O presidente da UEFA, Aleksander Ceferin, admitiu na semana passada que a entidade que rege o futebol europeu considera flexibilizar a regra que proíbe os clubes que têm o mesmo proprietário de se enfrentarem em competições continentais. Em caso de mudanças, alguns impactos certamente aconteceriam, principalmente em negociações em andamento entre grandes grupos de investimento e equipes tradicionais, como é o caso do Manchester United.
No entanto, a declaração de Ceferin é vista com muito receio, apesar do dirigente afirmar que o tema precisa ser analisado com cautela para que não aconteça uma liberação total. A grande preocupação com uma possível mudança nesse sentido seria por conta do conflito de interesses em uma eventual disputa entre esses clubes.
“Com o crescimento exponencial do número de clubes pertencentes a uma mesma estrutura societária (na expressão inglesa Multi-Club Ownership) é natural aumente a pressão para as entidades organizadoras permitirem que esses clubes participem dos campeonatos internacionais sem qualquer restrição. Embora não seja raro que no ambiente corporativo sociedades pertencentes a um mesmo conglomerado atuem como concorrentes efetivas em determinados mercados, no esporte isso ainda é uma novidade. Mas há um componente adicional: no esporte a lisura (ou mesmo a aparência de lisura) da competição é o que atrai os torcedores, que são, em última análise, os consumidores desse produto”, afirma Tiago Gomes, advogado especialista em direito comercial.
“Um dos grandes desafios da regulação dos MCO é não obstaculizar o mercado, não impedindo investimentos que possam colaborar para o desenvolvimento das equipes e, por conseguinte, da modalidade e, ao mesmo tempo, manter a integridade do esporte, evitando o conflito de interesses e uma possível manipulação de resultados. Nesse sentido, sabendo da dificuldade do tema, a FIFA no último Football Law Annual Review, realizado no México, admitiu, ainda que rapidamente, a necessidade e possibilidade de estudos para a regulação desse modelo de negócio. A UEFA tem sofrido pressão do mercado e dos próprios clubes para mudar os seus regulamentos, um dos mais restritivos quanto aos MCO. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos”, avalia João Paulo Di Carlo, advogado especializado em direito desportivo.
César Grafietti, economista e especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte, destaca que Ceferin abre a possibilidade de discutir o tema, mas que em nenhum momento ele fala em liberar completamente a possibilidade de duas equipes do mesmo acionista se enfrentarem.
“Exceto para a Red Bull, que tem dois clubes competitivos, os demais casos de MCO costumam ter apenas um clube competitivo, e os demais são de menor escalão. A possível flexibilização da regra pode mudar o cenário e passar a criar grupos de clubes de maior porte. Este talvez seja o maior efeito prático da flexibilização”, conta.
O Manchester United, que pertence a um fundo dos Estados Unidos, está na mira de dois possíveis compradores: o xeque Iassim Bin Hamad Al Thani e o empresário britânico Jim Ratcliffe.
Como existe a suspeita de Al Thani estar ligado ao fundo qatari que controla o PSG e Ratcliffe já controla o Nice, da França, ambos veem com cautela a aquisição do clube inglês, já que não poderiam ter, pelas regras atuais, dois times disputando a mesma competição europeia, como a Champions League e a Europa League, por exemplo.
Grafietti ressalta que “haverá sempre um aspecto instransponível, que é a força das torcidas e suas reações”.
“Imagine que Nice e Manchester United sejam do mesmo acionista e se enfrentem nas oitavas de final da Champions League. Para o acionista seria um caos gerir a relação com os torcedores de qualquer das equipes que perdesse, independentemente de ser casual ou imposto. De qualquer forma, a integridade do esporte e da competição precisa ser cuidada e respeitada, e quanto menos margem se dá para dúvidas, melhor para a indústria”, afirma o especialista.
Em entrevista ao ex-lateral inglês Gary Neville, Ceferin disse que está estudando formas de flexibilizar essa regra.
“Não estamos pensando apenas no Manchester United. Temos cinco ou seis proprietários de clubes que querem adquirir outra equipe. Temos que ver o que fazer (…) Temos duas opções: deixar como está ou permitir que os clubes disputem as mesmas competições. Não temos certeza ainda (sobre o que fazer)”, disse o presidente da UEFA.
Apesar da possibilidade de mudança, Ceferin reconheceu que um jogo entre duas equipes do mesmo dono poderia levantar questões sobre um possível interesse do proprietário na classificação de uma das equipes, e como isso poderia interferir na disputa esportiva.
“Não devemos dizer não a um investidor que tenha múltiplos clubes, mas temos que ver que tipo de regras teremos nesse caso, porque elas precisam ser bem rígidas. É verdade que se você é o dono de dois clubes que estão na mesma competição você pode dizer para um deles perder porque você quer que o outro vença”, declarou.
Tiago Gomes, entende que “talvez as estruturas de governança do esporte tenham que buscar um olhar mais aprofundado para essa questão para assegurar a lisura e a aparência de lisura das competições, ainda que delas participem agentes membros de um mesmo grupo societário”.
“Neste momento, eu não vejo essas estruturas capazes de assegurar isso, de forma que me parece que o negócio futebol pode estar arriscando sua reputação com a base de torcedores sem que haja muitas avaliações das consequências disso”, finaliza.
Crédito imagem: UEFA
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