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Por quem torce o nordestino? Pelo respeito!

Por Marcelo Azevedo

Na última semana, um antigo debate sobre quem faz bater o coração do torcedor, e mais especificamente, o coração do torcedor nordestino, voltou com toda força ao centro das mesas redondas, das mesas de bar, e, para embarcar nos ventos dos dias atuais, dos inúmeros grupos de whatsapp que todos fazemos parte.

Falo antigo porque ainda que as razões que precedem esta escolha residam lá no século passado, elas seguem ainda hoje gerando incômodo em função de uma possível subserviência cultural dos torcedores residentes nesta região por conta da preferência pelos chamados clubes do eixo, como são conhecidos os times da ponte aérea Rio-São Paulo.

Já começo dizendo que minha posição de defender até a morte o direito de cada um escolher torcer para o time que bem entender é inegociável. Seja esse clube do nordeste, do sul, do sudeste ou até de outro país. Ou mais que isso, de ter o direito de não torcer para time algum. Aliás, caso não saibam, segundo a última pesquisa Datafolha, publicada em 2019 e ainda não atualizada em função da pandemia, uma parcela de 22% dos entrevistados declarou que não torce para nenhum time de futebol, ou seja, “os sem time algum” formavam o maior contingente de torcedores, ops, de não torcedores do Brasil. Maior que a torcida do Flamengo, a maior do país com boa vantagem para as demais. Então, resta claro, cada um torce para quem quiser ou até não torce para time algum e não vamos encher o saco dos outros.

Mas por que este assunto voltou ao debate? Porque surgiu a notícia de que supostamente membros de uma torcida organizada do clube Fortaleza teriam espancado um torcedor do Flamengo residente na capital cearense. E a razão para isso seria a intolerância e, segundo alguns mais apressados e pouco prudentes com as palavras, o xenofobismo dos nordestinos por quem deixa de torcer para um clube da região para fazer a opção por um clube do eixo.

E foi aí que o problema ganhou contornos perigosos. E porque perigosos lhes direi logo em seguida, mas antes quero lembrar aqui de um anúncio, se não estou enganado, da Folha de São Paulo, que dizia que “é possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade”.

A tal Guerra de Narrativas traz consigo uma marca indisfarçável, o desprezo pelos fatos e o apego pelo desvirtuamento da realidade para que se construa uma versão que se torne hegemônica. Mesmo que para isso seja necessário transformar o menos favorecido em opressor sanguinário.

E fascista.

Sim, essas desqualificações foram ditas por aí.

A narrativa de que existe um fenômeno intolerante contra os torcedores mistos (uma qualificação que não faz sentido algum para muitos, uma vez que uma parcela significativa dos torcedores torce mesmo é para apenas um clube) foi sendo construída a partir de postagens de clubes da região que valorizavam o torcedor que torcia por clubes do nordeste. Não apenas clubes, mas também o perfil oficial da Copa do Nordeste, a maior e mais bem organizada competição regional do país.

Ora, veja bem, a despeito de eu ver muitas destas postagens como pueris, com objetivo confuso e, vamos lá, até de gosto duvidoso, dado que a intenção, imagino, seria sensibilizar as pessoas para a causa do pertencimento cultural, nenhuma delas promoveu qualquer tipo de incentivo a intolerância ou xenofobismo reverso, seja lá que diabos isso queira dizer. Isso é uma narrativa imoral e desleal, que tenta colocar numa mesma cesta iniciativas de valorização da identidade nordestina com sintomas supremacistas.

Ainda que os clubes nordestinos possam ter errado na mão na estratégia, não percamos de vista que estão estes clubes no direito de buscar chegar aos corações dos torcedores locais com a mesma legitimidade que está facultada aos clubes de outras regiões de seguirem tentando alcançar este mesmo objetivo. Não há mal algum nisso, é uma luta por espaço e por mercado, o que não deveria valer neste jogo é o uso de armas que se utilizam de desonestidade intelectual para criar vacinas e contextos que lá na frente favorecem apenas um lado da disputa.

Deixa colocar algo aqui: esta luta só vai se acentuar nos próximos anos, então que sentemos todos numa “mesa de adultos”, termo muito bem colocado por meu companheiro de bancada, Tomaz Assmar, no programa que fizemos recentemente sobre este tema e que você pode conferir clicando aqui. Não nos esqueçamos que o futebol é um jogo que tem na sua natureza essencialmente competitiva a razão de sua existência e, porque não dizer, do interesse que desperta, mas que numa aparente contradição, põe em oposição na disputa lados que precisam (ou precisariam) atuar de forma colaborativa, em benefício de ganhos coletivos, e portanto, mais abrangentes e sustentáveis, da indústria.

Utopicamente penso que até mais que os clubes, todos que formam este ecossistema gigantesco que é o futebol brasileiro, precisam ter a responsabilidade de calibrar o que falam quando tratam de temas tão sensíveis como este. Deter a hegemonia da narrativa a fórceps para depois disseminá-la a fim de sufocar movimentos de quem, em regra, é historicamente hipossuficiente, não vai colar.

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Marcelo Azevedo é formado em Administração de Empresas com MBA em Gestão de Negócios. Publicitário por adoção, atua há mais de 30 anos liderando áreas de gestão e finanças. É convicto da força que o ecossistema do futebol pode produzir ao seu entorno. Torcedor raiz, é um amante do jogo bem jogado, da boa disputa, mas gostar, gostar mesmo, ele gosta é do Botafogo, até mais do que do futebol. É sócio do Futebol S/A

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