O Brusque foi punido com rigor pela Justiça Desportiva, e da melhor maneira: multa e perda de pontos. Mas era um caminho necessário. O esporte não pode tolerar o preconceito. Ele agrega, não segrega. O caso pode ser um marco para o combate ao racismo no futebol, ou se tornar mais um triste exemplo de como tratamos diferentes de formas diferentes, contrariando a essência da Justiça.
O Lei em Campo já havia trazido aqui o caso envolvendo crime de injúria racial contra o jogador Celsinho e a os caminhos que a Justiça Desportiva tinha para punir essa conduta que deve ser sempre combatida. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) agiu com o rigor, condenando o Brusque à perda de três pontos na Série B e multa de R$ 60 mil por conta do caso de racismo contra Celsinho, do Londrina.
Da decisão ainda cabe recurso ao Pleno do Tribunal.
Durante o julgamento o presidente licenciado do Conselho Deliberativo do clube catarinense, Júlio Antônio Petermann, reconheceu ter ofendido o meia com as palavras ‘vai cortar esse cabelo seu cachopa de abelha’. O dirigente foi condenado a 360 dias de suspensão, além de uma multa de R$ 30 mil
O Tribunal usou o artigo 243-G, que fala em Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, para punir Julio e o Brusque. O clube ainda foi enquadrado no artigo 191, II, III do CBJD , deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento, por não fiscalizar o comportamento dos profissionais do clube, possibilitando que os mesmos agissem como torcedores.
Mas a decisão poderia trazer também o art 5, XLII, da Constituição Federal, que fala do racismo como crime inafiançável, ou de todas as proteções à igualdade que a Constituição traz, ou as cartas universais de proteção de direitos humanos e até o próprio Estatuto da Fifa e o Código Disciplinar da Entidade. Todos eles têm como pilares o combate ao preconceito.
O esporte não se afasta da proteção de direitos humanos. E ele precisa sempre combater o preconceito.
A punição ao Brusque é necessária e não dá para transformar o clube em vítima.
Explico. Essa punição não terá cumprido seu papel se ela não colocar uma nova régua sobre intolerância para o Tribunal. A decisão abre precedente. E, tomara, que consolide uma jurisprudência sobre o caso.
Não dá para tirar pontos apenas do Brusque. Nem do Grêmio.
Caso Aranha
O Grêmio ainda é o único dos grandes clubes brasileiros que sofreu uma punição mais dura da Justiça Desportiva brasileira no caso do goleiro Aranha. O time foi eliminado da Copa do Brasil de 2014 por conta de manifestações racistas dos torcedores.
Poderia ser uma nova régua para o esporte brasileiro; não foi.
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) “fez história” ao excluir o Grêmio da Copa do Brasil por injúria racial contra Aranha de grande parte da torcida.
A artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), traz – entre outras possibilidades – as tipificações por ato discriminatório, em função de raça. Elas são as mesmas constantes no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal, que trata da injúria, sendo as penas diferentes de uma legislação para a outra, por motivos claros.
O § 1º determina que a “infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. “
Mas até agora, a punição ao Grêmio, lá em 2014, não funcionou como marco, mas como exceção.
Movimento esportivo tem papel de destaque na defesa de causas sociais.
Em julho de 2019, a Fifa anunciou um Novo Código Disciplinar, cujo texto dá ênfase ao combate ao racismo. O presidente da entidade, Gianni Infantino, já falou sobre sua insatisfação com o racismo que se apresenta no futebol.
“O racismo se combate com educação, condenando, falando nele. Não se pode ter racismo na sociedade e no futebol. Na Itália, a situação não melhorou, isso é grave. Precisamos identificar os autores e expulsá-los dos estádios. Não devemos ter medo de condenar os racistas, devemos combatê-los até o fim”, falou.
Mas o futebol não tem dado o exemplo de um combate efetivo ao problema do racismo. São muitos os casos de racismo em gramados pelo mundo, e poucos os exemplos de punição do esporte.
A história mostra que penas financeiras não têm ajudado a diminuir os crimes de injúria racial. É preciso ser mais rigoroso, e punir o clube também esportivamente.
Nesta semana, dois casos para vencer a desesperança.
Primeiro, tivemos a punição pela FIFA da Hungria – que jogará sem torcida e terá que pagar uma multa – em função de injuria racial de seus torcedores contra jogadores da seleção inglesa.
Agora, o movimento esportivo pune o Brusque.
O esporte entendendo seu papel social.
O esporte sempre foi um catalisador de transformações sociais pelo mundo. Ele ajudou na luta contra o racismo, contra a discriminação aos mais pobres, até na abertura democrática brasileira durante os anos da ditadura.
No mundo, muitos são os exemplos de atletas que entenderam que sua força vai muito além de uma pista ou quadra ou campo, e que eles podem ser agentes importantes na construção de uma sociedade melhor, menos excludente e mais humana.
O STJD toma o caminho necessário. E precisa ser aplaudido. Ele manda o recado: “não repitam o que aconteceu com o Brusque, ou vocês serão punidos”.
Tomara!
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