Por Rafael Marchetti Marcondes
Foi só o City Football Group voltar ao mercado e anunciar mais uma aquisição, dessa vez o clube francês Troyes, que voltamos a ouvir uma enxurrada de críticas, assim como aconteceu com as nove aquisições anteriores feitas pelo grupo.
O conglomerado detém o controle do New York City (Estados Unidos), Montevideo City Torque (Uruguai), Melbourne City (Austrália), Yokohama F. Marinos (Japão), Sichuan Jiuniu (China) e Mumbai City (Índia), além da cereja do bolo, o Manchester City (Inglaterra).
Duas são as principais críticas feitas à política de atuação do City Football Group: (i) a existência de conflito de interesses na hipótese de dois ou mais clubes detidos por um grupo participarem de uma mesma competição; e (ii) a possível manipulação de preços nos negócios (vendas ou empréstimos de atletas) realizados entre clubes pertencentes à mesma estrutura empresarial.
Mas afinal, será que estamos diante de duas barreiras efetivamente intransponíveis? Os obstáculos apontados devem mesmo levar a FIFA a barrar esse tipo de iniciativa?
A resposta a essas duas questões é um categórico NÃO.
A primeira das críticas apontadas, sobre o eventual conflito de interesses em haver dois times de um grupo econômico participando do mesmo torneio, apesar de louvável, não deve ser vista como um impedimento. No automobilismo isso é recorrente, normalmente as equipes possuem dois pilotos disputando a mesma competição e nem por isso se cogita uma mudança nas regras que proíba tal prática.
Já existiram casos de favorecimento? É evidente que sim. Que brasileiro não se lembra das diversas disputas em que a Ferrari determinou que Rubens Barrichello e Felipe Massa deixassem o alemão Michael Schumacher ultrapassá-los? Na Fórmula 1 posturas como essas só se repetiram pelo fato de a FIA permitir.
O que se observa é que em situações como a descrita, em que se identifica clara falta de esportividade, cabe à instituição reguladora avaliar a situação e punir os infratores, caso entenda que seja o caso.
No futebol há a FIFA para cuidar de organização do esporte, cabendo a ela analisar cada caso individualmente e adotar as medidas que julgar cabíveis, sem a necessidade de impedir que um grupo econômico possa ter dois times participando da mesma competição. Afinal, é perfeitamente possível, e diria até esperado, diante do ambiente de Fair Play que permeia o futebol, que dois times de um mesmo grupo atuem de forma independente, de acordo com os seus próprios interesses.
A segunda crítica que é feita refere-se ao risco de manipulação dos valores das transações feitas por clubes de um mesmo grupo econômico. Novamente, o argumento não vai adiante. O mercado é rico em exemplos de empresas que negociam entre si, mesmo tendo controladores comuns.
Os governos não impedem a realização de negócios entre empresas relacionadas. Apenas regulam essas transações, de modo a garantir que os negócios, quando celebrados, ocorram a valor de mercado.
Para ilustrar o que estou a dizer existem dois conjuntos de regras que regulamentam os preços válidos para fins fiscais em transações entre partes relacionadas: (i) as regras de Distribuição Disfarçada de Lucros, ou simplesmente DDL; e (ii) as regras de preços de transferência.
Em linhas gerais, as regras de DDL são aplicáveis em transações entre partes brasileiras e têm o objetivo de ajustar os preços praticados entre pessoas ligadas, recompondo o preço da transação, caso ela ocorra em valor inferior ao de mercado. Já as regras de preços de transferência, têm finalidade semelhante, a de assegurar que os negócios sejam praticados a valor de mercado, porém cuida especificamente das transações verificadas entre partes vinculadas, quando uma está localizada no exterior e outra no Brasil.
Logo se nota que as críticas feitas não se sustentam. E mais, evidenciam um olhar para o futebol completamente desconectado da realidade de mercado. O futebol precisa definitivamente parar de ser encarado com uma visão paternalista e amadora. É preciso ter claro, de uma vez por todas, que o futebol é negócio, mais do que isso, uma indústria que movimenta bilhões todos os anos.
O futebol deve ser visto como qualquer outra atividade econômica encontrada no mercado. Ninguém sai esperneando por aí quando a Nestlé adquire uma nova empresa do setor alimentício, ou mesmo quando a Amazon assume o controle de mais uma empresa ligada à área de tecnologia. Pelo contrário, o grande público aplaude iniciativas como essas.
Então por que tamanha resistência quando isso se passa no futebol? Sinceramente, não entendo. E não entendo principalmente pelo fato de as críticas feitas serem perfeitamente contornáveis, como apontamos há pouco. Cabe à FIFA regulamentar as situações possíveis a fim de evitar que desvios de conduta aconteçam e que, se acontecerem, assegurar sua punição, mas jamais barrar esse tipo de iniciativa adotada pelo City Football Group.
As normas de combate à falta de transparência já existem e há anos são praticadas no mundo corporativo. Muito se cobra no futebol sobre a adoção de uma postura mais profissional, mas quando isso acontece, o que se nota é que as pessoas relutam em aceitar tal condição. Sinceramente, como dizem por aí, “se não quer brincar, não desce pro play”.
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Rafael Marchetti Marcondes é doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em Sport Management pelo ISDE e FC Barcelona. Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito Tributário na EPD e no IBET. Advogado. Consultor no escritório Pinheiro Neto.