O São Paulo tentará anular, na Justiça Desportiva, a partida contra o Fluminense, realizada em 1º de setembro, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro. Após a divulgação do áudio do VAR (árbitro de vídeo), o Tricolor entende que o árbitro Paulo Cesar Zanovelli cometeu um erro de direito ao validar o primeiro gol do Fluminense, marcado pelo atacante Kauã Elias.
No entanto, o pedido de anulação do São Paulo pode enfrentar um obstáculo em relação ao prazo estabelecido pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) para a abertura de tal solicitação.
Segundo o artigo 85 do CBJD, a impugnação de um jogo deve ser protocolada no Tribunal de Justiça Desportiva (STJD ou TJD) em até dois dias (48 horas) após o envio da súmula à entidade responsável pelo esporte.
O problema é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou o áudio do VAR somente na última sexta-feira, 6 de setembro, seis dias após a partida. O material deve ser a parte da sustentação do pedido protocolado pelo São Paulo.
De acordo com o advogado Carlos Henrique Ramos, especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, o prazo deve ser um ponto decisivo.
“Pela letra da lei (art. 85 do CBJD), sim, estaria prescrito, pois o pedido de impugnação deve ser dirigido ao tribunal em até 48h do depósito da súmula na Federação. Porém, a norma foi editada quando não havia o VAR. Como houve demora na divulgação do áudio do VAR, pode ser válida a tentativa do São Paulo de pleitear a anulação da partida em até 48h da divulgação da sonora como forma de ‘atualizar’ a norma diante do caso concreto e de forçar a CBF a ser mais ágil nessa divulgação. Tudo dependerá da análise do Tribunal”, avalia.
A advogada desportiva Fernanda Soares segue o mesmo entendimento.
“Essa regra do CBJD foi incluída pela Resolução CNE nº 29 de 2009, portanto, muito antes de termos a implementação do VAR. Caso o São Paulo de fato protocole o pedido com base nos áudios divulgados na sexta-feira, será interessante assistir como o Tribunal se posicionará neste caso. Digo isso porque é possível argumentar que os áudios do VAR fazem parte do relato em súmula, já que descrevem as ocorrências da partida. Se assim o tribunal entender, seria possível o recebimento e posterior processamento do pedido de impugnação”, analisa a colunista do Lei em Campo.
Carlos Henrique Ramos ressalta ainda que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) tende a rejeitar pedidos de anulação e pode usar o prazo como argumento para não julgar o caso.
Áudio do VAR mostra contradição de árbitro
Nas imagens divulgadas, o árbitro Paulo Cesar Zanovelli é questionado pela equipe que está na cabine do VAR e descreve como viu o lance. O juiz diz que percebeu a falta do atacante Calleri, mas que decidiu por conceder a vantagem:
“Para mim, disputa de espaço entre Calleri e Thiago (Santos). Calleri segura o Thiago, eu dou vantagem da falta do Calleri. Era falta para o Fluminense”, disse Zanovelli.
Um dos auxiliares do VAR informa para o árbitro que o zagueiro Thiago Silva, por entender que tinha sido marcada a falta, coloca a mão na bola para pará-la e reiniciar a partida.
Então, o VAR sugere que Zanovelli revise o lance no monitor. Enquanto analisa o lance, o árbitro reforça que viu a falta de Calleri. Quando Thiago Silva coloca a mão na bola, Zanovelli se contradiz:
“Eu ia dar a vantagem, o jogador (Thiago Silva) para e bate a falta. Eu dou sinal de falta. Deixa rolar, eu falo agora. Vamos seguir. Eu dei a vantagem, eu segui. É gol legal, tá, Igor (Junior Benevenuto, o VAR)?”, disse Zanovelli.
Houve erro de direito?
Para o advogado Carlos Henrique Ramos, o caso é um típico exemplo de erro de direito.
“Pelo áudio divulgado, o árbitro indicou que deu a vantagem. Como estava de costas, aparentemente não viu que o Thiago Silva cobrou uma suposta falta após colocar a mão na bola. A partir daí, a sequência do lance é irregular. Após ser anotado gol do Fluminense, o VAR alertou o árbitro. A gravidade da situação surge a partir do momento que o árbitro ignora a regra do jogo e sua própria marcação de vantagem para validar o gol irregular mesmo sabedor do toque de mão após ir ao monitor. Me parece um caso claro de erro de direito, a legitimar eventual pedido de anulação de partida, nos termos do art. 259 do CBJD”, afirma.
“Com base nos comentaristas de arbitragem e tendo sua análise observada, entendo que estamos diante de um erro de direito, ou seja, a inobservância da regra. Isto nos leva a entender que a situação poderia ser enquadrada no artigo 259, parágrafo 1º do CBJD, o que poderia então levar a anulação da partida. Importante afirmar que os tribunais esportivos não tem o costume em seus julgamentos de conceder erros de direito, ainda mais após revisão do VAR”, acrescenta o advogado Matheus Laupman.
O parágrafo 1º do artigo 259 do CBJD diz que: “a partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado”.
O erro de direito ocorre quando a arbitragem aplica e/ou interpreta equivocadamente a regra do jogo, possibilitando a anulação da partida. Diferente do erro de fato, o qual ocorre quando a arbitragem não consegue detectar o que de fato aconteceu e com base nisso, se equivoca na marcação disciplinar.
Em exemplos práticos, o erro de direito se caracteriza quando o árbitro não checa se as traves dos gols estão conformes as dimensões definidas pelas regras. Por sua vez, o erro de fato ocorre quando se aplica um cartão amarelo em situação em que, segundo as regras, regulamentos e demais normas federativas impostas, era para ser aplicado o cartão vermelho.
Presidente do São Paulo confirma pedido de anulação
“Não temos outro caminho”. Assim declarou o presidente do São Paulo, Julio Casares, sobre o pedido de anulação do jogo contra o Fluminense. A declaração do dirigente foi feita nesta segunda-feira (9), ao programa “De Primeira”, do UOL Esporte.
“Não temos outro caminho. […] Nós ficamos estarrecidos, não só pelo erro de direito, mas pela postura do árbitro, inadequada para quem deve comandar um espetáculo e decidir por lances capitais. Não nos resta outra alternativa. Ninguém gosta de anular um resultado, mas quando há um erro de direito tão caracterizado, com tantas provas, o bom direito está aí. Não tenho dúvida que o tribunal e seus membros têm bom senso e vão decidir pelo bem do futebol brasileiro. Quem sabe essa decisão pode contribuir para o futebol como um todo”, disse Casares.
Casares acredita que uma potencial anulação da partida pode marcar o início de um processo para “sanear a arbitragem”. O presidente apontou que o episódio no Maracanã “passou de qualquer limite” e apontou uma atuação “desastrosa” do árbitro.
“É irrefutável. O áudio mostra tudo. […] Esse pedido de anulação não é só do São Paulo, é para o futebol brasileiro se libertar desses erros absurdos. Esse tribunal tem a grande oportunidade de sanear a arbitragem, o início de um saneamento. Não tenho nada contra o árbitro, mas está claro que ele foi desastroso, e não adianta ele ser suspenso, reciclagem… ou toma uma medida exemplar agora ou vamos ter que calar todo mundo”, acrescentou o dirigente.
Crédito imagem: Fluminense/Divulgação
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