Por Gabriel Martins Feuz e Marco Aurelio Martins Publio Corrêa
- INTRODUÇÃO
Para iniciar a discussão sobre a chamada “Superliga” que está causando muita repercussão em torno do futebol no Brasil e principalmente no mundo.
É importante entender como o futebol se tornou uma atividade profissional e como essa atividade é praticada hoje em dia, principalmente nas principais ligas europeias.
Esse entendimento é essencial, pois só assim é possível relacionar a criação dessa nova liga de futebol com aspectos sociais, culturais e financeiros, que serão discutidos neste artigo.
1.1 DA CRIAÇÃO DO FUTEBOL PROFISSIONAL
Em meados do século XIX, um novo esporte era praticado em diversas partes do Reino Unido, modalidade que ainda não tinha suas regras definidas, sendo ele realizado de várias maneiras, dependendo do lugar. Por isso renomadas Faculdades da Inglaterra, começaram a se juntar para discutir a criação de regras desse novo esporte.
E, assim, em 1863, alunos da já consolidada Instituição de Ensino ‘Harrow’, codificaram as regras dessa nova modalidade e fundaram a FA (Football Asociation). E assim foi criado o primeiro corpo de regras da modalidade que é conhecida hoje como futebol.
O futebol de cara foi uma modalidade tão bem aceita, que, logo, várias Escolas e Faculdades começaram a praticá-la. A difusão foi tanta, que não demorou muito para o futebol chegar à classe operária.
E aí esse esporte nas fábricas tornou-se tão importante quanto a própria criação da modalidade e, a partir desse momento, o futebol deixava de ser apenas uma prática de lazer das classes mais elevadas da sociedade, e se tornava um esporte que poderia ser praticado por todas as pessoas.
Outro fator, que favoreceu a importância da chegada do futebol para as classes operárias, foi que, ao longo do tempo, os próprios donos das fábricas passaram a se interessar pela modalidade e, com isso, começaram a pagar pessoas para que jogassem futebol representando o local em que trabalhavam. É nesse momento que nascia o futebol profissional!
Daí, ao longo dos anos, os times deixaram de representar apenas uma fábrica e começaram a se juntar, para conseguirem mais chances de ganhar torneios. Essa união de times operários foi a base de criação dos atuais clubes de futebol, que estão difundidos por toda a Europa e pelo mundo.
Então, vale lembrar que o futebol mudou, pois, quando era praticado em uma esfera amadora, ele era inclusivo e objetivava o maior número de participantes, enquanto , no âmbito profissional, os times só querem os melhores atletas, fazendo com que seja segregador.
1.2. FUTEBOL PROFISSIONAL NOS DIAS DE HOJE
O futebol não parou no tempo.
E, com o passar dos anos, o futebol foi se adaptando aos padrões impostos pelos amantes do esporte, patrocinadores e instituições. Dentre dessas mudanças, pode ser citada a globalização do futebol.
É importante lembrar que o futebol que antes era local, atualmente é visto no mundo inteiro.
Um exemplo muito claro disso é que uma partida que é disputada na Europa, é transmitida para todos os continentes do mundo, o que faz com que os clubes atraiam fãs de todo o planeta.
Ademais, com a transformação do futebol, outro aspecto que começou a se destacar é o financeiro, já que hoje muitos clubes têm orçamentos gigantescos para investirem e criarem a melhor equipe possível.
Isso só é factível graças ao investimento de grandes empresas que buscam colocar suas marcas nos maiores clubes do mundo ou, até mesmo, adquirem parte deles. Com isso, se entende que existem clubes muito ricos e que graças a isso têm uma quantidade absurda de capital para investir. Times que possuem este tipo de investimentos são considerados clubes de elite e são sempre os times mais cotados para serem campeões.
Outra evolução que o esporte teve foi a criação de leis e regulamentos que visavam dar mais transparência e profissionalismo ao esporte, além de assegurar a proteção dos atletas.
Um exemplo disso no próprio Brasil é a Lei 9.615 de 24 de março de 1998, mais conhecida como ‘Lei Pelé’ ou ‘Lei do Passe Livre’.
1.3. DAS COMPETIÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Como sabido, o principal objetivo de um clube de futebol é ganhar as competições que disputa, logo, ao se falar de futebol, torna-se essencial mencionar as ligas nacionais e internacionais.
As competições têm por finalidade estabelecer o melhor entre as equipes, ou seja, o melhor será o vencedor. Nesse levante dos clubes, as ligas nacionais promovem uma disputa entre times do mesmo país, a fim de eleger o melhor daquela respectiva temporada.
Entre as maiores competições nacionais, podem ser citadas: ‘Bundesliga’ (Alemanha), ‘Premier League’, (Inglaterra), ‘La liga’,(Espanha) e ‘Serie A TIM’ (Itália). Dentre essas ligas citadas, todas possuem o mesmo formato de funcionamento, ou seja, são campeonatos de pontos-corridos. Nesses campeonatos, os quatro primeiros de cada liga se classificam para a Liga dos Campeões (organizada pela UEFA) e o quinto colocado de cada liga se classifica para a Liga Europa.
Antes de explicar o formato da Liga dos Campeões, é necessário falar da sua importância. Para o verdadeiro amante do futebol, a Liga dos Campeões é a principal competição do mundo, atrás, obviamente, da Copa do Mundo. Essa competição é tão importante que, em questão de audiência, fica atrás apenas da Copa do Mundo da FIFA. Diferente das outras competições continentais, a Liga dos Campeões é vista no mundo inteiro.
Tratando um pouco da forma como funciona, a Liga dos Campeões começa com uma fase de grupos de 32 equipes vindas de toda a Europa, divididas em oito grupos. Os grupos são definidos através de sorteio, sendo que equipes do mesmo país não podem cair em grupos iguais. Cada equipe se encontra com os outros em sua casa e fora em um formato de ida e volta. As equipes que ficarem em primeiro e segundo lugar de cada grupo passam para a próxima rodada. A equipe que fica na terceira colocação entra na Liga Europa da UEFA. Logo após essa fase, tem-se o início do confronto de mata-mata, até a final, onde o time vencedor recebe o título de melhor time do continente europeu.
Com relação às premiações, só pela presença na fase de grupos, cada time recebe em torno de R$53 milhões. Cada vitória garante R $4 milhões adicionais, e o empate, R $2 milhões. Se a classificação para as oitavas de final vier, são mais de R $24 milhões. A presença nas quartas de final paga R $27,5 milhões, enquanto chegar às semifinais vale R $32 milhões. Se chegar à final, o clube recebe R $65,6 milhões, e o vencedor ganha R $46,5 milhões extras. No total, o time que se tornar campeão receberá mais de R $242 milhões.
1.4. DAS FEDERAÇÕES E CONFEDERAÇÕES INTERNACIONAIS
A regulamentação e organização do futebol é feita pela Fédération Internationale de Football Association – FIFA. Esta é uma associação sem fins lucrativos, com sede em Zurique, Suíça, e com isso ela é regida pelas próprias leis desse país.
A FIFA tem um modelo estrutural que é composto de três órgãos, com funções hierárquicas e complementares. O órgão supremo desta entidade é o Congresso que possui a obrigação de legislar. Deste participam apenas os membros da FIFA, que são as Associações nacionais admitidas, como associadas, pelo próprio Congresso.
As Associações nacionais, têm a função e obrigação de organizar, supervisionar e regular o futebol, em todos os seus aspectos, em seus países de origem
A FIFA reconhece apenas uma Associação por país. Dentro desse modelo, portanto, cada Associação monopoliza a organização do esporte no respectivo território. No caso do Brasil, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) é essa associação responsável.
Para ser reconhecida como Associação nacional, ela deve, como condição, integrar-se a uma Confederação regional, igualmente reconhecida pela FIFA.
A Confederação é um agrupamento de Associações nacionais pertencentes a um mesmo continente . As Confederações também monopolizam a organização e a regulação do esporte em suas regiões.
Vale ressaltar que uma das confederações mais importantes do mundo é a UEFA, que é responsável pelo futebol europeu e, consequente mente, pela ‘Liga do Campeões’, que é o maior torneio de clubes do planeta, tanto em questão de investimento, como de espectadores
- “SUPER LIGA”
2.1. DA CRIAÇÃO
Há mais de 2 anos, vários veículos da imprensa, vêm divulgando informações sobre negociações secretas entre clubes de futebol de toda Europa, que visavam criar um campeonato de futebol europeu, que fosse baseado em um modelo de Liga americana, que foi consolidado pela NBA (liga de basquete norte-americana), NFL (liga de futebol americano norte-americana), NHL( liga de hóquei norte -americana) entre várias, outras ligas.
Com isso, na data de 18/04/2021, a chamada ‘Superliga’ Europeia (European Super League), um novo campeonato continental, foi anunciado na Europa, por meio de uma nota oficial, que foi emitida pelo próprio grupo organizador.
Esse grupo seria composto por 12(doze) dos times mais ricos do mundo, sendo presidido pelo atual Presidente do clube espanhol Real Madrid, Florentino Pérez e teria como vice-Presidentes, Andrea Agnelli, Presidente do clube italiano Juventus e Joel Glazer, copresidente do clube inglês Manchester United.
Os clubes que fundaram essa nova Liga são: Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham, da Inglaterra; Atlético de Madrid, Barcelona e Real Madrid, da Espanha; e Inter de Milão, Juventus e Milan, da Itália. Além deles, a entidade ainda aguardava mais três participantes, para assim, fechar o grupo de times fundadores.
2.2 DOS OBJETIVOS
Nos últimos anos, clubes da elite europeia vinham pressionando a UEFA a realizar mudanças na ‘Liga dos Campeões’, pois demandavam mais encontros entre si, ou seja, mais partidas entre times que possuíam elencos mais competitivos, logo, mais atraentes para o público geral assistir.
Além disso, eles demandavam uma maior porcentagem das receitas geradas para essa competição, já que eles se entendiam mais importantes que os demais clubes.
Então, a ‘Superliga’ prometia um desenvolvimento econômico extremamente superior aos times participantes, quando comparado com a ‘Liga dos Campeões’. Além disso,
também iria proporcionar um maior número de encontros que os times demandavam, encontros esses que poderiam ser distribuídos até mesmo com grandes plataformas de ‘streaming’ como a Amazon, Disney, HBO, Netflix entre outras, para que essas partidas chegassem ao maior número de pessoas.
Ademais, o próprio Presidente do grupo, Florentino Perez, deu uma entrevista para uma emissora de TV espanhol onde foram colocadas outras metas do grupo. Para ele o futebol, da mesma maneira que várias empresas, tem que mudar, já que com um mundo mais conectado se faz necessário que se adapte aos novos meios de comunicação e se mantenha interessante diante disso.
Também é importante colocar que o atual Presidente do Real Madrid também afirma que “O futebol estava perdendo o interesse, o público está diminuindo”. Com isso é importante entender que este grupo pretendia vender a sua nova Liga como a salvadora do futebol.
2.3. DO MODELO
Para contemplar o objetivo dessas equipes, o modelo ora articulado foi pensado para que as equipes da elite do futebol europeu pudessem se enfrentar mais vezes.
Diferente da Liga dos Campeões, a ‘Superliga’ adotaria um modelo diferente. Isto é, a competição seria composta por 20 equipes – sendo 15 clubes fundadores e outros cinco por qualificação.
Além disso, cabe ressaltar que os 15 clubes fundadores sempre competiriam na liga e nunca poderiam ser rebaixados.
Sobre as partidas em si, vale lembrar que seriam disputadas no meio da semana e todos os clubes continuariam a disputar os respectivos campeonatos, mantendo assim o calendário tradicional.
A temporada teria início em agosto com os clubes em dois grupos de dez, os quais teriam jogos de ida e volta; os três primeiros em cada grupo se classificariam automaticamente para as quartas de final. As equipes que terminassem em quarto e quinto iriam competir em um modelo ‘playoff’ (ambos os lados), pela vaga. Em seguida, haveria duas partidas eliminatórias, de quartas de final a final, que seria uma única partida no final de maio, bem campo neutro.
2.4 DO FINANCIAMENTO
A parte mais chocante desse ambicioso projeto talvez seja a sua parte financeira, que envolvia um investimento agressivo, visando um grande lucro para todas as equipes.
Primeiramente é importante entender de onde esse dinheiro estaria vindo, pois, além dos próprios investidores e patrocinadores dos clubes, o Banco americano JP Morgan Chase iria financiar a Liga com quatro bilhões de euros, o que é um valor muito acima do costume do futebol mundial.
Além disso, vale lembrar que os clubes, só de participarem, teriam um pagamento muito generoso que poderia variar de cem milhões de euros a trezentos e cinquenta milhões de euros, dependendo do seu desempenho no campeonato.
Ainda vale lembrar que os direitos de transmissão, também seriam uma grande fonte de lucro, já que como já foi dito, há uma intenção de negociar com as maiores empresas de streaming do mundo.
- DA REPERCURSÃO
3.1 SUPERLIGA X UEFA
A UEFA, confederação responsável pelo futebol no continente europeu e organizadora da ‘Liga dos Campeões’, se mostrou muito contrária à criação e realização dessa ‘Superliga’. No dia 20/04/21, emitiu comunicado oficial que informava que as 55 federações que são filiadas à entidade aprovaram, de forma unânime, uma declaração “condenando veementemente o projeto da ‘Superliga’.
Esta afirmou que este projeto extremamente ambicioso, iria contra ao próprio conceito de ser europeu, já que essa liga não é unida, aberta, solidária e assente nos valores desportivos, bem diferente do projeto da própria UEFA, que visa garantir cada vez mais, oportunidades para equipes de todo o continente participarem em torneios de âmbito europeu.
Sobre o entendimento dessa questão com relação ao atual estatuto da UEFA, a entidade declarou: “Os clubes conspiradores não conseguiram perceber que o estatuto que têm atualmente não foi alcançado isoladamente, mas sim como parte de um sistema europeu dinâmico em que os clubes grandes, médios e pequenos contribuíram para os triunfos e as derrotas de todos. É uma afronta aos valores europeus e ao mérito desportivo pensarem que têm direito de se “separarem” e a reivindicar um legado que foi construído por todos”.
Além do que é possível entender das declarações UEFA, é de conhecimento comum que a ‘Liga dos Campeões’ é a maior fonte de renda da entidade, seja por investimentos e patrocínios, como venda de ingressos, produtos e etc. Ou seja, essa nova ‘Superliga’ representaria uma enorme concorrência para a UCL (sigla da ‘Liga dos Campeões’) e, consequentemente, uma grande perda no orçamento da entidade.
Pensando tanto nos aspectos morais, como nós financeiros, a UEFA começou a tomar providências para impedir a organização deste novo campeonato. Essas seriam maneiras de punir os times envolvidos:
- Os clubes participantes estariam banidos da ‘Liga dos Campeões’,
- Os clubes participantes estariam banidos de Ligas domésticas (La Liga, Premier League, etc.
- Os jogadores inscritos nesse campeonato seriam banidos de quaisquer competições organizadas pela UEFA
Para finalizar, esse assunto vale colocar essa frase que foi colocada num comunicado oficial da UEFA: “Vamos considerar todas as medidas disponíveis, em todos os níveis, judiciais e esportivos, para impedir que isso aconteça. O futebol é baseado em competições abertas e méritos esportivos; não pode ser de qualquer outra maneira”.
3.2 SUPER LIGA X FIFA
Após a declaração da UEFA, era de se esperar que a própria FIFA iria se manifestar sobre o assunto, visto que essa ‘Superliga’ afetaria diretamente, muitos dos conceitos que ela defende, como por exemplo, a igualdade dentro do esporte.
Além disso, ela enfraquece diretamente uma das confederações mais bem sucedidas, vinculadas a entidade, o que faz com que a FIFA, tenha muito interesse no desmantelamento desse novo campeonato.
O repúdio da FIFA veio com uma declaração oficial do próprio Gianni Infantino, mandatário da Fifa, que em uma nota oficial afirmou que “a FIFA é construída sobre os verdadeiros valores do esporte. A FIFA é claramente contra esta Superliga. A UEFA e o futebol europeu têm todo o meu apoio”
Além disso, ele ainda criticou o modelo da ‘Superliga’, dizendo que: “Trabalhei para manter o modelo do futebol na Europa. Acessos, rebaixamentos… Eu defendo esse modelo. Temos de protegê-lo”.
Com isso, fica muito claro que a FIFA não apoia em nenhuma instância os objetivos e modelos dessa nova Liga, já que, ameaça os ideais esportivos que ela prega.
3.3 SUPERLIGA X OUTROS CLUBES
A ‘Superliga’, como dito antes, era para ser um campeonato extremamente exclusivo que possuía apenas cinco vagas para clubes, que não fossem os fundadores. Com isso, clubes de futebol de todo o mundo, começaram a se manifestar, contra a realização deste ambicioso projeto.
Essa revolta em parte se faz pela falta de oportunidade que as equipes teriam de mostrar que elas são as melhores, já que todos os times da Europa, visam como objetivo máximo, levantar a taça da Liga dos Campeões.
Como um exemplo dessa oposição, podemos citar o caso do Everton, time inglês que disputa a principal competição nacional da Inglaterra.
O Everton, time de Liverpool, criticou publicamente as seis equipes inglesas que se envolveram com a criação da Superliga. Segundo o clube, esses clubes “estão manchando a reputação da liga inglesa e do jogo”
Além do Everton, várias equipes de toda a Europa se manifestaram como, Leeds United, Spartak Moscou entre muitas outras, que não teriam oportunidade de participar.
Vale indicar, que essas equipes também sofreriam com problemas financeiros, graças a este novo campeonato europeu, já que não ficariam tão interessantes comercialmente como as equipes que estariam participando, o que de tabela influenciaria na competitividade dessas.
Além disso, vale lembrar as equipes como o Paris Saint-Germain, Bayern de Munique, Borussia Dortmund, Ajax, Benfica, Porto e Roma se reusaram a participar desta Super Liga por não concordar com os ideais pregados pelo grupo organizador e para preservar a sua imagem.
3.4 SUPERLIGA X TORCEDORES
A criação deste novo campeonato não foi discutida apenas por executivos e times europeus, já que os torcedores tanto dos times fundadores tanto de outros times europeus e do mundo também se manifestaram contra o assunto.
Para a massiva parte dos torcedores, tanto dos times fundadores, como de todas as outras equipes, a Super Liga europeia, representava um ato de grande desrespeito à cultura do futebol.
Isso pode ser percebido por protestos por centenas de milhares de fãs do esporte que se manifestaram, tanto virtualmente como presencialmente para criticar a postura dessas 12 equipes fundadoras.
O motivo de tanta revolta, foi o aparente descaso desta nova organização, pela já consolidada Liga dos Campeões, que para muitos dos fãs de todo o planeta, é a melhor liga de futebol para se assistir devido a competitividade desta.
Outro motivo que trouxe revolta, é o fato de que nenhum dos times fundadores poderia ficar fora da competição, além de um número extremamente baixo de vagas (cinco) para serem conquistadas pelo mérito de equipes em suas ligas nacionais.
Junto com tudo isso o aparente interesse econômico das equipes fundadoras, acima do interesse propriamente desportivo, é mais um motivo para a reação extremamente negativa por parte das torcidas.
3.5 SUPERLIGA X JOGADORES E TÉCNICOS
Outro grupo que também se mostrou contrário à realização da ‘Superliga’, e talvez o grupo mais importante, seja o dos jogadores.
A maioria dos atletas não se sente satisfeito com esse novo campeonato, desde que, além de prejudicial para a imagem dos próprios deles, ele não condecora o ganhador, visto que, para muitos desses atletas é um sonho ganhar a ‘Liga dos Campeões’ e um marco em suas carreiras. Além disso, eles também se mostram extremamente contrários ao modelo elitista, proposto pela competição.
Um exemplo é o goleiro do Liverpool, Alisson Becker, que se posicionou a respeito da ‘Superliga’. Por meio de sua conta no Twitter, o jogador escreveu:
“Nós não gostamos e não queremos que aconteça. Essa é a nossa
posição coletiva. Nosso compromisso com este clube de futebol e com seus
torcedores é absoluto e incondicional”
Esse sentimento também pode ser identificado pela equipe técnica dos
times, que também são contra a realização desta ‘Superliga’.
Sobre isso, o ex-jogador de futebol, atualmente técnico do Manchester City, Pep Guardiola, fez também duras críticas a essa competição, principalmente no que tange ao formato do torneio, no qual, para os times fundadores, a derrota não importa, já que não serão rebaixados. O treinador disse: ‘Não é esporte quando a relação entre o esforço e o sucesso, o esforço e a recompensa não existem. Então, não é esporte. Não é esporte quando o sucesso já está garantido. Não é esporte se não tem importância se você perder”.
3.6 DO RESULTADO DA REPERCUSSÃO
Diante do que foi dito neste título, é possível perceber que um número extremamente restrito de pessoas acabaria se beneficiando com a criação desse novo campeonato, já que os torcedores, Confederações e trabalhadores do esporte foram extremamente contrários à criação desse novo campeonato.
Entendendo isso, as equipes participantes refletiram sobre a grande repercussão negativa que a ‘Superliga’ provocará, e visando manter uma boa imagem para o público geral e garantir uma segurança de investimento, os times ingleses: Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham anunciaram que estavam fora do projeto.
Com isso no dia 20/04/21, a ambiciosa Super Liga, foi declarada oficialmente cancelada, o que agradou e muito, aqueles que estavam se opondo a realização do campeonato.
É importante frisar que, por mais que cancelada, a ideia ainda pode voltar a aparecer novamente, visto que o projeto foi muito bem aceito por acionistas e deve ser anunciada novamente, porém em um modelo diferente que não cause tanta estranheza e desconforto para torcedores, jogadores e entidades desportivas.
4.CRÍTICA
Diante do exposto e da análise geral dos fatos, é possível debater o tema em quatro aspectos principais, ligados ao desporto em si, sendo eles:
- Da cultura
- Do direito
- Do financeiro
- Do atleta e operadores do esporte
4.1 DA CULTURA
Desde o começo deste artigo, ficou muito claro a origem do futebol e como que ele evoluiu para que se tornasse um grande objeto da paixão mundial como é vista nos dias de hoje.
Entendendo isso é impossível que este modelo consiga compreender as demandas dos torcedores e da evolução do esporte em si. Isso acontece pois na cultura do esporte profissional, um objetivo é sempre claro: Ser o melhor.
O ato de ser o melhor é extremamente importante para o desenvolvimento dessa modalidade, visto que em seu começo, as equipes operárias se uniam para se tornarem mais competitivas e terem uma chance maior de vencer os torneios mais importantes.
Também sobre os torneios, é necessário entender que eles existem para obedecer a uma demanda, uma curiosidade em comum, de saber quem é o melhor. Com isso foram criados torneios regionais, nacionais e finalmente os continentais, em que este último existe para responder à pergunta “Qual é o melhor time do continente?”
É pelo fato de pouquíssimas equipes poderem participarem do torneio e apenas cinco delas, terem a sua vaga por mérito, que é possível perceber que a Super Liga não consegue demonstrar qual equipe é a melhor do continente europeu
Além disso, vale lembrar que o dinheiro faz sim atualmente parte da cultura do futebol, mas não apenas como um objeto que gere lucro, mas também como uma ferramenta para elevar o nível esportivo das equipes, assim criando uma relação em isolamento lucro, junto com o desenvolvimento esportivo. É para isso que entidades como a UEFA existem. Para que o futebol seja desenvolvido junto com o crescimento financeiro.
No caso da Super Liga, esse crescimento não é harmônico, visto que ele visa restringir de maneira permanente as equipes que podem lucrar com o futebol (seriam aí as 15 equipes fundadoras que teriam a sua vaga garantida)
Também é fundamental lembrar a importância que o torcedor tem para o desenvolvimento do futebol e entender também a sua história e o porquê de se conectarem tanto com as equipes.
Sobre isso vale lembrar que no caso de torcidas de equipes que participam da Liga dos Campeões, existem dois tipos de torcedores.
O primeiro tipo de torcedor é aquele que cresceu com o time, isso é, que vive na cidade ou até no país da equipe e graças a uma identificação com o lugar ou até mesmo sobre a influência de algum parente, começa a ser um torcedor da equipe.
Como já foi dito no início do artigo, o futebol profissional nasceu das classes mais simples de operários ingleses e logo muitos dos descendentes dos torcedores daquela época, torcem para estas equipes até os dias de hoje.
Graças a isso, os torcedores ficam indignados de ver que o clube que eles apoiaram por tanto tempo, estão renunciando à competitividade e crescimento da equipe por motivos financeiros. Com isso é possível entender que talvez estes sejam os torcedores mais prejudicados com a criação desta Super Liga.
O segundo tipo de torcedor, é um pouco menos complexo e objeto da globalização, ou seja, são os torcedores de toda parte do mundo que apoiam esses times, não por uma identificação local, mas sim pela apreciação do futebol jogado.
Sobre essas é possível entender que também estão sendo prejudicadas, já que o que interessa a esses fãs, é observar o crescimento da modalidade em si e aguardar por partidas imprevisíveis e emocionantes.
Esta imprevisibilidade é posta de lado quando 15 equipes (75% dos participantes) vão se repetir em toda edição, independentemente do seu desempenho no ano anterior.
Com isso é possível entender que a cultura do esporte deve ser respeitada, não apenas para o agrado dos fãs, mas também para que a modalidade, Futebol, possa continuar crescendo, algo que não acontece com uma liga extremamente elitizada e fechada para poucas equipes.
4.2 DO DIREITO
Como exposto acima, a criação da Superliga acabou gerando diversas críticas, como por exemplo, no âmbito cultural, econômico e nas relações dos operadores do esporte. No âmbito jurídico, isso não foi muito diferente.
Com intuito de entender as críticas jurídicas, é necessário entender a Lei de Concorrência da União Europeia. Essa norma é uma das áreas de autoridade da União Europeia.
A criação desta Lei tem por objetivo assegurar condições justas e equitativas para as empresas. Ou seja, a Lei de Concorrência da União Europeia regula o exercício do poder de mercado por parte das grandes empresas, governos e outras entidades.
Além de entender o objetivo desta Lei, é preciso entender também o que a Legislação da União Europeia dispõe sobre a concorrência. De forma sucinta, a legislação da UE expõe que as grandes entidades econômicas não podem usufruir do seu poder de negociação para impor condições que tornem difíceis as relações entre os fornecedores ou clientes e as empresas concorrentes.
No caso em questão, é possível entender que a ‘Superliga’ acaba desrespeitando a ‘Lei da Concorrência da União Europeia’, uma vez que a entidade organizadora da competição acaba utilizando seu poder financeiro, para eliminar a concorrência com outras entidades. Logo, valendo-se do aspecto financeiro, torna-se, de fato, mais atrativo para os clubes disputarem essa competição.
4.3 FINANCEIRO
Talvez o aspecto mais marcante, depois do modelo funcional da Superliga, é o investimento que ela teria, junto com os times fundadores, num valor especulado maior que cem milhões de euros, apenas para participar.
Sobre isso é importante afirmar que o dinheiro, como já foi dito anteriormente, faz parte da cultura do futebol, sendo este um dos principais diferenciais para o desenvolvimento da modalidade. É possível entender isso, uma vez que um projeto esportivo deve fazer com que o nível competitivo de uma equipe aumente.
Entendendo isso, é possível visualizar que as equipes que estariam fundando a ‘Superliga’ já faziam parte da elite do futebol, ou seja, já possuíam um investimento, muito desigual, quando comparadas a outras equipes.
Essa desigualdade, hoje em dia, já representa um grande problema para o desenvolvimento do esporte, visto que, em âmbito nacional, é frequente ver o domínio das equipes consideradas de elite. A dominância dentro do esporte, é um fator muito prejudicial para o desenvolvimento da modalidade em si, visto que a imprevisibilidade do campeão é um dos fatores que mais atraem fãs. Um exemplo disso é a Premier League, que todo ano tem vários candidatos ao título e a vagas de competições europeias.
Entendendo isso o problema da Super Liga fica muito claro, pois em vez de buscar maneiras para tornar o futebol menos desigual, ela faz com que a desigualdade aumente substancialmente, visto que ela incentiva a diferenciação do nível dos times participantes, para os não participantes.
Com isso, é possível entender que por mais que o futebol, ganhe um investimento extremamente maior (por meio de acionistas, patrocinadores e etc.), a Super Liga, não usaria este para desenvolver ainda mais o esporte e sim para aumentar a disparidade entre os times da elite e de todo o resto.
4.4 DOS ATLETAS
Como todo torneio desportivo, é importante não esquecer que a base e a essência do campeonato, é a presença de atletas. Sem eles é impossível que uma partida seja jogada.
Assim é possível entender que quando um torneio é organizado, ele deve ser atrativo para jogadores, queiram participar.
Quando se analisa o torneio da Super Liga é possível identificar que eles não se preocuparam tanto com a reação dos atletas. Isso porque o atleta profissional hoje, quando vai escolher um clube identifica três fatores cruciais que é a fama, a glória e o dinheiro.
Sobre a fama é importante entender que o jogador gosta de ser bem falado, de estar sempre elogiado pela mídia e pelos torcedores. O problema é que devido à grande repercussão negativa, os jogadores que participassem deste novo campeonato, seriam alvos de muitas críticas negativas, o que enfraquece e muito a imagem do jogador.
Sobre a glória, é importante afirmar que todo o atleta tem como maior meta, ser campeão, ser condecorado como ganhador de certo torneio e etc. O problema é que graças ao modelo da Super Liga, esse mérito não fica tão evidente como na Liga dos Campeões em que fica claro para o mundo inteiro que você junto com a sua equipe é os melhores da Europa. Além disso o campeonato de clubes da UEFA, já é muito consolidado o que faz com que seja o desejo de muitos atletas, desde jovens, conquistar esse título.
Sobre a questão financeira, já é possível identificar um pouco mais de atração por parte dos atletas, visto que a longo prazo os atletas vão poder ter contratos que estejam de acordo com o prêmio da competição.
O problema disso é que o quesito financeiro não é o suficiente para fazer com que o jogador jogue com o seu melhor desempenho, dentro de campo visto que independentemente de jogar bem ou mal ele vai receber o seu salário.
Isso fica evidente pois mesmo hoje, se um atleta não tem interesse em ganhar um título, ele não consegue mostrar o máximo do seu rendimento o que acaba atrapalhando e muito o movimento esportivo no geral
- CONCLUSÃO
Após entender toda a criação da ‘Superliga’, os fatores que inspiraram a sua criação e também a maneira como fracassou, é possível concluir que esse projeto, por mais que fosse ambicioso, possui várias falhas quanto ao desenvolvimento do futebol e à sua difusão pelo mundo, já que, nos aspectos anteriormente referidos, é possível identificar muitas demandas que deixam de ser compreendidas, tanto por aqueles que ganham a sua vida com o esporte, como para aqueles que só gostam de apreciar uma boa partida de futebol.
Todavia é importante entender a importância da aparição desse projeto no mundo, visto que ele escancarou questões que ainda devem ser compreendidas, como um investimento maior no futebol, mais partidas entre equipes competitivas e uma distribuição mais efetiva dos direitos de transmissão dos jogos.
Para finalizar, vale lembrar uma das declarações do Presidente dessa ‘Superliga’, afirmando que o futebol precisa se adaptar aos novos tempos.
E ele estava certo, pois, como tudo no mundo, o futebol precisa sempre se atualizar e melhorar, contudo, não às custas das conquistas anteriores, ou por meio de um projeto extremamente egoísta.
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