A Lei n. 14.193/21, conhecida como Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), recém-publicada em 9 de agosto de 2021, instituiu em nosso sistema uma facultatividade detalhada e um incentivo aos clubes, em sua maioria associações sem fins econômicos, a se transformarem no todo ou em parte, em Sociedades Anônimas específicas, direcionadas ao exercício econômico do futebol.
Vale sempre lembrar que, o art. 27, § 9°, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé), inserido pela Lei n. 10.672/03, desde 2003 permite de maneira opcional aos clubes se constituírem sob um tipo societário, a incluir uma estrutura de Sociedade Anônima.
Entretanto, a falta de normatividade mais minuciosa na Lei Pelé não permitia aos clubes arriscarem tais investidas. Com efeito, costuma-se afirmar que a Lei da SAF pode representar um real estímulo aos clubes a transformarem o departamento de futebol profissional em Sociedade Anônima, pois observa contornos da especificidade da atividade econômica desportiva profissional.
Realizada essa localização societária inicial, o objetivo é demonstrar alguns pontos de reflexos trabalhistas promovidos pela referenciada Lei da SAF.
O primeiro deles tem o condão de referência taxativa na obrigatoriedade de os dirigentes estruturarem o profissionalismo do futebol feminino, sem discriminação em relação ao masculino, não apenas como dever dos clubes que transformarem o seu departamento de futebol em Sociedade Anônima, mas também aos que continuarem como associação sem fins econômicos.
Os reflexos lógicos dessa estruturação profissional no futebol feminino é que agora a Lei é mais expressa e direta no sentido de não tolerar a negação ou a inviabilidade pelas próprias entidades de prática desportiva, sob qualquer argumento, de constituição do Contrato Especial de Trabalho Desportivo com as atletas mulheres, as impedindo de ter o direito ao vínculo empregatício (acesso ao trabalho subordinado).
A Lei da SAF explicita ainda que, no objeto social de exploração econômica do futebol, deve estar incluso o desenvolvimento de formação profissional da categoria feminina, reforçando os arts. 29 e 29-A para as mulheres, pois a Lei Pelé sempre abrangeu o futebol feminino, já que além de não fazer discriminação de gênero, é inconstitucional qualquer Lei que imponha critérios discriminatórios negativos contra as mulheres, mormente o direito de ter acesso ao trabalho e a todos os demais direitos trabalhistas constituídos com a relação empregatícia.
Em outra dimensão, a Lei da SAF minudencia o Regime Centralizado de Execução (outrora conhecido como Ato de Execução Concentrada), que confere benefícios de suspensão de constrição patrimonial e de receitas de clubes em processos judiciais de execuções paralelas, em contrapartida de uma quitação organizada em quadro organizado de credores, cumprindo uma destinação de receita mensal que observe regras de prazos de pagamentos gradativos e prioritários.
Caso o clube viole as regras para permanecer no procedimento de execução concentrada acima explicado, os credores exequentes voltam a ter o direito de prosseguir na constrição concomitante de patrimônio e receita do clube devedor, como sequência lógica do processo de execução judicial.
O repasse para quitação dos débitos judiciais trabalhistas deve ser de 20% das receitas correntes mensais da SAF para o clube ou pessoa jurídica que a originou, com a finalidade de pagar os credores constituídos em execução centralizada.
Nos 6 primeiros anos o clube ou pessoa jurídica que constitui a SAF deve ter quitado pelo menos 60% dos débitos judiciais trabalhistas, podendo requerer a extensão do regime de execução centralizada por mais 4 anos com a redução para 15% da destinação de receitas correntes mensais da SAF.
No art. 13 da Lei, não resta esclarecido se a SAF depois de constituída, poderia futuramente se beneficiar do Regime Centralizado de Execução. Em decorrência lógica do ordenamento jurídico, a uma Sociedade Anônima do Futebol se aplica a Recuperação Judicial e Extrajudicial previsto no art. 13, II, que se remete a Lei n. 11.101/05.
Quanto ao Regime Centralizado de Execução, em uma interpretação sistemática e teleológica, parece de justa medida que se futuramente uma SAF necessitar da execução concentrada, a ela também se direciona, por referência normativa do art. 13, I, da Lei.
Por outra banda, a Lei da SAF dispõe que se os dirigentes do clube, pessoa jurídica originária ou da própria SAF desviam o repasse dos 20% ou 15% das receitas mensais correntes, respondem solidariamente pela reposição financeira desses recursos de quitação dos débitos judiciais trabalhistas.
Aspecto bem controvertido da Lei, que contraria a normatização geral do Direito do Trabalho, é a adoção de responsabilidade subsidiária para SAF em relação ao clube que a constitui, caso seja descumprido o regime centralizado de execução.
Ora, o raciocínio jurídico mais afinado com a sistemática e a teleologia da ordem jurídica brasileira, seria a responsabilidade inteira da SAF para os casos de sucessão definitiva total ou de responsabilidade solidária para os casos de sucessão temporária ou apenas do departamento de futebol, pois a sucessão trabalhista segue exatamente esses critérios.
Se houver fraude nas sucessões propostas pela Lei da SAF, claramente, se aplica subsidiariamente o regime celetista para empregar a responsabilidade solidária ao clube, à SAF, aos seus sócios e dirigentes fraudadores.
Em outro polo, embora a Lei se refira sempre diretamente ao clube ou pessoa jurídica que dá origem à SAF como beneficiário do regime de execução centralizada, sendo uma motivação para a transformação societária do futebol profissional, os clubes que não constituírem SAF também devem ser contemplados com o referido benefício executório, pois o princípio da recuperação da fonte de produção econômica e social de pessoas jurídicas deve predominar para não existir discriminação aniquiladora de quaisquer clubes.
Com efeito, os clubes que já estavam em regime centralizado de execução anterior ao vigor da Lei da SAF devem gozar de seus prazos estendidos por inexistir Lei anterior detalhando o procedimento, o que era realizado totalmente por normas infralegais dos Tribunais e o comando geral do art. 50 da Lei n. 13.155/15.
Contudo, os Tribunais devem se movimentar para adequar seus novos regimentos de execução centralizada aos dispositivos da nova Lei da SAF, absorvendo os benefícios e os ônus, sob pena de discriminar os clubes que a cumprem regularmente, causando até mesmo violação reflexiva ao fair play financeiro trabalhista ou o esvaziamento do objeto da própria Lei, que é proporcionar a recuperação econômica das entidades de prática desportiva.
Por fim, a Lei da SAF conduz uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, que é a possibilidade de clubes (associações sem fins econômicos) utilizarem não apenas o Regime Centralizado de Execução, mas a Recuperação Judicial e Extrajudicial, remetendo-se a Lei n. 11.101/05.
Resta saber se o Poder Judiciário Trabalhista vai aceitar a sua aplicação somente para os clubes (associações sem fins econômicos) que constituam SAF ou se a adotará também para aqueles que não se transformarem ou cindirem em SAF, assim como aceitou a aplicação imediata e direta do Regime Centralizado de Execução para clubes centenários que nem têm previsão de constituição de SAF.
O fato é que o art. 13 da Lei n. 14.193/21 é expresso na aplicação dos Regimes Centralizado de Execução, Recuperação Judicial e Extrajudicial para os clubes e pessoas jurídicas que constituem SAF, mas já é dúbia quanto ao direcionamento do benefício normativo aos demais clubes que não constituírem SAF.
A seguir pela coerência das decisões judiciais laborais da última semana, a tendência é aplicar o art. 13 da Lei da SAF a toda e qualquer associação sem fins econômicos do esporte. A bola agora está nas mãos, pés ou mente do Magistrado da Justiça do Trabalho.