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Projeto de governança para futebol de governo inglês é recado para o esporte: faça o certo

Um projeto do governo do Reino Unido para melhorar a governança no futebol deve servir de reflexão para o futebol brasileiro. É preciso avançar em controles de responsabilidade. Se o esporte não tomar as medidas de maneira autônoma, o Estado pode entrar nesse jogo.

O plano inglês nasceu do susto da criação da Superliga (grandes clubes da Europa querendo montar um campeonato de forma independente), com o então primeiro-ministro Boris Johnson passando a discutir caminhos para impedir a adesão dos ingleses. Uma das principais medidas é a criação de um órgão regulador, estabelecido por lei, para supervisionar a sustentabilidade financeira do jogo.

A ideia é de que esse órgão regulador tenha controle sobre o processo de licenciamento dos clubes, que teriam de provar a sua solvência e apresentar modelos de negócios “financeiramente sólidos”. E o plano vai além, ele também iria supervisionar os testes para proprietários e diretores dos clubes da elite inglesa, uma espécie de diligência prévia sobre possíveis compradores de clubes.

Alguns pontos importantes do plano:

– O primeiro regulador independente para o futebol masculino de elite;

– Um sistema de licenciamento da primeira até a quinta divisão inglesa, com o requerimento de modelos sólidos de negócios;

– Fortalecimento dos testes de proprietários e diretores dos clubes;

– Aumento do poder dos torcedores na administração dos clubes;

– Bloqueio para clubes ingleses ingressarem em ligas separatistas.

E a autonomia esportiva?

O projeto atinge em cheio um dos pilares do movimento esportivo, a  autonomia das entidades esportivas.  Ele pode prever a proibição de integrantes do Campeonato Inglês de ingressarem em ligas independentes/separatistas, como a Superliga, além de tornar mais rígidas as regras de propriedade e dar “mais espaço” aos torcedores na administração dos clubes.

O curioso é que apesar da legislação ser estatal, a Federação Inglesa de Futebol (FA) e a Liga de Futebol Inglês (EFL) – responsável pelas divisões inferiores – apoiam o plano do governo do Reino Unido.

Já a Premier League (1ª divisão do futebol inglês), porém, disse em comunicado que busca implementar uma regulamentação mais independente nos últimos anos, indicando que não precisaria de intervenção por parte do governo.

Esse é o ponto!

Algumas medidas são importantes na proteção do esporte, mas partem pelo caminho errado. Uma iniciativa como essa ganharia muito mais legitimidade se partisse do próprio movimento esportivo.

No Brasil, inclusive, uma legislação similar poderia ser considerada inconstitucional com base no art 217 da Constituição Federal, que reforça a proteção da autonomia das entidades esportivas, que devem escolher caminhos como modelos de gestão e governança de maneira autônoma.

Vale como exemplo o movimento do PROFUT em 2015 que pretendia ser mais abrangente, porém teve alguns dispositivos questionados em relação a sua constitucionalidade e vários deles derrubados pelo STF.

O que fazer?

Legislar nessa seara, com sanções desportivas e sem o apoio das entidades desportivas, poderia gerar as mesmas nulidades apontadas pelo Supremo. Por isso, o melhor caminho seria o esporte valorizar a governança, investindo em compliance e conformidade, até como forma de proteger a própria autonomia.

Exemplos existem, Fair Play Financeiro na UEFA (sendo aprimorado) e regras de licenciamento da Conmebol que passaram a ser adotadas pela CBF. O movimento esportivo precisa ser protagonista nessa transformação.

O esporte precisa de responsabilidade, de assumir compromisso público com ética e transparência.

Mas aí me veio uma frase do professor e amigo Jean Nicolau, em entrevista ao Lei em Campo: ”Com todo o respeito devido à autonomia das entidades esportivas e a todos princípios a ela associados, num contexto de crescente concentração de riquezas no mercado do futebol, não é simples imaginar soluções que, sem a participação dos poderes públicos (internos ou europeus), possam mitigar o problema. Em outros termos, vale pensar se seria possível acreditar apenas na boa vontade de clubes e ligas esportivas”.

É para refletir.

Se não for por boa vontade, que seja para proteger a própria autonomia. Em tempos de grande vigilância e de movimentações recordes de dinheiro, se o esporte não tomar a iniciativa, vai ficar difícil de impedir que o Estado tome conta do campinho.

Crédito imagem: Premier League/Divulgação

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