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Portaria SPA/MF nº 1.143: Qual o impacto nos clubes brasileiros?

  1. Introdução

Nos últimos anos, o futebol brasileiro tem vivenciado um aumento significativo no número de patrocínios de casas de apostas esportivas. Esses contratos, que injetam milhões nas finanças dos clubes, são essenciais para sustentar suas operações e garantir competitividade em um cenário esportivo cada vez mais acirrado. No entanto, o envolvimento de casas de apostas esportivas no futebol também apresenta novos desafios, exigindo que os clubes estejam cada vez mais atentos às regulamentações para se protegerem de riscos associados.

Um exemplo de riscos que os clubes podem enfrentar é a Operação Integration, conduzida pela Polícia Federal, que investiga um esquema de lavagem de dinheiro e jogos ilegais. Entre os investigados estão uma empresa do ramo de apostas e seu proprietário. A empresa é patrocinadora de grandes times no cenário nacional. A associação do clube com um patrocinador sob investigação pela Polícia Federal traz impactos negativos a sua imagem. Caso o patrocinador seja eventualmente condenado, o clube poderá enfrentar não apenas danos à sua reputação, mas também prejuízos financeiros consideráveis.

É importante destacar que o número de casas de apostas esportivas no Brasil continua a crescer exponencialmente[1], o que torna ainda mais urgente a necessidade de regulamentação. Casos como o mencionado demonstram a importância de um controle mais rigoroso e de medidas preventivas para mitigar riscos no setor. Em linha com essa necessidade de maior controle, em 12 de julho de 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (“SPA/MF”) publicou a Portaria SPA/MF nº 1.143[2] (“Portaria”). A Portaria estabelece que as empresas interessadas em obter autorização para explorar a modalidade lotérica de aposta de quota fixa devem adotar políticas de combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa. A Portaria fundamenta-se em diretrizes internacionais voltadas à prevenção e combate a esses crimes, especialmente aquelas estabelecidas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, além de regulamentar os dispositivos da Lei nº 9.613/1998, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.

Embora a regulamentação trazida pela Portaria se aplique exclusivamente às casas de apostas esportivas, com o aumento exponencial do envolvimento de dessas empresas dentro do futebol brasileiro, os clubes serão afetados, ainda que indiretamente, com as novas regulamentações. Isso porque, qualquer mudança nas operações ou na viabilidade financeira das empresas reguladas pode influenciar a continuidade dos contratos de patrocínio e novas aberturas de relacionamento. Portanto, embora a regulamentação não se aplique diretamente aos clubes, a relação deles com esse mercado deve ser monitorada com atenção para mitigar possíveis riscos financeiros e de imagem. Neste artigo, estão reunidos os principais pontos de atenção para os clubes de futebol, considerando as novas regras introduzidas pela Portaria.

  1. Principais pontos de atenção
    • Revisão de parcerias e contratos

Os clubes de futebol devem realizar uma análise detalhada de todos os contratos e acordos firmados com casas de apostas esportivas. O processo de revisão é crucial para garantir que os seus parceiros, especialmente as empresas de apostas esportivas, estejam em plena conformidade com as novas exigências impostas pela Portaria. Isto é, será necessário verificar se os parceiros dispõem de programas de conformidade para prevenção à lavagem de dinheiro e de mecanismos de gestão de riscos de governança e integridade adequados. De acordo com a Portaria, por exemplo, as casas de apostas esportivas passam a ser obrigadas a reportar qualquer operação financeira suspeita ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, razão pela qual precisam dispor de mecanismos internos eficientes para detecção dessas operações.

Para assegurar que as responsabilidades de cada parte estejam claramente definidas e que não haja ambiguidades, os contratos devem especificar detalhadamente as obrigações de cumprimento dessas regras. Isso inclui, por exemplo: (i) a exigência de que as casas de apostas esportivas adotem todas as regulamentações trazidas pela Portaria e demais regulamentações pertinentes; (ii) a inclusão de cláusulas de compliance para eventual encerramento do relacionamento em razão de evidências/suspeitas de irregularidades; e (iii) cláusulas de auditoria, para que os clubes possam exigir a comprovação do cumprimento das regulamentações e procedimentos necessários. Dessa forma, os clubes poderão garantir que suas parcerias estejam alinhadas com as melhores práticas e em conformidade com as novas regras, protegendo o clube.

  • Due Diligence aprofundada

Antes de firmar novas parcerias ou renovar contratos existentes, é imperativo que os clubes conduzam uma due diligence aprofundada das casas de aposta esportivas com as quais têm parcerias ou avaliam estabelecer novas parcerias. Este processo deve incluir análise minuciosa dos procedimentos internos adotados pelas empresas para identificar e classificar os riscos associados aos seus apostadores, avaliando, por exemplo, se as empresas possuem mecanismos eficazes de monitoramento de atividades suspeitas e de verificação contínua de transações financeiras. Também é essencial que os clubes verifiquem se essas empresas estão aderindo às melhores práticas de compliance, incluindo políticas de integridade e combate à lavagem de dinheiro. Uma análise criteriosa dos históricos regulatórios e financeiros das casas de apostas é igualmente essencial para garantir que eventuais irregularidades ou problemas passados sejam identificados e levados em consideração.

A condução dessa due diligence não deve ser vista apenas como uma formalidade, mas como uma ferramenta essencial para que os clubes protejam sua reputação e se resguardem de associações com práticas ilícitas. Ao garantir que as casas de apostas esportivas parceiras estejam cumprindo rigorosamente as regras vigentes, os clubes minimizam os riscos e se posicionam como entidades responsáveis e comprometidas com a integridade do esporte.

  • Treinamento e conscientização interna

A adaptação às mudanças que devem ocorrer no mercado de apostas não se restringe apenas à análise de contratos e condução de due diligence. É igualmente essencial que os clubes invistam em treinamento contínuo e em programas de conscientização para seus funcionários e jogadores, especialmente aqueles que têm contato direto com as casas de apostas esportivas. Esses programas de capacitação devem abranger temas como prevenção à lavagem de dinheiro; corrupção; melhores práticas de comunicação com terceiros; riscos de responsabilização; e importância do cumprimento das diretrizes estabelecidas pela Portaria. No caso dos jogadores, treinamentos contra manipulações de apostas podem ser consideradas, inclusive, um diferencial competitivo no contexto da manutenção ou novas parcerias com casas de apostas.

Vale lembrar que a exigência de programas de compliance robustos e treinamentos para os clubes de futebol, além de ser uma vantagem competitiva na busca de patrocínios, já é trazida por outras normativas. A título de exemplo, de acordo com o artigo 9°, inciso XV, da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro)[3], com a comercialização de direitos de transferências de atletas, os clubes de futebol já estão sujeitos às obrigações trazidas pela lei, tornando a adoção de programas de compliance de prevenção à lavagem de dinheiro e treinamentos regulares sobre o tema obrigatórios. Assim, a adaptação às mudanças no mercado de apostas reforça a necessidade de os clubes observarem com rigor as obrigações que já possuem, trabalhando para a criação de uma cultura de conformidade, passo essencial para a proteção dos interesses dos clubes e para o fortalecimento das suas parcerias comerciais.

  • Monitoramento

Os clubes devem adotar processos internos robustos para o monitoramento contínuo de suas parcerias com casas de aposta esportivas. Esse monitoramento deve incluir a verificação periódica da conformidade com as regulamentações aplicáveis, auditorias regulares dos contratos, due diligence recorrente dos parceiros e terceiros envolvidos, além de uma análise minuciosa dos relatórios financeiros da empresa patrocinadora, para garantir que a empresa possui a saúde financeira necessária para cumprimento de suas obrigações. É igualmente essencial que os clubes busquem parceiros que garantam e evidenciem, inclusive por meio de comprovação ou testes, que se mantêm em conformidade com as disposições da Portaria. Um sistema de monitoramento eficaz não só protege o clube de eventuais problemas legais, mas também reforça a confiança dos patrocinadores e do público em geral, garantindo a longevidade e a saúde das parcerias comerciais.

  • Transparência e conformidade com a LGPD

Além das medidas já mencionadas, os clubes precisam assegurar que suas operações de dados pessoais, tanto com as casas esportivas quanto com os demais parceiros, estão em plena conformidade com a Lei nº 13.709/2018 (a Lei Geral de Proteção de Dados, “LGPD”). Isso envolve a implementação de políticas de proteção de dados pessoais que abranjam todos os envolvidos nas operações, desde seus torcedores até colaboradores e parceiros comerciais. No caso do relacionamento com casas esportivas, o clube deve garantir que os dados pessoais disponibilizados por ele (cadastro de sócios torcedores, por exemplo) devem ser utilizados estritamente para os fins estabelecidos pela legislação e conforme o consentimento obtido na coleta desses dados. No que tange às normativas trazidas pela Portaria, o clube precisa buscar parceiros que demonstrem o uso e a proteção adequada desses dados pessoais.

A conformidade com a LGPD não é apenas uma questão legal, mas também uma questão de responsabilidade social e credibilidade. Ao proteger os dados pessoais de todos os envolvidos, além de sua proteção contra sanções, os clubes demonstram seu compromisso com a privacidade e a segurança das informações, aspectos cada vez mais valorizados pelos consumidores e pelo mercado.

  1. Conclusão

A Portaria estabelece um novo patamar de responsabilidade e vigilância para as empresas de apostas esportivas e, consequentemente, para todos os terceiros envolvidos. Para os clubes brasileiros, as medidas apresentadas acima não devem ser vistas apenas como uma adaptação aos riscos de relacionamento com casas de apostas, mas como medidas estratégicas para uma melhor gestão, protegendo sua reputação e garantindo a sustentabilidade de suas parcerias comerciais.

Ao adotar as adequações necessárias, os clubes não só se protegem de possíveis sanções legais e danos à sua imagem, como também fortalecem suas relações com as casas de apostas esportivas, garantindo que tais parcerias continuem a ser uma fonte essencial para obtenção de patrocínio. Em última análise, o cumprimento rigoroso das novas regras de prevenção à lavagem de dinheiro e proteção de dados pessoais é fundamental para a manutenção da integridade do esporte e para o sucesso contínuo das parcerias entre casas de apostas e os clubes de futebol brasileiros.

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Por Lucas Togni – advogado associado do Maeda, Ayres e Sarubbi, atua nas áreas de Compliance e Anticorrupção desde 2019. Pós-Graduando em Compliance pela Universidade Puc-Minas e Membro efetivo da Comissão Especial de Direito Desportivo – OAB/SP.

[1] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/debate-sobre-sites-de-apostas-opoe-dados-de-economia-e-saude#:~:text=O%20presidente%20do%20Instituto%20Jogo,hoje%20em%20opera%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil. Acesso em 30/09/2024

[2] Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-1.143-de-11-de-julho-de-2024-571718850. Acesso em 26/09/2024. Acesso em 08/10/2024

[3] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm#:~:text=L9613&text=LEI%20N%C2%BA%209.613%2C%20DE%203%20DE%20MAR%C3%87O%20DE%201998.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20os%20crimes%20de,COAF%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em 07/10/2024

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