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Racismo e homofobia violam Direitos Humanos, na vida e no esporte

Ando vencendo a desesperança. A decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva que aplicou uma multa de (apenas) 50 mil reais ao Flamengo por canto homofóbico contra a torcida do Grêmio em jogo pela Copa do Brasil reforça esse meu sentimento. Parece um absurdo, mostrarei que não.

(Antes, um alerta importante. Este texto não é sobre o comportamento da torcida do Flamengo, ou do Atlético, ou do Grêmio…. este texto é sobre uma cultura que precisa mudar. A sociedade mudou, o direito acompanha essa evolução e o futebol não é universo paralelo) .

Até pouco tempo atrás, o crime de preconceito sequer era punido na Justiça Comum e na Desportiva. Não tem sido mais assim. Ainda bem, estamos caminhando. Devagar, mas estamos.

Para trazer exemplos dos últimos meses. Em duas decisões históricas no STJD, o Brusque perdeu pontos na Série B por injúria racial de dirigente e o presidente do Fast Clube foi condenado a 120 dias de suspensão por misoginia.

O mesmo movimento se vê em decisões internacionais. A UEFA tem punido seleções por manifestações preconceituosas de torcedores. Federações Internacionais, como a inglesa, também têm condenado manifestações preconceituosas.

Quando a justiça desportiva age dessa forma, ela manda um recado: “não repitam o que aconteceu, ou vocês serão punidos. Esporte não se separa de Direitos Humanos”

Agora, a Justiça carrega a espada e a venda como símbolos. A espada é o símbolo da força coercitiva que o direito tem. A venda,  o da imparcialidade. O que vale para um, vale para outro.

O Grêmio ainda é o único grande clube punido de maneira rigorosa por preconceito. E foi por injúria racial. Aqui, uma reflexão que precisa ser feita.

A necessária proteção de Direitos Humanos e o combate ao preconceito não se restringe ao racismo, mas vale também para outras formas de discriminação, como a homofobia.

Vai ser fácil de entender.

Proteção Universal de Direitos Humanos

O processo de construção de uma política global de Direitos Humanos começa a ganhar força com a Revolução Francesa e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, que tinha como cerne princípios de liberdade e igualdade para os homens.

Mas foi depois das atrocidades da Segunda Guerra Mundial e a consequente criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, que surgem órgãos e instâncias internacionais voltadas à proteção dos Direitos Humanos.

O principal avanço ocorre com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948, que estabelece o caráter universal desses direitos.

Depois disso, com o surgimento de um Sistema Internacional de Proteção a Direitos Humanos, vários tratados e convenções internacionais que atacam a discriminação por cor, raça, credo, religião, sexo, opção sexual…. foram celebrados e ratificados por centenas de países, inclusive o Brasil.

Ou seja, eles foram internalizados pelo país, ganham força de lei.

Em 2005, a Resolução A/60/L.1 da ONU, seguia na linha de colocar o esporte como promotor de paz e desenvolvimento. E, claro, como vetor de integração social.

Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmaram ali seu compromisso na construção e manutenção da paz e do respeito aos Direitos Humanos.

Dessa forma, a Resolução traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos países membros das Nações Unidas:

  1. Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas conducentes a um plano de acção sobre desporto e desenvolvimento na Assembleia Geral.

No Brasil, decisão do STF também deveria trazer reflexos no esporte

A nossa Constituição Federal já traz no art 5º, entre os direitos fundamentais, toda proteção inegociável à dignidade humana e combate a qualquer tipo de preconceito.

Mas em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma importante decisão na luta por igualdade no Brasil e no combate à homofobia.

Por maioria, a Corte reconheceu uma demora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria.

O importante nessa reflexão é entender os reflexos dessa decisão na esfera esportiva.

O futebol também tipifica o crime de preconceito

A preocupação necessária com a proteção de Direitos Humanos também esta declarada dentro dos regulamentos internos do futebol. O Estatuto da FIFA – espécie de “Constituição do futebol” – ataca o preconceito.

O art. 3, traz o compromisso de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.

Em 2019, o Código Disciplinar da FIFA se posicionou de maneira firme, apresentando caminho para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia.

Diz o era 13:

13 Discrimination 1. Any person who offends the dignity or integrity of a country, a person or group of people through contemptuous, discriminatory or derogatory words or actions (by any means whatsoever) on account of race, skin colour, ethnic, national or social origin, gender, disability, sexual orientation, language, religion, political opinion, wealth, birth or any other status or any other reason, shall be sanctioned with a suspension lasting at least ten matches or a specific period, or any other appropriate disciplinary measure.

Tradução Livre:

13 Discriminação –  Qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de palavras ou ações desdenhosas, discriminatórias ou depreciativas (por qualquer meio) em razão da raça, cor da pele, etnia, nacional ou social origem, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição ou qualquer outro motivo, serão punidos com uma suspensão de pelo menos dez jogos ou um período específico, ou qualquer outra medida disciplinar apropriada .

A Justiça Desportiva brasileira tem punido a injúria racial com base no art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata de atos discriminatórios.

A equiparação pelo STF, abriu espaço para a Justiça Desportiva também punir condutas homofóbicas com base no mesmo artigo, mesmo sem uma mudança no CBJD. Afinal, o direito é um só.

O caminho necessário

Quando pensamos em Direitos Humanos, o mundo contemporâneo tem exigido respostas e compromissos cada vez mais efetivos por parte dos Estados. E claro que o esporte não só deve seguir esse caminho, como ir além. Ser protagonista nesse movimento.

Os tratados internacionais de proteção de Direitos Humanos, Constituição brasileira, a decisão do STF, o Código da Fifa e as decisões recentes do STJD são facilitadores nesse caminho. Fundamental é entender que colocar qualquer tipo de decisão que coloque freios a essas bandeiras universais será sempre um erro histórico do esporte.

Assim como o racismo, a homofobia não tem mais espaço em lugar nenhum, muito menos no sempre inclusivo esporte. Proteger direitos humanos não é só uma escolha possível para o esporte, é um dever.

Ah, sobre o caso do Flamengo, a procuradoria do STJD pode apresentar recurso da decisão e ele voltar a ser julgado. Dessa vez, pelo Pleno.

Crédito imagem: Freepik

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