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Regulamentação de Apostas Esportivas e a contenção da criminalidade

A Lei n° 13.756/2018 trouxe expressa disposição sobre a legalização das apostas de quota fixa (art. 29) e, com isso, uma nova realidade se descortinou no Brasil: nascia a perspectiva de novo – e rentável – mercado, assim como uma fonte de recursos para o erário através da sua tributação. No entanto, o novel eldorado prescindia de regulamentação, nos termos da lei, a ser feito pelo Poder Executivo.

Esse simples “detalhe”, que tinha prazo definido em dois anos a partir da vigência da lei, para que fosse publicada a sua regulamentação – sendo renovável por igual período-, foi expirado ao final do governo anterior, sem que se tenha atingido a sua finalidade.

O cenário existente é de uma verdadeira anomia, sem garantias legais para o Estado, para os operadores das Casas de Apostas e, também, nenhuma para o apostador/consumidor.

Trazendo mais caos ao que se vive, tem-se o fenômeno da manipulação de resultados em visível a olhos nus pela sociedade, o que macula o Esporte, revela a impotência do Estado para controlá-lo e repreender os seus responsáveis e, por fim, onera os cofres das casas de apostas.

O tema jogo no Brasil sempre foi tabu. Uma verdadeira mescla de incompetência do Estado para lidar com o assunto sob manto de rechaço religioso. No entanto, a realidade das apostas esportivas oprime quem quer seja para tentar obstar a sua regulamentação pelo Estado.

Atualmente, com essa pasmaceira que se viveu em relação à inexplicável demora na regulamentação, o país perde bilhões de reais em receita, novos empregos formais deixam de ser criados e vê escapar entre os dedos investimentos e oportunidades. Pode-se dizer que, mesmo que sem querer, a legalização das apostas esportivas, ocorrida em 2018 com o advento da citada lei, demonstrou o poderio deste mercado com um (mais do que) significativo avanço de patrocínios deste segmento em campos esportivos e de entretenimento. Essa é a maior prova de que o setor precisa ser regulamentado de forma urgente.

D´outro lado, com a inexistência de segurança jurídica aumenta exponencialmente a sensação de que este mercado foi apropriado pela criminalidade (se tornou espaço para a lavagem de dinheiro, crimes fiscais, dentre outros), afinal, se encontra lançado à margem da legalização. Com isso, não é incomum que as pessoas associem as apostas esportivas como potencial risco à integridade do esporte e que manipulação de resultados contam com sua participação ou estímulo. Em verdade, as casas de apostas esportivas são as que mais sofrem com as ações de manipuladores e com eventual perda de credibilidade do esporte de alto rendimento.

Pontue-se, honestamente, que a regulamentação não é a ponte de ouro que aqueles que operam casas de apostas cruzarão. Muitos permanecerão do mesmo jeito que se encontram hoje, não se sentirão motivados a “optar” pelo caminho da legalidade[1].

É importante se construir discurso e se conceber ações que contemplem esse cenário, ou seja, que prevejam instrumentos jurídico-penais para a contenção e repressão da criminalidade (nesse segmento, além dos crimes previstos no Estatuto do Torcedor, a Lavagem de Dinheiro desponta como ilícito a ser prevenido de maneira contumaz).

Não sem razão, evidencia-se o esforço do Ministério da Fazenda para enfrentar a regulamentação das apostas esportivas de frente e sem temor, criando equipe com profissionais de renome e experitse comprovada e ouvindo os outros atores do setor.

Ventila-se o surgimento de medida provisória que deverá estabelecer um valor de outorga na casa dos R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), tributação da atividade econômica com alíquota de 15%, exigência de elevado capital social mínimo e sede no Brasil, a criação de agência reguladora do setor. Apesar do conteúdo do texto não haver sido tornado público, ele vendo exposto perante a sociedade, visando alcançar um aperfeiçoamento e assim evitar maior número de alterações pelo parlamento[2].

Logicamente que a edição de medida provisória, bem como a sua conversão em lei, não parece o suficiente para garantir ao mercado a tranquilidade de se navegar em mar calmo e sereno. Por óbvio, significará um grande passo na consolidação de mercado regulado e distante da marginalização a que era submetido.

É certo que outro conjunto de normas, possivelmente de natureza penal, será concebida para fazer jus aos dilemas inerentes às apostas esportivas. Para muitos a verdadeira tábua de salvação. Porém, isoladamente pouco acrescentará, a bem da verdade.

O setor passará a ser mais controlado pelo Estado, nas suas vertentes fiscal e penal, reclamando-se a construção de políticas, procedimentos e práticas alinhas com integridade e boa governança. A respeito do tema, que não é novo no Brasil, a adoção de sistemas de compliance em setores empresariais é uma realidade que deverá se impor ao mercado de apostas esportivas. Oportuna a lição do advogado Pierpaolo Bottini Cruz sobre o assunto:

“A crescente complexidade das regulações destinadas aos mais diversos setores, bem como os usuais conflitos entre obrigações impostas por diferentes países sobre uma atividade que pode ser transnacional – como a bancária – tornou imperiosa a implementação de políticas empresariais voltadas ao cumprimento das normas de prevenção à lavagem de dinheiro. Como define Bock, “frente a uma infinidade de riscos de responsabilidade e uma enxurrada de padrões de obediência legal, o cumprimento da legislação, sem agentes internos de autofiscalização e sem mecanismos organizacionais, não é viável”.  O conjunto de tais mecanismos caracteriza o chamado compliance para prevenção de lavagem de dinheiro – que aqui identificaremos pela sigla PLD.

(…)

O escopo das políticas de compliance é garantir, sob uma perspectiva ex ante, o cumprimento das normas direcionadas à área de atuação de determinada instituição, a fim de evitar problemas jurídicos e de imagem decorrentes de falhas de organização interna que coloquem a empresa em situação de conflito com os atos regulatórios. “[3]

O combate à criminalidade se imporá, sobretudo, através de medidas de prevenção, conforme ilustrado acima. Naturalmente, a criação de novos tipos penais, ou a inclusão da atividade como uma daquelas previstas no rol da Lei de Lavagem de Dinheiro, a reforma de tipos penais existentes (porém ineficazes atualmente) são hipóteses que se descortinam[4]. Contudo, não podem ser as soluções unicamente.

A existência dessas alterações/inovações no campo do direito penal e processo penal não devem se orientar por uma política criminal de lei e ordem[5], sob pena de se tornar inócua. A racionalização do enfrentamento à criminalidade é necessária, para melhor orientar o sistema penal e se evitar, ao máximo, uma grande cifra oculta ante a impossibilidade de alcançar a todos.

A repressão deverá existir, todavia, ela por si só não logrará êxito. Não se pode acreditar que leis penais garantirão a inexistência de crimes. Somente através da construção de ambiente seguro, com a aplicação de normas jurídicas de diversas matizes, aliando-se com fiscalização e operacionalização concretas, é que se irá garantir aos stakeholders a serenidade para desenvolver a atividade, ao consumidor a segurança jurídica para apostar e ao Estado a certeza de que conterá a criminalidade a níveis mínimos e toleráveis.

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[1] Muito oportuna a análise dos professores Carlos Ragazzo e Gustavo Ribeiro sobre o argumento da legalização dos jogos de azar, que bem se aplica às apostas esportivas: O problema desse binômio é que ele está baseado em duas premissas: uma falsa e outra problemática. Primeiro, a premissa falsa. Não é necessariamente lógico que a simples regulamentação de um determinado jogo de azar, atualmente proibido, fará com que essa indústria, hoje ilegal, seja regularizada. Qualquer que seja o nível de permissão (mais ou menos restritivo) de uma determinada atividade, sempre haverá um contingente de atores que se manterão na ilegalidade. Isso se deve a vários fatores, por exemplo, o alto grau de regulação e tributos levam muitos agentes a se manter na ilegalidade para fugir de alguns tipos de custos associados à regularização e à manutenção desse status. (O dobro ou nada: a legalização dos jogos de azar. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1808-24322012000200010. Acessado em 05 de maio 2023).

[2] Ver matéria: Outorga de R$ 30 milhões e alíquota de 15%: entenda como deverá ser a taxação dos sites de apostas esportivas | Economia | G1 (globo.com) . Acessada em 05 de maio 2023.

[3] BADARÓ, Gustavo; BOTTINI, Pierpaolo. 3. Programas de Compliance Voltados à Prevenção da Lavagem de Dinheiro In: BADARÓ, Gustavo; BOTTINI, Pierpaolo. Lavagem de Dinheiro – Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com Alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/lavagem-de-dinheiro-aspectos-penais-e-processuais-penais-comentarios-a-lei-9613-1998-com-alteracoes-da-lei-12683-2012/1198075834. Acesso em: 5 de Maio de 2023.

[4] Um exemplo disso é uma reformatio in pejus nos crimes de manipulação de resultados (artigos 41-C, 41-D e 41-E do Estatuto do Torcedor) aumentando penas, incrementando as hipóteses de prisão preventiva, etc.

[5] Sobre esse movimento de política criminal, nos ensina o Professor Sérgio Salomão Schecaira: É o período dos Governos Reagan/Bush nos EUA e Thatcher (seguido de John Major) na In-glaterra, em que o neoconservadorismo recebe a feição hoje conhecida do Law and Order Movement tendo como seus representantes Van den Haag, Wilson James, Edward Benfield, Freda Adler, dentre outros. Suas exigências sensacionalistas geraram muitas críticas, a ponto de serem identificados como uma mistura extravagante de moralismo nos moldes de Seleções de Reader’s Digest. Não obstante, não deixaram de impor grande parte de suas ideias, que podem ser sintetizadas em recomendar penas mais longas e duras, quando não a própria pena capital. Defendem, ainda, menor poder discricionário a ser atribuído ao juízo, impedindo, especialmente em sede de execução, a flexibilização do cumprimento da pena privativa de liberdade. De outra parte, asseveram que os crimes graves estão a merecer, desde logo, uma resposta enfática da sociedade, daí por que preconizam a ampliação das medidas cautelares detentivas. Ademais, defendem um extremo rigor nos regimes de cumprimento de pena, descartando a ideia central do pensamento penal tradicional que via na recuperação do condenado uma de suas principais finalidades. SHECAIRA, Sérgio. Criminologia do Consenso e do Conflito In: SHECAIRA, Sérgio. Criminologia. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/criminologia/1339454403. Acesso em: 5 de Maio de 2023.

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