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Presença feminina em estádios no Irã é avanço, mas não conquista definitiva

Na semana passada uma vitória importante dos direitos humanos foi conquistada em ambiente esportivo. Depois de mais de 40 anos, mulheres puderam assistir a uma partida de futebol do Campeonato Iraniano em Teerã. Essa conquista, que ainda não é definitiva, teve a participação decisiva do movimento esportivo.

O esporte, ao lado de coletivos globais de direitos humanos, tem exercido pressão para que o Irã afrouxe as determinações religiosas que limitam direitos das mulheres, entre eles o de frequentar ambientes esportivos. Esta determinação veio a partir da Revolução Islâmica, de 1979.

O esporte não pode exigir mudanças das leis estatais, mas ele cria regras que determinam quem pode participar desse movimento. E, a partir daí, pressionar países a rever e refletir sobre regras que violam a proteção de direitos humanos, protegido inclusive pelo estatuto da entidade.

No caso das mulheres em estádios do Irã, a pressão tem provocado irritações, diálogos e alguns avanços.

O futebol e as mulheres hoje

Em outubro de 2019, o Irã goleou o Comboja pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. E não foi uma goleada qualquer, 14 a 0! Mas a maior conquista estava nas arquibancadas. Depois de 38 anos, um estádio iraniano recebeu a presença de mulheres.

Foi uma vitória de um movimento global que luta pelo direito das mulheres de poder escolher entre ir ou não a um jogo de futebol, mas que imediatamente apresentou novos desafios.

As mulheres ainda querem poder comprar ingressos (o que só é permitido para homens) e escolher onde sentar (elas ainda têm que ficar em lugares isolados). Além disso, tanto nesse jogo da semana passada, quanto naquele de 2019, foram destinados poucos lugares para as mulheres. Elas não querem uma limitação de presença.

Essas restrições deixam claro que, mesmo com a presença das mulheres nesse jogo, o Irã ainda contraria o estatuto da FIFA, que proíbe qualquer tipo de discriminação. Os artigos 3 e 4 do estatuto apontam o compromisso da entidade com os direitos humanos e a luta contra discriminação de qualquer tipo – explicitando a questão de gênero -, pela igualdade e neutralidade.

Por mais que o Estatuto se refira a assuntos relacionados ao jogo, a imagem do esporte também se vê prejudicada nessa grande discussão, e por isso a FIFA trabalha com diplomacia, mas usando instrumentos de pressão para garantir o acesso das mulheres.

Apesar disso e da força que a pressão da Fifa tem nesse caso, a conquista das mulheres continua sendo uma concessão dos homens. Sobre a presença feminina no jogo da semana passada, as autoridades do país destacaram que “era excepcional”.

Entenda a situação

Antes dessa partida contra o Camboja, foi no dia 5 de outubro de 1981 que as mulheres puderam assistir a um jogo de futebol pela última vez. Os dois times mais populares de Teerã, o Esteghlal e o Persepolis, jogaram no Estádio Azadi.

Desde então a presença de mulheres passou a ser proibida. Nos últimos anos, elas puderam acompanhar partidas de forma esporádica, como na final da Liga dos Campeões da Ásia, em 2018, mas sem comprar ingressos, como no jogo de 2019 e no da semana passada.

No Irã existia uma cultura das mulheres nos estádios.

Elas sempre se interessarem pelo jogo e fizeram parte dele. Torciam, praticavam e até jogavam profissionalmente. Mas a revolução islâmica de 1979 transformou essa realidade e o comportamento imposto às mulheres. Vestuário, trabalho, práticas esportivas, passeios de bicicleta, quase tudo mudou.

Quase tudo passou a ser proibido.

Apesar de o país contar com uma Constituição, o comportamento das pessoas é ditado pela sharia, o conjunto de normas do Alcorão. As ideias islâmicas acabam retirando direitos das mulheres, como a ida aos estádios. Sob o ponto de vista dessa corrente do islã, o ambiente do futebol causa muita exposição às mulheres, e seria um território “pecaminoso” para elas.

Mas a pressão por mudanças é grande. As mulheres não aceitam passivas essa restrição. Mesmo proibidas, algumas torcedoras vão aos estádios disfarçadas. Esse movimento foi retratado em 2006 num filme muito importante, do cineasta Jafar Panahi: “Fora de jogo”.

Outras mulheres participam ativamente de movimentos no exterior pedindo a presença feminina nos estádios, como o coletivo “Open Stadiums”, criado em 2005.

A situação voltou a chocar e provocar debate no mundo depois que a torcedora Sahar Khodayari morreu em setembro de 2019. Ela colocou fogo no próprio corpo enquanto aguardava julgamento por tentar assistir a uma partida de futebol.

O caso repercutiu mundialmente e colocou ainda mais pressão na FIFA. A entidade – que passou a ser ainda mais cobrada depois da morte de Sahar – se posicionou de maneira mais forte com relação à proibição.

O futebol no Irã

Mesmo com tantas limitações, o futebol feminino está organizado no país islâmico inclusive na base, com seleções montadas desde o sub-14 até a adulta. A estrutura ainda é difícil, já que existem poucos campos e clubes para atender o interesse.

Além disso, o futebol feminino não pode ter técnicos homens, e ainda são poucas as mulheres habilitadas para ser treinadoras.

Mas são muitos os exemplos de como pressão podem provocar transformações. Ela provoca diálogos entre Estado e movimentos privados, como o futebol.

Com bom senso e flexibilidade, é possível conciliar questões religiosas com o esporte, encontrando boas soluções para a sociedade. E esse diálogo só se torna possível com a mobilização de todos, das mulheres do Irã, dos movimentos sociais e das entidades esportivas.

Na semana passada mais uma vitória foi conquistada, nesse jogo que ainda não terminou.

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