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Regime Centralizado de Execuções é devido para todos os clubes

A Lei nº 14.193/2001, em vigor desde 09/08/2021, instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e dispôs acerca de normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico, com alteração da Lei Pelé e do Código Civil Brasileiro.

Nota-se, portanto, que o novel diploma legal não trata apenas de definir critérios que viabilizem a transformação de clubes associativos em empresas, na medida em que o alcance da nova lei é muito mais abrangente e dispõe acerca dos meios de financiamento da atividade futebolística e critérios para equacionar o passivo dos clubes, independentemente de sua forma jurídica de constituição.

De início, cumpre observar que a própria lei considera como clube toda associação civil, regida pelo Código Civil Brasileiro, dedicada ao fomento e à prática do futebol (Art. 1º, par. 1º, I, Lei n. 14.193/21).

A referida lei é dividida em Capítulos independentes. O primeiro deles trata da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e é subdividido em Seções que tratam, respectivamente, das Disposições Introdutórias, Constituição, Governança e Obrigações da SAF e o modo de quitação das obrigações. Já a Subseção I estabelece o Regime Centralizado de Execuções (arts. 14 a 24), enquanto a Subseção II dispõe acerca da recuperação judicial e extrajudicial do clube ou pessoa jurídica original.

O Capítulo II estabelece disposições especiais em três Seções: do financiamento da SAF, do programa de desenvolvimento educacional e social e do regime de tributação específica no futebol. Por fim, o Capítulo III trata das disposições finais.

Neste breve artigo não serão abordados os dispositivos que foram vetados pelo Poder Executivo, relacionados a questões tributárias (deixaremos isso para uma análise futura, após exauridos os debates acerca do tema).

A questão central a ser analisada neste momento diz respeito ao Regime Centralizado das Execução – RCE e o seu alcance perante as entidades de prática desportiva.

Inicialmente cumpre observar que o RCE trazido pela Lei nº 14.193/21, não se confunde com o Plano Especial de Pagamento Trabalhista, regido pela Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (art. 151 e ss.), razão pela qual, caberá aos Presidentes dos TRTs a observância da legislação atual para instauração do Regime Centralizado das Execuções.

Com efeito, dispõe o art. 14 da Lei 14.193/21 que o requerimento do RCE será apresentado pelo clube ou pessoa jurídica original e será concedido pelo Presidente do TRT, quanto às dívidas trabalhistas,

Dispõe o art. 13 da lei em comento que o clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério:

I – pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei; ou II – por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Cumpre destacar que os Tribunais deverão emitir Atos que disciplinarão o Regime Centralizado de Execuções (RCE), com concessão de prazo de 6 (seis) anos para pagamento dos credores.

Além disso, o clube ou pessoa jurídica original que comprovar a adimplência de ao menos 60% (sessenta por cento) do seu passivo original ao final do prazo de seis anos, será permitida a prorrogação do Regime Centralizado de Execuções por mais 4 (quatro) anos, período em que o percentual a que se refere o inciso I do caput do art. 10 da Lei 14.193/21 poderá, a pedido do interessado, ser reduzido pelo juízo centralizador das execuções a 15% (quinze por cento) das suas receitas correntes mensais.

Ao clube ou pessoa jurídica original que requerer a centralização das suas execuções será concedido o prazo de até 60 (sessenta) dias para apresentação do seu plano de credores, que deverá conter obrigatoriamente os seguintes documentos: I – o balanço patrimonial; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais; III – as obrigações consolidadas em execução e a estimativa auditada das suas dívidas ainda em fase de conhecimento; IV – o fluxo de caixa e a sua projeção de 3 (três) anos; e V – o termo de compromisso de controle orçamentário.

Como forma de viabilizar o fiel cumprimento das obrigações assumidas, enquanto o clube ou pessoa jurídica original cumprir os pagamentos previstos não será permitida qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas.

Em decisão proferida no PP 1000064-79.2021.5.02.0000, o Desembargador Sérgio Pinto Martins, Corregedor do TRT da 2ª Região, afirmou que a Lei n.º 14.193/21, apanha os processos que estão em curso e citou Paul Roubier para afirmar que “a base fundamental da ciência dos conflitos de leis no tempo é a distinção entre efeito retroativo e efeito imediato de uma lei. Parece um dado muito simples: o efeito retroativo é a aplicação no passado; o efeito imediato é a aplicação no presente… Se a lei pretender ser aplicada sobre fatos consumados, ela é retroativa; se ela pretende ser aplicada sobre situações em curso, será preciso distinguir entre as partes anteriores à data da modificação da legislação e que não poderão ser atingidas sem retroatividade, e as partes posteriores, sobre as quais a lei nova, se aplicável, não terá senão um efeito imediato; enfim, diante de fatos futuros, é claro que a lei não pode jamais ser retroativa”.

Naquele caso, determinado clube pretendia a ampliação do prazo de pagamento de suas dívidas, anteriormente fixado em 36 meses, para 6 anos, o que restou deferido.

No TRT da 1ª Região, a DD. Presidente, Desembargadora Edith Maria Corrêa Tourinho reconheceu sua competência – legalmente prevista – para instaurar o RCE, com concessão de prazo de 60 dias para que fosse apresentado plano de credores, conforme decisão proferida no PetCiv 102840-07.2021.5.01.0000[1].

Portanto, dois dos maiores Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil já reconheceram a aplicação do Regime Centralizado de Execuções para todos os clubes, independente de sua forma de constituição, a demonstrar uma sólida tendência.

Desta forma, análise sistêmica do referido diploma legal permite concluir que a utilização do Regime Centralizado de Execuções, desde que atendidos os pressupostos enumerados na lei, constitui direito do clube, ou da pessoa jurídica original, razão pela qual não se trata de prerrogativa exclusiva de entidade de prática desportiva constituída sob a forma de sociedade anônima do futebol (SAF).

……….

[1] Naquela decisão, foi indeferida a suspensão das execuções, o que ensejou o ajuizamento da CorPar 1001210-15.2021.5.00.0000, na qual o Ministro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho decidiu que a competência para decidir acerca da suspensão das execuções é da Presidente do TRT-1 e não da Corregedoria daquele Tribunal.

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