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Presidente de Federação com poder de punir atletas e árbitros?

Volto à história da Justiça Esportiva brasileira contando mais acerca do primeiro “CBJD”, a Resolução do Conselho Nacional de Desportos – CND, de 4/11/1942. Esta norma instituiu os tribunais de penas junto a cada uma das federações estaduais de futebol. Trata-se de uma resolução de um órgão estatal, à época dirigido por Luis Aranha, que também presidia, ao mesmo tempo, a CBD, antecessora da CBF e de parte do que hoje é representado pelo COB.

Como já venho escrevendo, a primeira Lei Geral do Esporte, o Decreto-lei n° 3.149, de 1941, deu ao Estado brasileiro total poder sobre a organização esportiva nacional. O CND, por lei, encimava a Pirâmide Olímpica no país, retirando qualquer autonomia das entidades esportivas. Abaixo dele, empoderou a CBD para ser, também por lei, a representante das principais modalidades esportivas. Consequentemente, excluiu qualquer possibilidade para que o conflito que se desenrolava desde 1916 na área pudesse ser resolvido no seio do próprio sistema, autonomamente. Ao contrário, o Estado Novo interveio para extinguir a controvérsia por meio de um Decreto-lei e tomando partido por um dos lados da disputa. Os dirigentes do Botafogo representados por Rivadavia Meyer e Luis Aranha, grupo ao qual também fazia parte João Lyra Filho, emerge pelas mãos de Getúlio Vargas como campeões do chamado “Dissídio Esportivo”, com total poder sobre a CBD e o novo CND.

Esta retirada de autonomia esportiva, por outro lado, veio acompanhada de pequenas benesses aos dirigentes regionais de futebol. Isso se evidencia inclusive na força que os presidentes de federações estaduais da modalidade passam a exercer à frente da novíssima justiça esportiva.

Ainda que o CND, como última instância em matéria de justiça esportiva, acumulasse força quase que absoluta nesta área, os Tribunais de Penas não apenas comportavam os presidentes de federações como seus membros/julgadores (ver coluna passada) como tinham neles a autoridade imediata e extra-justiça esportiva na aplicação de penas a atletas e árbitros.

Pior, ainda que os atletas e árbitros não tivessem qualquer garantia de direito de defesa e contraditório perante a nova justiça esportiva, a Resolução do CND de 1942 dava aos dirigentes das federações e confederações tratamento especial nos processos que viessem a responder perante os tribunais de penas. É justamente o que prevê o item 34 desta norma quando – pasmem – dava à própria federação o poder de definir as faltas e sanções a serem previstas contra seus próprios dirigentes, conforme transcrevo abaixo:

34 – O código capitulará as regras de disciplina que a federação deverá impor às suas autoridades e às entidades e dirigentes destas, prescrevendo as penas correspondentes às infrações.

Repare que o primeiro código de justiça esportiva do país prescrevia – em nome do Estado – que atletas e árbitros responderiam com duríssimas penas por seus atos. Porém, que as próprias entidades estaduais cuidassem “autonomamente” de tipificar e prever sanções a quem nelas mandavam.

Era nítida a aliança política que se desenhava naquele momento de intervenção estatal no esporte. Não se dava tanto poder a um grupo sem que se outorgassem pequenos favores às partes mais basais do sistema esportivo que se construía.

Esses micropoderes ainda tolerados às entidades esportivas, ao menos como forma de leniência com possíveis impunidades de dirigentes regionais, se estendiam adiante a matéria que sabemos deveria ser estritamente resguardada à justiça esportiva, no caso, aos recém-criados tribunais de penas. Isso fica claro no poder dado aos presidentes de federações estaduais de futebol de punir atletas e árbitros antes de qualquer manifestação do respectivo tribunal de penas. Pois veja a transcrição da norma:

37 – Caracterizada a existência de um fato irregular, ao presidente da federação caberá o direito de adotar qualquer medida preventiva de punição, sobretudo no caso de haver sido verificado em competição desportiva. Para efeito de suspensão preventiva, será bastante a declaração do árbitro constante da súmula. Da pena de suspensão, com caráter definitivo, descontar-se-á a parte cumprida na punição preventiva […]

A justiça esportiva tinha, desse modo, o presidente da federação de futebol à qual se vinculava como “instância” inicial legítima e definitiva para aplicar a punição de suspensão a atletas e árbitros.

Repare que se houvesse mera indicação de transgressão disciplinar na súmula, o dirigente podia imediatamente retirar o direito de o atleta participar de competições, sem direito a recurso ou qualquer manifestação da justiça esportiva, ou seja, do respectivo tribunal de penas.

Essa “microfísica do poder” se tornou, assim, em um poderoso insumo da repactuação do sistema esportivo nacional por meio da intervenção do Estado.

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