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Proibidos de jogar futebol

Pode um tribunal suspender um jogador profissional de futebol de exercer a sua profissão? Sim, pode. E já aconteceu na prática, em Portugal. Recordemos o início do mês de março de 2017, quando o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa informou a comunicação social de que um futebolista, indiciado por dois crimes de corrupção ativa em competição desportiva, e um outro, indiciado pelo crime de apostas desportivas à cota de base territorial fraudulentas foram objeto da medida de coação de “suspensão da profissão/atividade de jogador de futebol em equipes da I e II ligas nacionais de futebol e campeonato de Portugal”.

Ainda mais recente é a alteração à ‘ei da Corrupção no Desporto, publicada em 2 de maio de 2017 – refiro-me à Lei 13/2017, que procedeu a segunda alteração no regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva e primeira alteração nos regimes jurídicos dos jogos e apostas online e da exploração e prática das apostas desportivas à cota de base territorial. Ora, na lei, em que já constava a “pena acessória” de “Suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos”, foi agora aditada a pena acessória de “Proibição do exercício de profissão, função ou atividade, pública ou privada, por um período de 1 a 5 anos, tratando-se de agente desportivo”, cabendo o praticante desportivo nesse conceito mais abrangente de “agente desportivo”.

Temos, pois, o julgador e o legislador a agir, cientes do carácter dissuasor que, enquanto medida de coação, ou pena acessória, pode ter para um futebolista, ficar inibido, mesmo que temporariamente, de exercer a sua profissão (quando o faz a título exclusivo ou principal) ou a sua atividade.

Servem esses dois bons exemplos, que dão o título a esta crônica, para aqui vincar a mensagem que lhe queria transmitir hoje, caro leitor: uma das formas de, em Portugal, combatermos os flagelos que atentam contra a ética no desporto, em geral, e no futebol, em particular, passa por legislar medidas de coação e sanções acessórias verdadeiramente dissuasoras. E, num segundo momento, não menos importante, urge aplicá-las a cada situação concreta que o justifique.

É evidente que o reforço da prevenção se mostra essencial. Também é útil alterar os regulamentos, colmatando lacunas, tipificando e sancionando de molde a tentar erradicar ou pelo menos mitigar os flagelos em causa. Mas importante também é, a meu ver, lançar mão das medidas de coação e das penas acessórias que fazem temer eventuais (novos) prevaricadores. Porque tal evita infracções (contraordenacionais, disciplinares, penais…), em particular as mais graves. Aliás, todos nós, como cidadãos, num contexto alheio ao desporto, o sentimos na pele: por exemplo, quando nos “acenam” com a pena acessória de inibição de conduzir, prevista no Código da Estrada, trememos e exclamamos: “Não posso ficar sem carta!”.

Alguém tem dúvidas de que interditar o acesso de um espectador a um recinto desportivo (obrigando-o também a apresentar-se na esquadra de polícia da sua área de residência na hora dos jogos) pode prevenir que esse espectador e outros pares incorram em atos de violência, racismo, xenofobia ou outras formas de discriminação social?

Não será também impactante para um promotor de um espetáculo desportivo (um clube, uma sociedade desportiva, uma associação, uma federação…) a aplicação da “sanção acessória de realização de espetáculos desportivos à porta fechada”?

E que dizer dos efeitos que, para um praticante desportivo integrado no sistema do alto rendimento, podem ter as sanções acessórias (que acompanham sanções disciplinares) de suspensão da integração no sistema de alto rendimento ou mesmo da exclusão definitiva desse sistema? Ora, a nossa lei antidopagem não só o prevê como também consagra “Sanções desportivas acessórias” muito gravosas para o agente desportivo infrator, como seja a invalidação de resultados individuais, “com todas as consequências daí resultantes, incluindo a retirada de quaisquer medalhas, pontos e prêmios”.

E ainda um outro exemplo vertido na referida Lei da Corrupção no Desporto, na qual se prevê a “pena acessória” de “Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados pelo Estado, regiões autônomas, autarquias locais e demais pessoas coletivas públicas por um período de 1 a 5 anos”. Pergunto: em Portugal e no sistema desportivo que conhecemos, não estaremos perante algo de verdadeiramente dissuasor?

Nada disso é uma panaceia, a cura para todos os males, claro está. Mas, a meu ver, é já algo de muito importante. Que se tem de aproveitar.

Está na lei. Aplique-se. “Mude-se a lei”, diz-se sempre. Pode ser a via, claro. Mas não será a única, creio. Porque coação é mesmo coação. E porque o que é acessório no nome pode não o ser nos seus efeitos práticos…

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