A Globo anunciou nesta quarta-feira (12) que fechou acordos para a transmissão de partidas do Campeonato Gaúcho e Mineiro nas temporadas de 2022 e 2023 na TV aberta, fechada, pay-per-view e pelo site do Ge. A grande novidade da rodada de negociações foi que a emissora se utilizou da ‘Lei do Mandante’ (Lei 14.205), que passou a vigorar no segundo semestre do ano passado, para garantir o direito de exibição apenas clubes de maior expressão do estado de Minas Gerais: Atlético e América.
A exceção serão os jogos do Cruzeiro como mandante em 2022. Isso se explica porque a equipe já havia assinado contrato com o jornal ‘O Tempo’, cedendo os direitos de transmissão dos jogos em casa ao veículo, se valendo também da nova legislação. O dinheiro inclusive já foi usado pelo clube, conforme disse Ronaldo em entrevista coletiva.
Com isso, apenas as partidas em que o Cruzeiro for visitante, enfrentando América ou Atlético, serão transmitidas na Globo.
Dessa forma, os outros clubes que disputam o Campeonato Mineiro, tidos como de menor expressão, acabaram perdendo parte das receitas que nos outros anos eram tidas como “garantidas” por conta dos contratos que eram realizados em blocos. Para especialistas ouvidos pelo Lei em Campo, o novo modelo de negociação trará consequências para o futebol, em especial para as equipes pequenas, como o desequilíbrio econômico e consequentemente técnico.
O advogado Tiago Gomes, especialista em direito comercial, ressalta que isso seria algo previsível, levando em consideração as características do mercado brasileiro.
“Esse resultado era previsível e bastava conhecer as características do mercado brasileiro. Os campeonatos regionais têm a totalidade da demanda de direitos de transmissão concentrada em dois ou três clubes – em São Paulo e Rio, as exceções que confirmam a regra, quatro. Além disso, nossos clubes têm um histórico consistente de adoção de comportamentos individualistas e de curto prazo”, afirma.
“Com efeito, a negociação individual juntamente com a mudança promovida pela Lei do Mandante, pode ser prejudicial aos clubes pequenos, que, certamente, perdem um pouco do poder de barganha que teriam em grupo. Consequentemente, arrecadarão menos e terão menos partidas televisionadas que antes, aumentando-se, assim, a disparidade econômica e, automaticamente, interferindo no equilíbrio esportivo e na qualidade do campeonato”, analisa João Paulo Di Carlo, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“Esse resultado era previsível e bastava conhecer as características do mercado brasileiro. Com a possibilidade de os clubes negociarem individualmente os direitos de transmissão dos jogos em que são mandantes, e com o interesse do público restrito aos jogos dos grandes clubes, resta aos pequenos a possibilidade de negociar as poucas partidas que mandarem contra os grandes. Os grandes podem até receber um pouco a mais pelo conjunto de seus jogos, mas os pequenos irão receber substancialmente menos. Perde a indústria como um todo, e aumenta o já abissal abismo econômico entre os grandes e os pequenos clubes”, acrescenta Tiago.
Ao todo, os acordos realizados garantem à Globo os direitos exclusivos para a transmissão de cerca de cem partidas, sendo todas as 72 do Campeonato Gaúcho e ao menos 25 do Mineiro. Essas foram as primeiras movimentações da Lei do Mandante no futebol brasileiro, que tende a ser discutida cada vez mais daqui para frente.
A nova legislação fez mudanças na Lei Pelé (Lei 9.615/98), que antes previa que o direito de transmissão de um evento pertencia aos dois clubes, o mandante e o visitante. Dessa forma, uma partida só poderia ser exibida se as duas equipes tivessem contrato com a mesma empresa. Já na Lei do Mandante, a emissora de TV, rádio ou plataforma de streaming que estiver interessada em transmitir o jogo precisará negociar apenas com o time que joga em casa, não havendo a necessidade de acordo com os dois.
O advogado João Paulo Di Carlo reforça que a negociação individual, como prevê o modelo brasileiro, traz menos benefícios para alguns clubes.
“Muito embora a divisão das receitas, principalmente no Brasileiro, tenha melhorado nos últimos anos, o caminho a percorrer ainda é longo. Uma das críticas do modelo brasileiro de negociação dos direitos audiovisuais é que ele não é feito de maneira coletiva, cada um negocia por si. Uma negociação coletiva, como ocorrem em países que possuem uma Liga – como Espanha, Inglaterra e Itália – é muito mais benéfica para todos”, pondera.
“O triste é que mostra uma certa inocência da indústria do futebol brasileiro, porque a Lei do Mandante contou com um maciço apoio dos clubes pequenos, que acreditavam que poderiam utilizar a lei para contrabalancear o poder econômico da Rede Globo. Sem conhecer o seu produto, seus consumidores, e os custos e entraves envolvidos na produção e distribuição de conteúdo esportivo para a TV, acreditaram que haveria mercado para negociar a transmissão de seus jogos. Estavam, na verdade, criando um mecanismo para que as redes de televisão adquirissem apenas o produto que realmente as interessava (as partidas dos grandes clubes), e pagassem menos por isso”, finaliza Tiago Gomes.
Crédito imagem: Mineirão/Divulgação
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