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Processo disciplinar de Lucas Paquetá: manipulação de resultados por aposta digital e sua repercussão trabalhista

Vive-se a era digital de manipulações de resultados desportivos através das apostas por via de plataformas da rede mundial de computadores. As famigeradas malas pretas e brancas se modernizaram em tempos digitais, não se foca mais somente no resultado em si, vendem-se tudo de uma partida de futebol. Por exemplo: aposta se um jogador leva o cartão amarelo aos tantos minutos, se o goleiro leva um gol no últmo minuto, se um jogador estratégico ou considerado o mais técnico do time leva o cartão vermelho no tempo tal, dentre outros, a que se designa de compra de resultados parciais ou de atos praticados durante o jogo (disputa esportiva).

Rememore-se, resumidamente, mala preta é a promessa ou o pagamento efetivo aos jogadores de uma equipe para que percam a partida. Por outro lado, a mala branca é a promessa ou o pagamento efetivo por terceiro aos jogadores de um time para que vençam a partida.

Entretanto, como no futebol surgem sempre ocorrências dissolutas, atualmente, o art. 243-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) sanciona qualquer tipo de desvio de conduta atlética que altere indevidamente o resultado: “Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente”. Este mesmo dispositivo prevê pena de multa de R$ 100,00 a R$ 100.000,00, cumulada com supensão de 6 a 12 meses, sendo na reincidência uma apenação de eliminação, caso o acusado seja um jogador profissional.

Conforme o verbete do CBJD acima, eis o porquê tal espécie de infração envolvendo manipulação de resultados são das mais severas das codificações disciplinares do esporte moderno, nomeadamente tal tipo de transgressão viola o âmago da atividade esportiva, o núcleo da ética desportiva, destrinchada em incerteza (pureza, verdade) do resultado, equilíbrio competitivo, mérito no confronto, assim como decorre com a dopagem.

Lucas Paquetá está denunciado em processo desportivo na Comissão Disciplinar intentado pela própria Federação Inglesa, instituição em que sua entidade empregadora é filiada, pois teria provocado quatro cartões amarelos em partidas diferentes do campeonato inglês, desde 2022 até o ano de 2023, para supostamente conceder conquistas a apostadores digitais.

Segundo decisão recente da mesma Comissão Disciplinar em caso semelhante, o jogador condenado levou dez (10) anos de suspensão. Notícias propagam que a Federação Inglesa pede a pena de eliminação da prática desportiva federada ao denunciado citado no parágrafo anterior. No entanto, relembre-se que o acusado é réu primário não deve ser condenado a uma pena máxima, porém áspera, daquelas por prazo, talvez em torno da quantidade de anos do precedente descrito acima, o que já seria desastroso para qualquer carreira atlética.

De todo modo, da decisão da Comissão Disciplinar caberá recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto, localizado na Suíça, e a depender da condenação, se for de eliminação, não se duvida que o jogador recorra à Justiça Comum Suíça, o proporcionando permanecer em trabalho desportivo (jogando) por medidas de efeitos suspensivos recursais até uma decisão definitiva de última instância.

E quanto ao contrato de trabalho desportivo de Lucas Paquetá com o seu empregador West Ham United Football Club como fica perante este processo disciplinar?

Similar ao sistema brasileiro o contrato laboral desportivo na Inglaterra é guiado por duas esferas conjugais: a trabalhista e a desportiva. Isto significa por afirmar que, uma decisão disciplinar definitiva a condenar o jogador em uma pena de prazo longo ou eliminação da prática do futebol federado pode se repercutir sobre o seu vínculo trabalhista, manifestando-se como uma hipótese de justa causa para a extinção do contrato de trabalho desportivo.

Embora o sistema inglês não detenha uma Lei especial para ou que abranja o labor desportivo, consoante há no Brasil, Portugal, Espanha, Itália, Grécia, etc., também no sistema anglo-saxão é prudente apoiar o atleta empregado e aguardar uma decisão final da Justiça Desportiva para que se possa invocar medidas extintivas do contrato laboral desportivo.

Todavia, a depender da sanção disciplinar definitiva do atleta acusado, obtendo como referência o prazo contratual trabalhista, o empregador desportivo poderá aplicar uma justa causa, desdobrando-se em uma cessação do contrato laboral atlético. Se a pena resultante for de eliminação em último grau, gerando a coisa julgada desportiva, indiscutível será a impossibilidade do cumprimento do objeto principal do contrato, mas se for por prazo, deve-se analisar qual será o seu exato tempo, pois do contrato laboral pode restar ainda três (3) anos e o atleta ser punido somente por um (1) ano, o que não inviabiliza por completo a continuidade contratual. Por outra margem, condenado o denunciado por cinco (5) anos ou mais, sendo este o período contratual médio praticado pelos empregadores ingleses, seguindo as normas da FIFA, automaticamente o presseguimento contratual atlético restará impraticável, a resultar a conhecida dissolução da relação laboral com justa causa.

No mais, comprovada em decisão definitiva as atitudes infracionais do jogador denunciado, representar-se-ia uma violação à boa-fé objetiva, na sua vertente de exceção do contrato não cumprido, e nos seus desdobramentos de tu quoque e venire contra factum proprium.

Exceção do contrato não cumprido: resta claro, em caso de futura sanção disciplinar defintiva do jogador, que ele não teria cumprido com o seu dever de lealdade, empenho máximo em favor de seu empregador, além de descumprir as normas de ética, regra e disciplina desportivas, proporcionando ao empregador a ruptura contratual unilateral por culpa do atleta.

Tu quoque: clarividente seria, em caso de futura apenação disciplinar definitiva do atleta, que ele teria surpreendido negativamente o seu empregador ao violar obrigações contratuais básicas, tais como praticar a sua atividade principal (representação nas partidas) com a finalidade de obter os melhores resultados técnicos, mas ao contrário, teria realizado o inverso em prol de suborno pecuniário ou em prol de vantagem patrimonial exclusivamente pessoal.

Venire contra factum proprium: esclarecido estaria, em caso de futura pena disciplinar defintiva do jogador, que ao invés de ele empreender a sua performance atlética em favor do seu empregador, atuou, ainda que algumas vezes, contra o seu próprio empregador, corrompido para angariar pessoalmente mais espécie monetária ou vantagem patrimonial.

A referenciar a comparação do sistema inglês alhures com a ordem jurídica brasileira, passa-se a recordar quais seriam as fundamentações de uma justa causa do contrato especial de trabalho esportivo diante de normas especiais atuais.

A transposicionar para o Brasil, uma possível condenção disciplinar (da Justiça Desportiva) definitiva do jogador denunciado, configurar-se-ia infringência aos deveres de aplicação e dedicação, onde inclui-se a obrigação de lealdade ao empregador (art. 74, I, da Lei n. 14.597/23-Lei Geral do Esporte-LGE c/c art. 35, I, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé), bem como ao exercício da profissão conforme às regras, disciplina e ética desportivas (art. 74, III, da Lei n. 14.597/23-LGE c/c art. 35, III, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé).

Alfim, as violações dos deveres (obrigações) específicos relatados no parágrafo anterior adicionados aos atos de improbidade, indisciplina e mau procedimento (art. 482, a), b), h), da CLT), aplicados complementarmente possibilitariam a utilização do Poder Disciplinar Laboral pelo empregador desportivo para dissolver o contrato especial de trabalho desportivo com justa causa do jogador profissional.

Crédito imagem: Getty Images

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