Com o advento da Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021, que trouxe ao ordenamento jurídico pátrio a Sociedade Anônima do Futebol, amplamente difundida pelo acrônimo “SAF”, tivemos a efetiva introdução da recuperação judicial na seção denominada “Do Modo de Quitação das Obrigações”, como mecanismo a ser utilizado pelos clubes associativos.
Não me recordo de algum clube constituído na forma de associação de fins não econômicos que tenha pleiteado a recuperação judicial antes da Lei da SAF. É verdade que Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, conhecida como Lei de Recuperação de Empresas e Falência, não admite a utilização do mecanismo por associações de fins não econômicos, mas existem precedentes contrariando o texto legal, ou seja, era factível que algum clube buscasse amparo na jurisprudência para se valer do referido instituto jurídico.
De qualquer forma, o fato é que a Lei da SAF pavimentou o caminho para que os clubes associativos utilizem a recuperação judicial como “modo de quitação das obrigações” e essa medida tem se tornado bastante comum no futebol brasileiro.
Ocorre que a recuperação judicial não é um instrumento jurídico a ser utilizado em qualquer situação, simplesmente para fazer cessar as constrições que recaem diariamente sobre os clubes endividados, que, aliás, nem sempre se ocupam de evitar a constituição de novas dívidas. A recuperação judicial é um instituto jurídico bastante complexo, com consequências relevantes para todos os envolvidos, a ser utilizado somente em situações excepcionais.
Em linhas gerais, o processo de recuperação judicial tem como protagonista o plano de recuperação judicial que, se não for aprovado pela assembleia geral de credores ou se for descumprido, acarretará a convolação da recuperação judicial em falência, de acordo com a Lei de Recuperação de Empresas e Falência.
Como é recente a utilização do mecanismo da recuperação judicial pelos clubes de futebol, ainda não temos as estatísticas de quantas são convoladas em falência, ou seja, quantos processos de recuperação judicial não atingem o seu objetivo de efetivamente reestruturar a pessoa jurídica devedora e terminam com a decretação da falência.
Como parâmetro para este brevíssimo texto, invoca-se levantamento feito pelo Observatório de Insolvência da PUC/SP, divulgado pelo Portal UOL[1], antes da vigência da Lei das SAF, que considerou os pedidos de recuperação judicial feitos no Estado de São Paulo entre 2010 e 2018, indicando que apenas 18,2% obtiveram sucesso de reestruturam a empresa, enquanto 24,8% tiveram a sua falência decretada. As demais empresas lutavam contra a decretação da falência, protelando o processo de recuperação judicial enquanto não conseguiam a efetiva reestruturação.
Se as estatísticas forem confirmadas, não deve demorar para que clubes centenários do futebol brasileiro que iniciaram o processo de recuperação judicial tenham a sua falência decretada, infelizmente, submetendo os seus dirigentes às consequências previstas na Lei de Recuperação de Empresas e Falência, desde a responsabilidade pessoal até a apuração de crimes falimentares.
Até a próxima.
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[1] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/09/15/em-sp-quase-60-das-empresas-em-recuperacao-judicial-viram-zumbis.htm.