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Qual a natureza jurídica da relação do atleta profissional com a Seleção Brasileira?

A relação do atleta profissional de qualquer modalidade esportiva com a sua respectiva seleção brasileira, é, conforme sempre se defendeu, uma típica interrupção do seu contrato de trabalho com o seu atual empregador para uma prestação de serviço de natureza civil à confederação brasileira que rege a modalidade.

Embora o nosso sistema jurídico não delineie de maneira expressa que a cessão do atleta para a seleção se caracteriza uma interrupção do contrato de trabalho, este é o melhor raciocínio hermenêutico que se pode extrair do art. 41, caput, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé), que deixa livre a entidade de administração convocante (confederação da modalidade) e a entidade de prática cedente (clube empregador) para acordarem sobre a participação do jogador.

Relembre-se que, interrupção do contrato de trabalho é a cessação provisória e parcial do vínculo contratual empregatício, pois apesar de o atleta empregado estar prestando serviço para a seleção do país e não ao seu clube empregador, durante este período se conta o tempo de serviço e a entidade empregadora cedente é obrigado a pagar normalmente o salário do jogador cedido.

O tempo de serviço do atleta na seleção de seu país carece, naturalmente, da formação dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, quais sejam: pessoalidade, subordinação, remuneração (onerosidade), não eventualidade e alteridade.

Nos serviços à seleção brasileira, os atletas convocados não são obrigados a servir a seleção, o que cinde com a pessoalidade e subordinação, pois os jogadores simplesmente podem recusar a convocação, seja por ato volitivo (vontade própria), como no caso Zé Roberto logo após a Copa de 2006, seja por atos contratuais impeditivos, como lesões ou negação do clube empregador. No Brasil, diante do descrito no art. 41, caput, da Lei Pelé é até bastante plausível que a entidade empregadora desportiva recuse ceder o atleta à seleção, pois tal cessão deve ser transacionada e não uma submissão.

Em Portugal a Lei de Bases da Educação Física e do Desporto (Lei n.o 5/2007) em seu art. 45o, considera a convocação para a seleção nacional portuguesa uma missão de interesse público, o que se revelou alvo de muitas críticas ao longo dos primeiros anos de sua vigência.

A não eventualidade inexiste entre atleta cedido e confederação brasileira convocadora, pois o jogador esporadicamente representa a seleção de seu país, não havendo tempo suficiente para caracterizar uma atividade habitual e duradoura, seja nos jogos amistosos (isolados), seja nos jogos em competições internacionais, como é a Copa do Mundo.

Por mais que os atletas fiquem quase dois meses a serviço da seleção, sabe-se que este tempo exíguo não é o suficiente para configurar uma não eventualidade, especialmente porque a confederação convocante detém uma permissão de um clube empregador prévio para tomar os serviços do jogador cedido.

Mesmo que o atleta não esteja com um contrato de trabalho, o tempo determinado de 2 meses para um serviço curto e que ocorre de quatro (4) em quatro (4) anos, ou ainda, em tempos mais curtos para outras competições internacionais que não a Copa do Mundo, não permite a extração de constância e habitualidade. Essas atividades econômicas são bem descontínuas e esparsas, merecendo mais a atração da prestação de serviço nos termos dos arts. 593 a 609 do Código Civil brasileiro.

O fator sócio-jurídico da remuneração (onerosidade) existe, mas não nos moldes empregatícios. Os atletas cedidos para a seleção nacional são sustentados pelas confederações brasileiras convocantes e recebem prêmios pelas participações e conquistas em competições/jogos amistosos, uma espécie de retribuição pela prestação de serviço.

A alteridade, existe em parte pela confederação convocante, pois quando a entidade empregadora desportiva cede o atleta, de considerável maneira partilha da assunção dos riscos da prestação de serviço, uma vez que não é obrigada, enquanto empregadora, detentora de contrato de trabalho com o jogador, a cedê-lo.

Em nosso ordenamento jurídico há uma interessante previsão de que a confederação brasileira convocante deve indenizar o clube empregador pelos encargos trabalhistas durante o período de cessão do atleta para a seleção brasileira, independentemente da retribuição da prestação de serviço avençada entre entidade de administração convocadora e o jogador cedido (art. 41, § 2o, da Lei Pelé).

Previsão normativa considerada acertada por boa parte da crítica jurista portuguesa ao comparar com o sistema jurídico lusitano e perceber que a falta desta norma em Portugal prejudica os clubes lusos cedentes de atletas para as seleções nacionais. Algo que parece atualmente superado por acordos entre a federação portuguesa de futebol e os clubes empregadores portugueses, pelo menos no âmbito futebolístico.

A despeito de a prática brasileira revelar que a confederação convocante não indeniza os clubes empregadores pelas cessões dos jogadores, este suporte normativo existe no Brasil, e isso não descaracteriza a interrupção do contrato de trabalho, na medida em que a Lei Pelé descreve claramente se tratar de uma indenização dos encargos trabalhistas a ser repassados ao clube empregador cedente.

Em outra dimensão, o período de serviços à seleção nacional perdura desde a disposição do atleta à confederação convocante até a sua reintegração ao clube empregador cedente, com condições aptas ao exercício de sua atividade laboral (art. 41, § 2°, da Lei Pelé).

Verifica-se que o finalzinho do referido dispositivo no parágrafo anterior é bem arguto, mas parece o suficiente para registrar que as confederações nacionais devem retornar o atleta cedido de maneira, minimamente, saudável para a sua prática laboral esportiva. Portanto, os clubes empregadores cedentes, diante da Lei Pelé, possuem o direito de exigir que os jogadores cedidos retornem recuperados de quaisquer lesões, estejam aptos a praticar a sua profissão.

Para tanto, o que se pode depreender é a responsabilidade da confederação brasileira convocante em recuperar o atleta lesionado ou indenizar o clube empregador cedente para o custeio dos prejuízos com lesões adquiridas nas disputas pelas seleções nacionais.

No mesmo sentido, a reforçar a norma brasileira referenciada acima, desde a Copa 2014 no Brasil, a FIFA dispõe em seus regulamentos a responsabilidade das confederações convocantes sobre acidentes sofridos pelos atletas durante a copa do mundo, determinando a contratação de seguros (art. 3 do Regulamento da Copa do Mundo FIFA 2022 com remissão para o art. 2 do anexo 1 do Regulamento de Transferência de Jogadores de outubro de 2022).

Vale frisar, por fim, que a responsabilidade sobre acidentes e a contratação de seguros que os combata não são privilégios dos atletas por suas atividades dentro e fora de campo, mas se estende para toda a comissão técnica e membros da delegação brasileiro no caso da participação em Copa do Mundo (art. 3 do Regulamento da Copa do Mundo FIFA 2022).

Crédito imagem: CBF

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