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Processo eleitoral nas entidades desportivas e a dita “Comissão Eleitoral Apartada”

Em 14 de outubro de 2020, no período entre lockdowns da pandemia da covid-19, sob o argumento de se atender às emergências do Estado de Calamidade Pública, adicionou-se pela Lei n. 14.073 o inciso VI ao art. 22 da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) que determina a obrigatoriedade de realização de pleito eleitoral através de uma “Comissão Eleitoral Apartada” da diretoria da entidade desportiva em processo de eleição.

A primeira questão a ser observada é a terminologia conferida a uma Comissão que conduza o processo eleitoral em uma entidade desportiva (Federação, Clube, Liga).

“Comissão Eleitoral Apartada” não se afigura uma nomenclatura mais adequada para a pretensão alvejada pelo legislador, já que significa aquilo que se separou, foi retirado, afastado, isolado, podendo levar a uma interpretação de que tal Comissão saiu de dentro da própria entidade desportiva em eleição, o que seria bastante estranho, já que o objetivo do legislador teria sido impelir mais imparcialidade e fiscalidade no processo eleitoral associativo desportivo.

Nessa ordem de raciocínio, sugere-se que os nomes mais ajustados seriam “Comissão Eleitoral Autônoma”, “Comissão Eleitoral Externa e Imparcial” ou “Comissão Eleitoral Independente”.

Em segundo plano, é de causar espécie que a “Comissão Eleitoral Apartada” constitua o “pleito eleitoral”, sob a justificativa de maior fiscalidade do processo eleitoral durante a crise sanitária da pandemia da convid-19 que conferiria mais transparência e legalidade.

A “constituição do pleito eleitoral” significa que a dita Comissão tem poderes para constituir e fiscalizar toda a tramitação do processo eleitoral por conta da crise provocada pela pandemia da covid-19, requerente de uma “intervenção externa” nos trâmites eleitorais de uma entidade desportiva.

Concorda-se que, configurar-se-ia até salutar em qualquer época, não apenas em tempos de pandemia, a obrigatoriedade de existência de uma Comissão Eleitoral Autônoma, sem composição de membros da entidade desportiva, mas composta por juristas especialistas para melhor fiscalizar os procedimentos e prosseguimentos de todo o processo eleitoral, mas não como se propõe com a atual previsão do art. 22, VI, da Lei Pelé, em que a descrita “Comissão Eleitoral Apartada” intervém ao ponto de constituir todo o pleito e suas regras.

Essa fórmula abrangente e aguda de uma “Comissão Eleitoral Apartada” proposta pelo atual art. 22, VI, da Lei n. 9.615/98, afronta flagrantemente o sagrado princípio da autonomia desportiva expresso no art. 217, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, por se parece muito mais com uma Comissão Interventora, realizada em um processo judicial de intervenção, do que uma entidade autônoma de fiscalização da ordem jurídica, sendo que de maneira extrajudicial e “impositivamente legal”.

Essa nova forma ordinária de “Comissão Eleitoral Apartada” também diverge daquelas ocasiões em que se prevê nos próprios estatutos das federações uma possibilidade de intervenção extrajudicial e extraordinária por entidades hierarquicamente superiores em certos casos de corrupção ou perigo de corrosão institucional, como já aconteceu de a própria CBF intervir em uma Federação Regional.

Atenderia as necessidades do momento de calamidade pública vivida, se o legislador, conforme os parâmetros do art. 217, I, da CF/88, tivesse resguardado o direito das entidades desportivas se autogerirem, quanto à autonomia de funcionamento, o que inclui a constituição e criação das regras de seus pleitos eleitorais, direcionando às Comissões Eleitorais a importante função de fiscalidade no acompanhamento dos trâmites do processo eleitoral, incluindo a possibilidade de evidenciar possíveis irregularidade às Assembleias Gerais para as respectivas decisões soberanas.

O proposto no parágrafo acima deveria ser o melhor enquadramento de uma Comissão Eleitoral Externa e Imparcial, pois as entidades desportivas são sujeitas, normalmente, a possíveis intervenções judiciais quando há uma ou mais transgressões constitucionais e legais insanáveis.

Demandas judiciais precárias que pretendem a suspensão ou anulação de eleições de entidade desportivas por falta de instituição da referida “Comissão Eleitoral Apartada” prevista no art. 22, VI, da Lei n. 9.615/98 são estritamente legais, mas não se conformam aos contornos constitucionais do art. 217, I, da CF/88 (princípio da autonomia desportiva), pois retira das associações desportivas o sacramentado direito constitucional de exercerem a sua autonomia quanto ao próprio funcionamento eleitoral, mesmo que os motivos sejam a calamidade pública temporária trazida pela pandemia da covid-19.

Enfim, diante do metaprincípio constitucional da presunção de legalidade das Leis, em que toda lei se presume constitucional após a sua publicação ou até o Poder Judiciário a declarar inconstitucional, o mais aprimorado seria que o legislador revisse o descrito no art. 22, VI, da Lei n. 9.615/98 para introduzir uma Comissão Eleitoral Externa e Imparcial, apenas com importantes funções de fiscalização da ordem jurídica nos processos eleitorais das entidades desportivas, já que pelo princípio da autonomia desportiva (art. 217, I, da CF/88) as regulamentações de constituição e andamento do pleito eleitoral cabem à direção federativa e às decisões eleitorais incumbem às Assembleias Eleitorais, enquanto órgãos soberanos, formados pelos próprios associados.

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