Em forma de protesto, os jogadores do Bahia decidiram não se concentrar nos jogos realizados na cidade de Salvador e nem dar entrevistas. O motivo é o atraso em parte dos salários desses profissionais. O caso reacende uma importante discussão dentro do futebol e que o Lei em Campo já trouxe em outras ocasiões: por que os clubes não são punidos pela falta de compromisso com os atletas?
“A regra (art. 20 do Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro) foi feita para não gerar punições. Exigir que a iniciativa parta dos atletas é algo inimaginável em qualquer ambiente minimamente razoável. Além de não receber o salário querem obrigar o atleta a se expor e criar desgaste com a torcida e também com outros clubes, que podem passar a vê-lo como um risco de perda de pontos, já que o não pagamento de salários é habitual”, afirma Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“Art.20 – O clube que, por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, estiver em atraso com o pagamento de remuneração, devida única e exclusivamente durante o CAMPEONATO, conforme pactuado em Contrato Especial de Trabalho Desportivo, a atleta profissional registrado, ficará sujeito à perda de 3 (três) pontos por partida a ser disputada, depois de reconhecida a mora e inadimplemento por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)
§1º – Ocorrendo atraso, caberá ao atleta prejudicado, pessoalmente ou representado por advogado constituído com poderes específicos ou, ainda, por entidade sindical representativa de categoria profissional, formalizar comunicação escrita ao STJD, a partir do início de 30 (trinta) dias contados do encerramento do CAMPEONATO, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de reclamação trabalhista, caso a medida desportiva não surta efeito e o clube permaneça inadimplente
§2º – Comprovado ser o clube devedor, conforme previsto no caput deste artigo, cabe ao STJD conceder um prazo mínimo de 15 (quinze) dias para que o Clube inadimplente cumpra suas obrigações financeiras em atraso, de modo a evitar a aplicação da sanção da perda de pontos por partida, sem prejuízo às penalidades administrativas previstas no RGC (Regulamento Geral de Competições)”, diz parte do documento.
Theotonio Chermont, advogado trabalhista, ressalta que os jogadores podem se recusar a cumprir suas obrigações em caso de atrasos.
“Há previsão legal no artigo 32 da Lei Pelé que permite ao atleta profissional se recusar competir por entidade de prática desportiva quando seus salários estiverem atrasados em dois ou mais meses, podendo inclusive rescindir o contrato indiretamente quando o atraso chegar a 3 meses (art. 31 da Lei Pelé). O contrato de trabalho é sintagmático, o que pressupõe obrigações recíprocas entre as duas partes. Ou seja, para uma das partes cumprir a sua parte do acordo, a outra também terá que cumprir a sua. No entanto, a legislação pátria, juntamente com o ativismo judicial de alguns tribunais, impede que a lei seja rigorosa nesse sentido”, afirma.
A Fifa tem sido rigorosa com o atraso salarial. Em disputas internacionais, ela estabelece o prazo de 2 meses para que o atleta consiga rescindir contrato com o clube inadimplente. No Brasil, a Lei Pelé protege jogador com salários atrasados. Se o atraso completar 3 meses, ele pode buscar a rescisão indireta do contrato com o clube.
Em comunicado oficial, o Bahia confirmou que existe atraso de um mês de salário e três de direito de imagem para o elenco, com “exceção a sete atletas remanescentes do ano passado, que estão com outros quatros meses de imagem em aberto, fruto de acordo de renegociação da pandemia”. No texto, o Tricolor não comenta o protesto dos jogadores.
O problema com os salários não afeta somente os jogadores profissionais. Outros funcionários do Bahia também têm sofrido com os recorrentes atrasos nos últimos meses. Segundo o clube, 384 colaboradores receberam o salário de agosto e que outros 487 funcionários receberam o 13º de 2020, faltando 63.
O advogado Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, afirma que é preciso mudanças. “A solução para o problema é simples: obrigar os clubes a juntar comprovação de pagamento de salários em sistema específico, vinculando isso à condição de jogo dos atletas. A prestação de contas deveria ser por parte do clube ou, no mínimo, independer de provocação dos atletas, cabendo qualquer tipo de comprovação da inadimplência para a denúncia”, opina.
“A Lei 13.155/15 (Profut), que alterou alguns dispositivos da Lei Pelé e do Estatuto do Torcedor, que em seu artigo 10, §§ 1º, 3º e 5º incluía a obrigatoriedade dos clubes comprovarem a quitação de todos os débitos do ano anterior, tanto em relação aos impostos como com a folha salarial de atletas e funcionários, para se habilitarem a disputar competições nacionais, foi derrubada por liminar do STF. No Brasil são criadas leis para exigir austeridade e moralidade, mas sempre há um terceiro interessado que resolve discutir seus efeitos e fulminar sua eficácia”, afirma Theotonio.
Ainda na nota, o Bahia reafirmou que enfrenta dificuldade financeira e diz que “quedas bruscas de receita como a do programa de sócios, antes capaz de quitar folhas inteiras de pagamento só com as mensalidades dos torcedores, afetaram o orçamento e o planejamento montados no final de 2019”.
Por fim, Theotonio diz que “não vemos movimentos em qualquer esfera para acabar com as gestões temerárias, amadoras e prejudiciais aos empregados e credores, mas sim movimentos políticos para criar benefícios aos clubes sob o surrado fundamento de que não podem encerrar suas atividades. Sou a favor de regramento rigoroso, duro e eficaz para vincular obrigações laborais a punições desportivas, de alguma forma”.
No final de semana, o Bahia visitou o Internacional, em Porto Alegre, e perdeu por 2 a 0. Com os resultados da 22ª rodada, o Tricolor caiu para a 17ª colocação, ficando dentro da zona de rebaixamento.
Confira a íntegra do comunicado oficial do Bahia
“O Esporte Clube Bahia vem a público responder matéria veiculada pelo site ‘TNT Sports’, na tarde desta sexta-feira (24), que lamentavelmente não cumpriu requisito jornalístico de procurar o posicionamento da instituição.
É verdade que o Bahia vive situação de dificuldade financeira, motivada pelos efeitos da pandemia a partir de março de 2020, que impediram o clube de seguir a rotina de salários em dia desde a temporada de 2015.
Quedas bruscas de receita como a do programa de sócios, antes capaz de quitar folhas inteiras de pagamento só com as mensalidades dos torcedores, afetaram o orçamento e o planejamento montados no final de 2019.
Apesar disso, as informações divulgadas estão equivocadas.
Neste momento, em função dos motivos citados, há atraso de um mês de salário e três de imagem para o elenco, exceção a sete atletas remanescentes do ano passado, que estão com outros quatro meses de imagem em aberto, fruto de acordo de renegociação da pandemia.
Mais: até então 384 colaboradores receberam o salário de agosto, que venceu no 5º dia útil de setembro, sempre iniciando das menores para as maiores remunerações. Além disso, 487 funcionários receberam o décimo terceiro de 2020, faltando 63, dentre eles os jogadores.
Neste um ano e meio de crise mundial, não houve demissões. A prioridade foi manter o emprego das pessoas que fazem o Esquadrão.
Superada a pior fase do problema, o Bahia se encaminha para solucionar as últimas pendências. Já estamos melhor do que estávamos e a união de todos, dentro e fora do clube, se mostrará fundamental”.
Crédito imagem: Bahia
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