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Projeto de Lei que restringe as atividades de treinador é inconstitucional

A Lei nº 14.597/2023 conceituou e trouxe novas regras para a atividade do treinador desportivo. Desta forma, de acordo com o art. 75 da Lei Geral do Esporte (LGE/2023), considera-se treinador desportivo profissional a pessoa que possui como principal atividade remunerada a preparação e a supervisão da atividade desportiva de um ou vários atletas profissionais.

A Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 4.817/2023, que propõe restrições ao exercício da atividade de treinador desportivo, limitando-o a ex-atletas olímpicos e paralímpicos que tenham concluído um curso de formação específico.

Importante lembrar que a atividade do treinador já sofreu limitações com a aprovação da LGE/2023, pois o exercício da profissão de treinador desportivo em organização de prática desportiva profissional fica assegurado exclusivamente: 1) aos portadores de diploma de educação física; 2) aos portadores de diploma de formação profissional em nível superior em curso de formação profissional oficial de treinador desportivo, devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação, ou em curso de formação profissional ministrado pela organização nacional que administra e regula a respectiva modalidade desportiva e 3) aos que, em 14/06/2023, estejam exercendo, comprovadamente, há mais de 3 anos, a profissão de treinador desportivo em organização de prática esportiva profissional.

Além disso, a atividade de treinador também pode ser desempenhada por ex-atletas, desde que cumpram duas exigências. A primeira é comprovar ter exercido a atividade de atleta por 3 (três) consecutivos ou por 5 anos alternados, devidamente comprovados pela respectiva organização que administra e regula a modalidade desportiva; e a segunda é participar de curso de formação de treinadores, reconhecido pela respectiva entidade de administração do desporto.

O relator do PL nº 4.817/2023, deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO), recomendou a aprovação da proposta com base na ideia de que ao restringir a permissão aos ex-atletas, a lei garantiria que os treinadores tivessem comprovada capacidade técnica e experiência no desporto.

Portanto, se aprovado, o texto irá alterar a LGE/2023, que atualmente permite que qualquer ex-atleta se torne treinador esportivo, desde que comprove ter exercido a atividade de atleta por três anos consecutivos ou por cinco anos alternados, devidamente comprovados por uma organização esportiva, e tenha participado de um curso de formação de treinadores reconhecido pela organização.

As exigências permanecem, mas agora seriam aplicáveis exclusivamente aos ex-atletas olímpicos e paralímpicos.

O referido projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Contudo, o projeto de lei em questão é inconstitucional, pois restringe o exercício de uma atividade profissional sem que haja uma justificativa condizente e proporcional. Com efeito, as limitações à liberdade de ofício hão de ficar orientadas pelo interesse público, jamais pelo interesse da categoria.

Desta forma, os limites que já foram impostos pela Lei Geral do Esporte são proporcionais e compatíveis. Porém, o aumento das restrições, conforme proposto no projeto de lei, não encontra amparo na Constituição Federal.

É importante ressaltar que a garantia de liberdade de profissão comporta alguma limitação pelo legislador infraconstitucional, conforme dispõe o art. 5º, XIII, da CRFB. Porém, essa limitação já foi observada e justificada quando da sanção da Lei nº 14.597/2023.

Embora admissível, essa intervenção está materialmente submetida a preceitos constitucionais, como o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput, XXXII; 170, caput, e VIII; 186, III, 191 e 193).

Portanto, a legitimidade da atuação legislativa no campo do exercício do trabalho deve ser restrita apenas ao indispensável para viabilizar a proteção de outros bens jurídicos de interesse público igualmente resguardados pela própria Constituição, como a segurança, a saúde, a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, a proteção especial da infância e outros. O STF já manifestou entendimento no sentido de que somente quando a execução individual de determinada atividade puder implicar risco a algum desses valores, imprescindíveis para o bem-estar da coletividade, é que o legislador estará autorizado a restringir a liberdade de trabalho (Tema 455 – RE 1.263.641, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator Min. Alexandre de Moraes).

De acordo com o Pretório Excelso, são diretrizes para a atividade legislativa tendente a condicionar o exercício de alguma profissão: (a) a lei não pode estabelecer limitações injustificadas, arbitrárias ou excessivas; (b) as limitações instituídas pela lei devem fundamentar-se em critérios técnicos capazes de atenuar os riscos sociais inerentes ao exercício de determinados ofícios; e (c) as limitações instituídas pela lei não podem dificultar o acesso a determinada categoria profissional apenas sob o pretexto de favorecer os seus atuais integrantes, mediante restrição exclusivamente corporativista do mercado de trabalho.

Com efeito, as restrições propostas no PL nº 4.817/2023, não estão circunscritas naqueles bens jurídicos acima mencionados, pois limitar o exercício da atividade a ex-atletas olímpicos e paralímpicos não parece justo com os demais ex-atletas.

Salutar foi o entendimento do STF que passou a exigir como requisito de validade das limitações normativas ao exercício profissional, que sejam elas obedientes a critérios de adequação e de razoabilidade que possam ser aferidos lógica e objetivamente.

Crédito imagem: Ridofranz Crédito: Getty Images

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