Sempre há uma distância entre o que se ouve e o que se faz. Nem por isso devemos deixar a desesperança reinar soberana. O discurso do novo presidente da Confederação Brasileira de Futebol é, sim, para nos encher de esperança.
Ednaldo Rodrigues tem 68 anos e entra na principal entidade do futebol brasileiro já fazendo história. Ele é o primeiro nordestino e negro eleito presidente da CBF (antes CBD) em 107 anos de existência da entidade. Natural de Vitória da Conquista, no interior da Bahia, vem de origem humilde. Uma herança que serve de combustível para mudanças necessárias.
“Eu sempre resisti. O preconceito por ser do Nordeste, o preconceito por ser baiano, com muito orgulho. O preconceito por ser do interior, de Vitória da Conquista, a cidade em que nasci e de que me orgulho de ser filho. O preconceito por ser negro. Essa é a grande realidade e a grande resposta. Não fui só eu quem disse não a esses preconceitos”, disse Ednaldo no discurso de posse na CBF.
Agora, tão importante quanto a história que carrega é a história que quer escrever.
“Eu quero corrigir o rumo. Fazer o melhor e o que é legal. Expurgar toda e qualquer imoralidade que já aconteceu. Queremos virar a página triste da CBF. O futebol brasileiro é grande, mas quando fala de CBF as pessoas fecham o nariz. Não vão fechar mais. Queremos abrir uma nova jornada. Ouvir a todos”, prometeu ele.
Ele falou sobre abuso, preconceito e discriminação. Ele falou sobre bandeiras necessárias. Mas o caminho não será fácil. Já no dia da posse, o preconceito tomou conta das redes sociais.
“Tem cara de narcotraficante “. “Colocaram o pai do xamã na presidência da CBF”. “Tá com cara de chefe da máfia boliviana”.
O nosso déficit civilizatório não pode ser freio para um processo de mudança na sociedade na qual o futebol tem papel importante.
Futebol e o preconceito
Já no seu Estatuto, uma espécie de Constituição do movimento esportivo do futebol, a FIFA se posiciona na defesa de Direitos Humanos.
O art. 3, traz o compromisso de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.
Em 2019, o Código Disciplinar da FIFA se posicionou de maneira firme, apresentando caminho para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia.
Diz o art 13:
Tradução Livre:
13 Discriminação – Qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de palavras ou ações desdenhosas, discriminatórias ou depreciativas (por qualquer meio) em razão da raça, cor da pele, etnia, nacional ou social origem, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição ou qualquer outro motivo, serão punidos com uma suspensão de pelo menos dez jogos ou um período específico, ou qualquer outra medida disciplinar apropriada.
O futebol brasileiro precisa seguir esse caminho.
A Justiça Desportiva também terá um papel importante nesse contexto. Ela já tem punido a injúria racial com base no art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata de atos discriminatórios. Mas é importante não esquecer de um dos princípios basilares da justiça, a equidade. Ou seja, o tratamento igual diante de casos semelhantes.
Importante lembrar também da decisão do STF 2019. O Supremo equiparou o crime de homofobia ao de racismo. Assim, abriu espaço para a Justiça Desportiva também punir condutas homofóbicas com base no mesmo artigo, mesmo sem uma mudança no CBJD. Afinal, o direito é um só.
O caminho necessário
Quando pensamos em Direitos Humanos, o mundo contemporâneo tem exigido respostas e compromissos cada vez mais efetivos por parte dos Estados. E claro que o esporte não só deve seguir esse caminho, como ir além. Ser protagonista nesse movimento.
Os tratados internacionais de proteção de Direitos Humanos, a Constituição Brasileira, a decisão do STF, o Código da Fifa e as decisões recentes do STJD são facilitadores nesse caminho. Fundamental é entender que colocar qualquer tipo de decisão que coloque freios a essas bandeiras universais será sempre um erro histórico do esporte.
Ele sempre foi um catalisador de transformações sociais pelo mundo. Ele ajudou na luta contra o racismo, contra a discriminação aos mais pobres, até na abertura democrática brasileira durante os anos da ditadura.
No mundo, muitos são os exemplos de atletas que entenderam que sua força vai muito além de uma pista ou quadra ou campo, e que eles podem ser agentes importantes na construção de uma sociedade melhor, menos excludente e mais humana.
Não existe esporte longe da proteção de direitos humanos. Esporte agrega, não segrega. Ele aproxima, jamais afasta.
Claro que Ednaldo chega para mudar a imagem da CBF, precisando investir em integridade, governança, transparência e construindo uma democracia dentro da cadeia associativa do futebol brasileiro.
Tudo isso é importante. Assim como é fundamental que ele não esqueça das bandeiras que levantou no discurso de posse.
Afinal, são elas que nos ajudam a vencer o outono da desesperança.
Para isso, além de falar, é preciso agir. Esse é o maior legado que o presidente Ednaldo pode deixar ao futebol brasileiro.
Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF
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