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Quem estudava mais treinava menos

Lei é uma coisa interessante. Alguém em algum lugar escreve, outro em algum lugar aprova, e tá valendo. Não precisa nem estar perfeita. Depois de nascida, vão mexendo aqui e ali, de acordo com o gosto do freguês, e lá se vão alguns remendos.

Em 2017 veio uma importante alteração na lei que regulava, pelo menos um pouquinho, o trabalho de todo mundo. Disseram que, a partir de então, o Estado que não se metesse. Cada um ia poder negociar seus próprios contratos. Valendo tudo. Ou quase tudo. O importante é que dava pra abrir mão até de coisa básica. Salário, por exemplo. E descanso também. Onde falta trabalho, se quiser, é assim. O negociado dando mais ibope que a lei.

Apesar de não ser todo mundo, disseram que ia valer também pros atletas. Ao menos era o que se esperava. Bastaria que ganhassem pra lá dos seus 11 mil por mês e tivessem diploma de nível superior. Pronto. Foi levantar essa bola, e teve gente que entrou em polvorosa. Tudo agora ia ser negociado. Deram até um nome bonito. Atleta “hipersuficiente”. Pra muito clube, parecia uma solução pras dívidas e pros quereres. Os atletas tinham muitos quereres.

Esqueceram de um problema. Primeiro, o salário. Claro. Foram pesquisar, e descobriram que, dos quase 30.000 profissionais que circulam chutando a redonda por aí, eram poucos, se não pouquíssimos, os que recebiam acima de um salário mínimo. E se não ganhavam nem o mínimo, iam abrir mão de quê?

Mais que isso, descobriram, quem diria, que esse não era, nem de longe, o empecilho maior. Pra fazer valer a negociata, também era importante que o jogador tivesse o segundo grau completo. Isso porque era preciso primeiro conhecer as coisas, pra depois abrir mão delas. Do contrário, de nada valia o ajuste.

Foi aí que a coisa ficou séria. Fizeram uma pesquisa e viram que, na série A, não chegavam nem a 20 os jogadores com segundo grau. Aqui e ali, entre jogo e treino, uma viagem e outra, pulando o dia da concentração, não sobrou tempo. Quem estudava mais treinava menos. E entre estudar ou jogar pra querer ajudar em casa, a criançada ficava com o segundo. Galeano brincava que o futebol havia feito uma linda viagem: tinha sido organizado nos colégios e universidades inglesas, e na América do Sul alegrava a vida de gente que nunca tinha pisado numa escola. Triste destino. Pela alegria, a gente agradece. Mas, na escola, bom seria se o futebol ajudasse seus obstinados a pisar. Não pra negociar. Pra pensar.

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