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Quando a vaga da liga pertence aos jogadores e não ao clube

A tradição associativa-federativa para a prática do desporto no Brasil acostumou os fãs do esporte e operadores do direito desportivo a enxergar as relações jurídicas entre os atores do esporte de maneira muito específica.

No entanto, diante da infinidade de modalidades de esporte eletrônico, cada uma organizada conforme a estratégia e interesse da desenvolvedora, é necessário ao operador do direito desportivo estar aberto a enxergar novas possibilidades.

Na maior parte dos esportes coletivos – e aqui não limitado ao sistema federativo – a vaga do torneio ou liga pertence ao clube, que irá inscrever jogadores para representá-lo naquela competição ou temporada.

Nos eSports existem modalidades cujas regras para aquisição e manutenção da vaga não estão ligadas ao clube, mas aos atletas. Como isso impacta as relações entre o clube e o jogador?

Counter-Strike: The 3/5 Rule

O maior exemplo de modalidade em que não é garantido aos clubes uma vaga na competição é o Counter-Strike, o que gera situações pouco usuais.

Em primeiro lugar, é importante relembrar a forma como a Valve organiza o cenário esportivo do Counter-Strike. A Valve é uma desenvolvedora liberal (explicamos a diferença entre desenvolvedoras intervencionistas e liberais aqui: https://leiemcampo.com.br/como-se-organiza-o-esporte-eletronico/), que raramente intervém no mercado esportivo formado em torno de seu jogo, isso faz com que ela libere os direitos de organizar torneios de Counter-Strike para várias empresas.

Essas empresas, por sua vez, vão organizar diversos torneios de curta duração e grandes premiações, gerando um calendário esportivo caótico. O maior interesse dessas empresas é que essa competição tenha a maior competitividade possível e atraia fãs e patrocinadores. Esse é o principal fator para que a regra de aquisição e manutenção das vagas para o torneio e próximas edições seja focada nos jogadores.

Essa dinâmica é mais bem explicada – e justificada – pelo fato de que o time é composto por cinco jogadores e raramente possuem “jogadores no banco”. As substituições são raras.

Além disso, o entrosamento e sinergia no eSport é especialmente importante. As regras do jogo se alteram toda semana e isso faz com que, estrategicamente falando, os jogadores tenham que aprender a jogar de novo e de novo rotineiramente. Aprender as novas estratégias enquanto se acostuma com novos parceiros de jogo é tido como algo que prejudica a competitividade do time.

Com base nesses fatores, as competições de Counter-Strike adotam a popularmente chamada “Rule 3/5”, que se consubstancia em: para manutenção da vaga no torneio, é necessário manter pelo menos três dos cinco jogadores para a próxima temporada.

Em circuitos de ponto corrido, onde cada competição renderá pontos para classificação, a regra dos 3/5 é ainda mais interessante: se a equipe trocar um jogador, perderá 20% dos pontos obtidos até então; se a equipe trocar 2 jogadores, perderá 40% dos pontos obtidos até então. Se trocar 3 ou mais jogadores, os pontos serão resetados.

Na prática, isso faz com que a vaga não pertença ao clube e sim aos jogadores, que terão um poder de negociação caso negociem coletivamente, isso porque se três jogadores saírem de um clube e assinarem com outro, a vaga será aproveitada pelo novo clube contratante. Em negociações de aumento de salário normalmente envolvem os atletas a utilizarem esta “cartada”.

Contrato de Atleta Autônomo em Modalidade Coletiva?

Nas modalidades em que se adota a 3/5 Rule ou outra similar que garante aos jogadores a vaga em torneios ou ligas, é possível que os atletas negociarem com um clube não um contrato de trabalho, mas apenas para que aqueles jogadores que, juntos, possuem uma vaga em um torneio, representem aquela marca.

Ressalva-se, é claro, que não podem estar presentes os elementos que constituem o vínculo empregatício – especialmente a subordinação –, pois mesmo que se faça um contrato civil como o narrado acima, o sistema legal privilegiaria a realidade sobre a forma.

Esse tipo de contrato, no Brasil, não é possível diante da legislação esportiva, que hoje só permite atletas autônomos de modalidades individuais, sendo essa mais uma especificidade do eSport que deve ser mais bem estudada quando de uma eventual regulamentação da atividade.

Projeto de Lei busca possibilitar atleta autônomo de qualquer modalidade

Foi proposto, em 23/11/2020, um projeto de lei na Câmara dos Deputados (PL 5247/2020) que possibilitaria para todas as modalidades, individuais ou coletivas, exceto para o futebol, a figura do atleta autônomo.

As medidas do projeto de lei me parecem temerárias, pois o esporte já sofre com demasiadas fraudes envolvendo ‘pejotização’ e outros contratos civis para velar a relação empregatícia, no entanto resolveria a especificidade narrada neste artigo.

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