Por Luis Fernando Prado Chaves,
Fábio Lara Aspis e
Renato Gomes de Mattos Malafaia
Já não é segredo que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) afeta todos os setores e, assim, organizações que realizam alguma atividade que envolva dados pessoais de pessoas físicas se veem obrigadas a ajustar seu modelo de negócio. Por isso, esse artigo se destina a analisar brevemente a aplicabilidade da nova Lei com relação a algumas organizações que mais tratam dados no Brasil: os clubes de futebol.
Nos últimos anos acompanhamos a expansão dos programas de sócios torcedor: fãs de determinado clube concordavam em pagar determinada quantia à instituição em troca de descontos em ingressos esportivos, promoções junto a parceiros, entre outros benefícios. Para tanto, a adesão ao programa envolve, via de regra, a fase de cadastramento do torcedor perante o clube, mediante fornecimento de seus dados, o que provoca a aplicação da Lei também a estas organizações.
Nesse sentido, identificamos que entre os dados solicitados na fase de cadastro, há diversos pontos de atenção em relação à LGPD. Por exemplo:
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Finalidade e adequação: visando mitigar os riscos aos sócios torcedores, esses princípios pressupõem que a utilização dos dados pessoais deve ser precedida de informação clara e completa sobre seus propósitos, de forma que o motivo da coleta seja estritamente compatível com o objetivo final do tratamento dos dados. Portanto, se os clubes pretendem compartilhar os dados com estabelecimentos parceiros, devem explicitar isso no momento do fornecimento dos dados pelo torcedor e procederem exatamente conforme avisado a ele;
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Necessidade: antes da utilização dos dados, deve-se limitar o tratamento ao mínimo necessário para atingir a finalidade proposta, para que sejam coletados, utilizados ou compartilhados somente os dados pessoais imprescindíveis. Dessa forma, dados como nome completo da mãe, gênero ou raça – coletados por alguns clubes – podem se mostrar irrelevantes, a depender do contexto;
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Transparência: os sócios torcedores devem conseguir entender com clareza como seus dados pessoais serão utilizados, especialmente de que maneira e para qual finalidade ocorre o compartilhamento, mediante informações sucintas e eficazes. Assim, regulamentos, políticas e aviso de privacidade precisam ser adequados para garantir o nível de transparência exigido pela LGPD.
Ainda, as organizações deverão garantir que os direitos previstos na LGPD poderão ser exercidos por seus sócios torcedores, principalmente (mas não exclusivamente) em relação ao acesso, correção, eliminação e a possibilidade de revogação de autorizações anteriormente concedidas.
Não só isso: a ponderação quanto à proporcionalidade do compartilhamento de dados também se faz relevante. Por exemplo, em muitas situações ocorridas hoje, os aderentes dos programas de fidelidade dos clubes não têm conhecimento sobre o nível de compartilhamento de seus dados, o que pode aumentar a chance de tal fato gerar desconfianças, estranhezas e reclamações por parte de tais pessoas. Por exemplo, o sócio torcedor residente no estado X muitas vezes não imagina nem espera que seus dados sejam compartilhados com uma rede de drogaria do estado Y, que sequer é aquele em que seu time do coração está sediado. Em outras palavras, a simples adesão a um programa de sócio torcedor não pode significar, para o clube, uma carta em branca para o irrestrito compartilhamento de dados pessoais, em desacordo com a expectativa de seus filiados.
Além disso, os clubes devem se preocupar em adotar todas as garantias para reduzirem os riscos relacionados às atividades praticadas com dados dos torcedores, como, por exemplo, garantir que os contratos com parceiros tratam de forma adequada a questão do envio/recebimento de dados pessoais, promover treinamentos em proteção de dados ao staff que tem acesso aos dados dos torcedores e reforçar os padrões de segurança da informação.
Por fim, para além das consequências jurídicas, a adequação à LGPD pelos clubes de futebol se faz fundamental inclusive por razões comerciais e reputacionais. Certamente, um clube com programa de sócio torcedor que esteja de acordo com a LGPD conseguirá atrair mais facilmente novos parceiros de negócio – que frequentemente cobrarão evidências de atendimento à nova legislação antes de estabelecerem parcerias com os clubes – e, consequentemente, novos filiados, que, além de se sentirem atraídos por uma rede de parceiros interessante, estarão cada vez mais conscientes e exigentes em relação a seus direitos de proteção de dados.
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Luis Fernando Prado Chaves, CIPP/E, é sócio responsável pela área de Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados do escritório Daniel Advogados.
Fábio Lara Aspis é advogado especializado da equipe de Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados do escritório Daniel Advogados.
Renato Gomes de Mattos Malafaia é advogado especializado da equipe de Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados no escritório Daniel Advogados.