A decisão de Mbappé de permanecer no PSG agitou o futebol mundial no último sábado (21). O jovem de 23 anos recusou uma proposta tentadora do Real Madrid e decidiu renovar seu vínculo com o clube francês por mais três anos, até 2025. Após a confirmação do negócio, a LaLiga, responsável pela organização do Campeonato Espanhol, divulgou um comunicado questionando os valores envolvidos na negociação e prometeu acionar a UEFA contra o time de Nasser Al-Khelaifi, diretamente ligado ao governo do Catar. O episódio é mais um a colocar em “xeque” o atual sistema de Fair Play Financeiro da entidade que comanda o futebol na Europa.
“A LaLiga demonstra uma preocupação recorrente sobre o Fair Play Financeiro no futebol europeu. Recentemente, foram aprovadas novas medidas, mais rigorosas, que prometem fechar o cerco contra os clubes que descumprem as normas de controle econômico. No entanto, é válido mencionar que a Laliga também vem sofrendo algumas críticas sobre o descumprimento do controle econômico interno pelo Barcelona, que devem crescer ainda mais com a abertura da janela e a atuação dos catalães no mercado”, afirma João Paulo Di Carlo, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“A sustentabilidade financeira da indústria do futebol é um dos temas mais importantes e debatidos neste momento. O futebol se tornou um negócio extremamente caro e extremamente desequilibrado. Há clubes em ligas mais importantes que contam com 45, 50 atletas em seu elenco. Por vezes as grandes contratações da temporada, em termos financeiros, são jogadores que sequer conseguem ser relacionados para as partidas mais importantes, porque no futebol só podem jogar 11 de cada vez. Isso é frustrante para os clubes mais pobres, para os fãs desses clubes, e é ruim para o esporte. O esporte precisa de rivalidade, não de prevalência”, avalia Tiago Gomes, advogado especializado em direito desportivo, que acrescenta:
“O mesmo vale para a possibilidade de um determinado clube poder pagar quantias absurdas para um único jogador, mesmo apresentando seguidos prejuízos financeiros. A UEFA tem tentado fazer a sua parte estabelecendo regulações financeiras que são rigorosas. Mas os clubes buscam meios para burlar isso. De uma certa forma, também tem que partir dos clubes a percepção de que esses comportamentos são nocivos para o esporte no longo prazo”, Tiago Gomes.
Para o economista Cesar Graffieti, a negociação entre PSG e Mbappé apresenta várias nuances.
“Primeiro, precisa ter atenção à forma de pagamento, ao que foi pactuado em contrato. Por enquanto há uma boa dose de especulação. A outra questão remete ao sistema de Sustentabilidade Financeira, que a partir da próxima temporada controlará o gasto salarial em relação às receitas. Precisamos entender o que o PSG fará para evitar sanções. Lembro que a fórmula de cálculo considera salários e amortizações de contratações, e o PSG não amortiza contratos de suas principais estrelas (Neymar, Messi, Mbappé, Donnarumma, entre outros) pois vieram pelo chamado ‘custo zero’, sem pagamento de direitos econômicos. Além disso, o clube deve abrir mão de atletas, compensando gastos. No mais, é uma questão de entender como será o controle das receitas. Se haverá acréscimos vindos de partes relacionados e como isso será controlado”, avalia.
Em nota, a Laliga afirma que o principal objetivo é “defender o ecossistema econômico do futebol europeu e a sua sustentabilidade”.
“É escandaloso que um clube como o PSG, que na temporada passada perdeu mais de 220 milhões de euros, depois de ter acumulado perdas de 700 milhões de euros nas últimas temporadas (mesmo declarando rendimentos de patrocínios de valor muito duvidoso) com um custo de pessoal desportivo em torno de 650 milhões para a temporada 2021/22, pode enfrentar um acordo com essas características enquanto os clubes que poderiam acertar a chegada do jogador sem ver sua massa salarial comprometida, ficam sem poder contratá-lo”, diz um trecho dela.
A LaLiga lembra que já apresentou queixas contra o PSG em outras oportunidades por conta do descumprimento do Fair Play Financeiro da UEFA, apesar do CAS (Corte Arbitral do Esporte) ter “revogado numa estranha resolução”.
O advogado João Paulo Di Carlo entende que embora possa haver mérito na reclamação, não há embasamento suficiente para a LaLiga questionar uma possível violação das regras econômicas no futebol europeu na negociação.
“Não podemos olvidar que a fiscalização a posteriori sobre as regras europeias é competência da UEFA e, a Laliga, sem os documentos e detalhes da negociação pela renovação de Mbappe, não parece ter embasamento probatório suficiente para afirmar que existiu uma violação por parte dos parisienses. Esperaremos pelos próximos desdobramentos”, afirma.
De acordo com a imprensa francesa, o PSG desembolsou 300 milhões de euros em luvas e ofereceu um salário de 100 milhões de euros por ano para estender o vínculo de Mbappé até 2025. Esses números, não divulgados oficialmente, foi o que motivou a liga espanhola a questionar a disparidade econômica e a falta de mecanismos de controle.
Não é de hoje que o atual Fair Play Financeiro, introduzido em 2010, é alvo de críticas. Visando solucionar essas reclamações, o Comitê Executivo da UEFA aprovou no começo de abril deste ano os novos regulamentos de licenciamentos de clubes e de controle financeiro. O Lei em Campo ouviu especialistas sobre as regras que serão implementadas.
O novo sistema entra em vigor a partir de junho deste ano (início da próxima temporada), com um período de três anos para adaptação. No primeiro momento, os clubes de futebol poderão gastar até 90% das receitas totais no primeiro ano, 80% no segundo e 70% no terceiro em diante. Também haverá a implementação de uma regra de custo de elenco, buscando controlar salários e investimentos em transferências.
Fora isso, o patrimônio líquido dos clubes deve ser positivo em 31 de dezembro da temporada anterior, ou então, ter melhorado 10% em relação à mesma data do ano anterior.
Conforme se especulava, o novo modelo promete ser mais rígido com os clubes infratores. Além de penalidades financeiras pré-definidas, também terá medidas esportivas. De acordo com a UEFA, haverá controles a cada trimestre e menos tolerância aos maus pagadores. No entanto, a entidade aumentou o “desvio aceitável” de déficit de € 30 milhões em três anos para € 60 milhões, levando em consideração todas as despesas. A ideia é de que o modelo esteja em pleno funcionamento a partir da temporada 2024/2025.
“O novo sistema de controle financeiro da UEFA é bom, mas precisa ser coloca em operação. Teremos um bom teste na largada. No mais, por anos o Real Madrid fez o mesmo, pagando salários altos por jogadores consagrados. Basta lembrar dos Galáticos. Faz parte da dinâmica do futebol. O que não deixa de reforçar que é fundamental termos sistemas de controles externos eficientes”, finaliza Cesar Grafietti.
Crédito imagem: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT / AFP
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