
Mas lembrei do hijab
As mulheres muçulmanas usam o hijab, um véu islâmico que cobre cabelo e pescoço. No dia a dia e também na prática esportiva. No Irã, por exemplo, o uso do véu pelas mulheres que se expõem publicamente é uma imposição do ordenamento jurídico. E isso trouxe inúmeros problemas às federações esportivas do país. No futebol, no judô, no basquete, no boxe.
O problema é que regras esportivas de várias modalidades vedavam o uso do hijab em competições, alegando que ele poderia comprometer a saúde dos atletas, aumentando o risco de lesões na cabeça e no pescoço. O cenário esportivo ajudava a afastar ainda mais as mulheres muçulmanas de competições esportivas internacionais. De novo, um conflito entre Lex Sportiva e Direitos Humanos.
Depois da pressão de coletivos globais de defesa de direitos humanos e com o auxílio da tecnologia, os véus foram adaptados à prática esportiva, diminuindo a força dos argumentos daqueles que defendiam que ele era perigoso e ameaçava a saúde dos atletas. O esporte cedeu e o hijab foi ganhando espaço no esporte mundial.
Fifa em 2014, logo depois a Federação Internacional de Basquete também permitiu o uso em competições profissionais. Na Rio 2016, Ibtihaj Muhammad foi a primeira atleta americana a competir com o véu. Ganhou medalha de bronze na esgrima e subiu ao pódio de hijab.
Ou seja, o caso da touca é mais um em que a Lex Sportiva e os Direitos Humanos – depois de algumas irritações – caminham na mesma direção. Ao conciliar direitos humanos com a prática esportiva, o esporte dá um bom exemplo para a sociedade de como é possível, com diálogo, bom senso, tecnologia e flexibilidade, encontrar boas soluções também para importantes conflitos da nossa sociedade.
Crédito imagem: Soul Cap
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