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Recomendação para arbitros sobre atos discriminatórios exige atenção

Na última terça-feira, 13 de setembro, a Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) enviou, a titulo de colaboração, uma Recomendação à Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com orientações que devem ser seguidas pelos árbitros quando aconteceram manifestações discriminatórias – tais como, racismo, injúria racial, identidade de gênero, orientação sexual ou qualquer outro tipo de preconceito – nos estádios de futebol.

No documento, obtido com exclusividade pelo Lei em Campo, a Procuradoria recomenda ao árbitro as seguintes medidas:

  1. Parar a partida (seguido por um anúncio no estádio com a necessária explicação e requerimento para que o incidente discriminatório cesse);
  2. Suspender a partida enviando os jogadores aos vestiários por um período de tempo adequado (seguido por um anúncio no estádio com a necessária explicação e requerimento para que o incidente discriminatório cesse);
  3. Encerrar a partida (seguido por um anúncio no estádio com a necessária explicação e requerimento para que deixem o estádio, de acordo com as instruções de segurança).

Além disso, a Procuradoria solicita que todas as ocorrências sejam relatadas na súmula da partida – documento oficial que registra os principais acontecimentos de um jogo.

Para fazer a Recomendação à Comissão de Arbitragem, a Procuradoria do STJD cita que levou em consideração os seguintes pontos:

– o aumento de casos de manifestações discriminatórias nos estádios de futebol;

– entendimento quanto à tipificação e culpabilidade de atos considerados discriminatórios no contexto da aplicação do artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD);

– a circular nº 1682 de 25 de julho da FIFA, que determina a adoção de procedimentos por todas as federações membros e respectivos árbitros no combate a ocorrência de comportamentos discriminatórios vinculados ao futebol; e

– o caráter idêntico de prevenção ao cometimento de atos discriminatórios nos estádios de futebol conforme traz o Guia de boas práticas da FIFA em matéria de diversidade e luta contra a discriminação.

Apesar de considerarem uma medida louvável, especialistas ouvidos pelo Lei em Campo entendem que não cabe à Procuradoria fazer esse tipo de recomendação.

“Me parece que nesse caso a Procuradoria do STJD do Futebol claramente extrapola sua competência, definida com base no artigo 21 do CBJD. Por mais que o combate a tais agressões seja relevante, orientar as ações da arbitragem não cabe à Procuradoria, assim como não cabe a ela ‘firmar entendimento quanto à tipificação e culpabilidade dos atos’, podendo no máximo definir qual será o artigo que embasará eventuais denúncias. Cabe destacar que esse entendimento não vem sendo ratificado pelos auditores do STJD, a quem cabe de fato decidir sobre os casos”, avalia Vinicius Loureiro, advogado especializado em direito desportivo e colunista do blog.

Ainda segundo ele, “outra preocupação que fica com base no documento é se a Procuradoria buscará intimidar os árbitros para que se comportem conforme a Procuradoria entende que deveria ocorrer. Para isso, podem denunciar os árbitros que tomarem atitudes diferentes daquelas que eles, sem embasamento legal, querem impor”.

“É importante destacar que, não sendo agentes públicos, à Procuradoria não se aplica a Lei 13.869/19, mas sua lógica permanece aplicável, por parte da Comissão de Ética da CBF, caso comprovada extrapolação da função ou pressão sobre a Comissão de Arbitragem”, acrescenta o advogado.

“Me parece salutar a iniciativa da Procuradoria, atendendo às orientações da FIFA. Pela graduação das medidas, fica patente que inicialmente o escopo é educativo. O futebol não tornará as pessoas mais respeitosas, mas pode contribuir, ao menos, para induzir comportamentos desejados no espaço público. Em última análise, a suspensão da partida assume medida final como forma de punição aos torcedores ‘insistentes’. Embora esta pareça injusta com os torcedores não envolvidos com as ofensas, me parece mais adequada do que o caminho de interferir nas competições via perdas de pontos, como venho sustentando em diversas manifestações”, afirma o advogado Carlos Henrique Ramos, especialista em direito desportivo.

Fernanda Soares, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, traz outro problema: a falta de detalhes das medidas.

“Especialmente em vista do aumento dos casos de infrações discriminatórias, eu acho extremamente positivo pensar em ações preventivas ao invés de focar na punição dos clubes. Mas, respeitosamente, eu discordo da forma como foi feito. Primeiro porque a recomendação não dá detalhes sobre a forma de execução das medidas. Não há especificação sobre a quantidade de tempo que a partida deve ser paralisada, ou o que deve acontecer até que a partida possa ser reiniciada. Não há limite de tempo de suspensão da partida (por quanto tempo a partida pode ficar suspensa?). Também não há orientação sobre qual é o momento de encerrar a partida (depois de quanto tempo de suspensão?), nem sobre quais as consequências do encerramento (haverá time vencedor? Será agendada uma nova partida? A nova partida será retomada a partir da paralização?)”, questiona.

“A base desta recomendação é a Circular 1682 da FIFA, de 15/07/2019. A Circular traz os 3 passos, exatamente como consta na Recomendação. A Circular não entra em detalhes para que possa ser adaptada às necessidades e circunstâncias específicas da entidade nacional. Estes detalhes devem ser previstos no RGC (Regulamento Geral de Competições), que é publicado por quem tem competência para estabelecer esse tipo de regra, a CBF. E o meu segundo ponto de discordância é justamente sobre o fato de que não é de competência da Procuradoria disciplinar este tipo de regra. Ainda que seja uma recomendação, a matéria da recomendação está fora do escopo de atuação da Procuradoria, que o artigo 21 do CBJD define”, completa Fernanda Soares.

O que diz o artigo 21 do CBJD?

Art. 21. A Procuradoria da Justiça Desportiva destina-se a promover a responsabilidade das pessoas naturais ou jurídicas que violarem as disposições deste Código, exercida por procuradores nomeados pelo respectivo Tribunal (STJD ou TJD), aos quais compete:

I — oferecer denúncia, nos casos previstos em lei ou neste Código;

II — dar parecer nos processos de competência do órgão judicante aos quais estejam vinculados, conforme atribuição funcional definida em regimento interno;

III — formalizar as providências legais e processuais e acompanhá-las em seus trâmites;

IV — requerer vistas dos autos;

V — interpor recursos nos casos previstos em lei ou neste Código ou propor medidas que visem à preservação dos princípios que regem a Justiça Desportiva;

VI — requerer a instauração de inquérito;

VII — exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, por este Código ou regimento interno.

§ 1º A Procuradoria será dirigida por um Procurador-Geral, escolhido por votação da maioria absoluta do Tribunal Pleno dentre três nomes de livre indicação da respectiva entidade de administração do desporto

§ 2º O mandato do Procurador-Geral será idêntico ao estabelecido para o Presidente do Tribunal (STJD ou TJD).

§ 3º O Procurador-Geral poderá ser destituído de suas funções pelo voto da maioria absoluta do Tribunal Pleno, a partir de manifestação fundamentada e subscrita por pelo menos quatro auditores do Tribunal Pleno.

A Recomendação enviada pela Procuradoria contem a assinatura de membros do STJD, são eles: Ronaldo Botelho Piacente, procurador-geral da Justiça Desportiva do Futebol; Michel Sader, subprocurador-geral da 1ª Comissão Disciplinar; Gustavo Silveira, subprocurador-geral da 2ª Comissão Disciplinar; Glauber Navega Guadalupe, subprocurador-geral da 3ª Comissão Disciplinar; João Guilherme Guimarães Gonçalves, subprocurador-geral da 4ª Comissão Disciplinar; Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira, subprocurador-geral da 5ª Comissão Disciplinar; e Selma Fátima Melo Rocha, subprocurador-geral da 6ª Comissão Disciplinar.

Crédito imagem: CBF

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