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Racismo na Liga dos Campeões pode forçar Uefa a rever código disciplinar

Por Gabriel Coccetrone, Ivana Negrão e Thiago Braga

Um comentário racista de Sebastian Coltescu, quarto árbitro do jogo entre Paris Saint-Germain e Istanbul Basaksehir, causou revolta nos jogadores das duas equipes e levou os clubes a abandonarem a partida da Liga dos Campeões nesta terça-feira (8). Aos 13 minutos do primeiro tempo, o árbitro Ovidiu Hategan expulsou o camaronês Pierre Webó, assistente técnico da equipe turca. Revoltado, ele reclamou que Coltescu se referiu a ele como “aquele negro”, em um contexto racista. Com a recusa dos atletas em voltar para campo, a partida foi suspensa (será jogada na noite desta quarta-feira, 9). Agora, a Uefa tem em mãos uma situação inédita e complexa.

“Pela previsão regulamentar da Uefa, existe a possibilidade do árbitro declarar a partida suspensa e consequentemente perdida. Quando a gente observa a previsão a gente nunca aplicaria ela pensando no árbitro cometendo a ofensa. A Uefa pecou na hora que ela fez a regulamentação pensando somente nos torcedores, clubes e atletas. Ela não pensou na possibilidade do árbitro cometer a ofensa. Por mais que o quarto árbitro tenha cometido a ofensa, eu não vejo legitimidade para o árbitro central declarar a suspensão da partida. Nunca existiu um caso como esse, de um clube se recusar a jogar por conta de um ato racial do juiz. Existe uma lacuna no regulamento em relação a esse caso. Não há como prever o que a Uefa irá fazer”, explica Fernanda Chamusca, advogada especialista em direito esportivo.

Com a expulsão de Webó, instalou-se a confusão no gramado do Parque dos Príncipes, em Paris. O atacante camaronês Demba Ba interpelou o quarto árbitro. “Quando você fala de um branco, você não diz esse cara branco. Você diz esse cara. Me escuta, me escuta. Por que então quando você vai falar sobre um cara negro você tem que falar esse negro?”, perguntou Demba Ba para Coltescu.

Pela primeira vez na história os jogadores dos dois times se uniram para protestar contra um árbitro por racismo e que desencadeou um problema a respeito dos regulamentos.

O artigo 3 do Código Disciplinar da Uefa prevê que os árbitros estão sob escrutínio dos poderes disciplinares da entidade. O artigo 14 complementa a questão ao estabelecer que “qualquer pessoa no âmbito do Artigo 3 que insulte a dignidade humana de uma pessoa ou grupo de pessoas por qualquer motivo, incluindo cor da pele, raça, religião, origem étnica, sexo ou orientação sexual incorre em suspensão com duração mínima de dez jogos ou um período de tempo especificado, ou qualquer outra sanção apropriada”.

“O esporte precisa evoluir, integrar, aproximar e acolher. Qualquer ato discriminatório merece resposta rápida e forte, como a dos jogadores do PSG e Istambul. Ela irá pressionar o movimento esportivo a agir de maneira mais dura contra preconceito”, afirma o jornalista, advogado e colunista do Lei em Campo, Andrei Kampff.

A Uefa ainda tentou dissuadir os jogadores para poder reiniciar a partida. Deslocou Coltescu para a cabine do VAR e o substituiu por um árbitro que estava na cabine de checagem de vídeo. Mas não foi o suficiente para que o jogo continuasse.

“A Uefa vai se basear no relatório do árbitro, nos áudios e nos vídeos. Como aconteceu sem torcida, é mais fácil escutar os áudios. E vai se basear nas testemunhas e na intenção do árbitro. A competência é da Comissão de Controle e Ética da Uefa e da Comissão de Arbitragem da Uefa. A consequência foi grave. A Uefa é responsável pela formação dos árbitros. A Uefa se responsabiliza pela formação e pela atitude dos árbitros. É algo inimaginável você ter um ato de racismo por parte de um árbitro. Por isso foi a maior surpresa”, dispara o advogado Brice Beaumont, especialista em direito esportivo e que atua em território francês.

A falta de negros nos cargos mais altos das entidades que ditam os rumos do esporte contribui para que o racismo seja tratado como uma questão de menor importância. Mas os jogadores têm demonstrado cada vez mais insatisfação com a falta de perspectiva para mudar o combate ao racismo no futebol.

“Os jogadores de futebol, que muitos são negros, cansaram desse lugar. Em ser um astro, mas ser sempre submetido ao universo branco. Então, ele é sempre um africano na Europa, um negro no lugar de branco. Na verdade, o futebol é muito mais negro do que branco, apesar de ter sido criado pelos ingleses. A Fifa e as organizações de futebol em geral têm muita responsabilidade com isso. Esse árbitro não pode mais estar nesse lugar. Isso precisa ser condenado pela organização e isso nem sempre acontece. Esse talvez seja o grande motim do debate. Isso cansa. Eles [jogadores] estão sempre perdendo nessa discussão”, critica a advogada Mônica Sapucaia, especialista em direitos humanos.

Neymar e Mbappé, além de atuarem em campo para que o jogo fosse interrompido e o quarto árbitro, punido, também condenaram a atitude de Coltescu nas redes sociais,com palavras de ordem contra o racismo.

“Na luta contra o racismo no futebol era desejo de todos que estão engajados nessa luta que após um caso todos os jogadores, brancos e negros, abandonassem o campo e hoje isso aconteceu. O que os atletas do PSG e Istambul fizeram é histórico e pode marcar um novo posicionamento dos atletas na luta contra o racismo. Um marco. O fato negativo foi o árbitro dar cartão vermelho ao Demba Ba quando ele foi reclamar, sem ao menos entender o que acontecia e mostra que a orientação da Fifa, de deixar a cargo dos árbitros a decisão sobre racismo em campo, precisa ser corrigida. Mas importante demais o posicionamento dos atletas, um dia histórico na luta antirracista”, finalizou Marcelo Carvalho, criador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

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