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Relatório da ONU sobre Afeganistão reforça necessidade de ação do esporte

O que era óbvio, só podia se confirmar. A volta do Taleban ao poder no é uma derrota das minorias, dos direitos humanos, das mulheres e de todos que buscam um mundo mais igual e livre. Claro que o esporte também sofre uma perda gigante.

Relatório da ONU divulgado nesta segunda (31) aponta que o novo regime e seus aliados já mataram mais de 100 ex-membros do governo afegão anterior, agentes das forças de segurança e outras pessoas que trabalharam com as forças internacionais.

O documento da ONU afirma ainda que “defensores dos direitos humanos e trabalhadores dos meios de comunicação continuam sob ataque, intimidação, assédio, detenções arbitrárias, maus-tratos e assassinatos”, acrescenta o documento. O documento também destaca a supressão do direito de protesto e dos direitos das mulheres.

Como já tratei aqui, as mulheres já tiveram que abandonar o esporte.

A soberania do país e a liberdade religiosa devem ser sempre respeitados, entendidos e protegidos. Agora, eles jamais podem ser usados como forma de agressão e repressão a direitos inegociáveis. O Talieban, numa leitura radicalmente restritiva do Islamismo, historicamente ataca direitos protegidos universalmente.

De acordo com grupo que agora domina o país, as mulheres têm uma posição diferente dos homens, tendo privada a liberdade, a possibilidade de praticar esporte e até o acesso das meninas às escolas. Ou seja, se ataca o presente e o futuro das mulheres.

O esporte não pode compactuar com isso jamais.

 Esporte e direitos humanos

Depois das denúncias de compra de voltas para as sedes das Copas de 2018 e 2022, e abalada pelo escândalo do Fifagate, a entidade-mor do futebol investiu em uma agenda positiva. Ela colocou no seu Estatuto, no artigo 3, a previsão de que a “Fifa está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção dos seus direitos”. Em maio de 2017, inclusive, estabeleceu uma “política de Direitos Humanos”.

Já o COI carrega desde a sua fundação o discurso de Pierre Courbetein de combate ao preconceito e de integração social. Um dos princípios mais caros do Olimpismo é o de que “toda e qualquer forma de discriminação relativamente a um país ou a uma pessoa com base na raça, religião, política, sexo ou outra é incompatível com o Movimento Olímpico.” Em seus princípios 2 e 4 estão garantidos a proteção da dignidade humana e o combate a qualquer tipo de preconceito.

E quando uma violação à direitos humanos se apresenta, o esporte precisa se posicionar. Foi o que ele já fez em relação à Africa do Sul.

O Apartheid, regime de segregação social presente na África do Sul por quase 50 anos, violava frontalmente princípios de Direitos Humanos. O regime institucionalizado em 1948 não permitia o convívio entre brancos e negros, negando a estes direitos sociais, econômicos e políticos.

Por conta dele, o país africano foi expulso do quadro olímpico e da FIFA, e ficou de fora de várias edições de olimpíadas e copas do mundo.

Mas não foi estabelecida uma régua. Foi uma postura pontual, adotada até em função da pressão internacional de movimentos globais e da opinião pública.

Tanto que tivemos uma Copa na Rússia, teremos a Olimpíada de Inverno na China e a próxima Copa será no…. Qatar.

A verdade é que o esporte também é um negócio. E precisa ser encarado e trabalhado também dessa forma. Mas qualquer negócio, como o que você trabalha, também precisa ser construído com base em princípios.

Wladimyr Camargos, advogado, professor e colunista do Lei em Campo escreve que “o respeito aos Direitos Humanos é elemento interno, não externo da autonomia esportiva. É auto-limite próprio da Lex Sportiva“.

O movimento esportivo não se separa da proteção de direitos humanos. E a ONU fez questão de reforçar esse compromisso.

ONU, esporte e direitos humanos

O dia 6 de abril é o Dia Internacional do Esporte para Desenvolvimento e pela Paz. A Organização das Nações Unidas criou a data devido a relevância política do esporte e escolheu a data para relembrar a realização dos primeiros Jogos Olímpicos Modernos.

O esporte como instrumento de paz e desenvolvimento já tem o reconhecimento da ONU há algum tempo. Em 2003 foi publicada a Resolução 58/5, intitulada “Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz”.

Em 2005, a Resolução A/60/L.1, seguia essa mesma linha e reconhecia o esporte como promotor de paz e desenvolvimento. Diz a resolução que:

  1. Acreditamos que hoje, mais do que nunca, vivemos num mundo global e interdependente. Nenhum Estado pode existir numa situação de total isolamento. Reconhecemos que a segurança colectiva depende de uma cooperação eficaz na luta contra ameaças transnacionais, em conformidade com o direito internacional.”

Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmam seu compromisso na construção e manutenção da paz e do respeito aos Direitos Humanos.

Ou seja, o principal órgão mundial de política internacional reconhece a importância do esporte como meio eficaz na busca não somente da consecução dos “Objetivos do Milênio”, mas reforçam o esporte como instrumento da valorização da cultura de paz e a observância dos Direitos Humanos.

Dessa forma, a Resolução da ONU traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos países membros das Nações Unidas:

  1. Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas a utilização do termo “desporto” em vez de “esporte”, o que sobressai nesse ponto 145 da norma da ONU é (1) a importância do esporte na promoção da paz e do desenvolvimento e (2) sua relevância na promoção dos direitos humanos, por meio da construção de um clima de tolerância e compreensão.

Ou seja, não existe esporte longe dos Direitos Humanos.

Papel do esporte no Afeganistão

O pedido de socorro de mulheres – e das mulheres do esporte – no Afeganistão ecoa pelo mundo. Atletas do futebol já pediram ajuda à FIFA, que inclusive participou de uma ação que retirou centenas de jogadoras do país. Em outras modalidades, atletas têm contato com um auxílio do Comitê Olímpico Internacional.

Claro que a religião e a soberania precisam ser sempre defendidas. Agora, elas jamais podem ser usadas como pretexto para uma política de violação a direitos humanos e agressão à igualdade. Nessa hora, todos precisam fazer a sua parte.

É fundamental que a ciência, a ONU, coletivos globais e o próprio movimento esportivo exerçam mecanismos de pressão internacional dando atenção especial a vigência, eficiência e vinculação dos direitos da pessoa humana não somente na proteção de Direitos Humanos, como também de Direitos Fundamentais.

Ser diferente nem sempre é uma escolha, é uma necessidade. E ela precisa ser protegida. Ajudar mulheres e minorias para que o regime do Taleban respeite a liberdade e o simples direito de escolha – como praticar e viver do esporte – é dever de todos nós.

E quando dirigentes esquecem de fazer a parte deles – e esquecem de banir de seus quadros entidades esportivas de países que violam direitos humanos – , é a pressão organizada de atletas, patrocinadores, opinião pública e coletivos globais que precisa fazer com que eles se lembrem.

Crédito imagem: EFE/EPA/STRINGER

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