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Repasse de 20% das SAFs – Existe ônus tributário?

A Lei n. 14.193/2021 (Lei da SAF), comemorou, no último 06 de agosto do corrente ano, seu primeiro ano de vigência em nosso ordenamento jurídico. É inegável que temos muito a comemorar, haja vista que a respectiva lei vem a agregar e muito para o melhor desenvolvimento e gestão do nosso futebol. Contudo, a falta de regulamentação do TEF (Tributação Específica do Futebol) acaba por causar enorme insegurança jurídica no tocante as regras tributárias aplicáveis as SAFs.

Na presente contribuição, pretendo trazer sucintamente um dos muitos aspectos que mais geram dúvidas e insegurança jurídica, vindo a se constituir como um empecilho ou obstáculo ao adequado planejamento tributário das sociedades anônimas do futebol – SAF.

A Lei da SAF teve como alguns de seus principais propósitos a busca pelo adimplemento dos passivos que se arrastam a décadas, através de uma estrutura societária viável e que trouxesse maior segurança jurídica ao mercado da bola. Partindo dessa premissa, a Lei estabeleceu em seu Artigo 10, inciso I, uma das formas de repasse para que a Sociedade Anônima do Futebol, que porventura viesse a ser criada através da cisão do departamento de futebol, nos termos do artigo 2º, inciso II, do respectivo diploma legal pudesse adimplir seus passivos.

Art. 10. O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:

I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;

Da leitura do dispositivo acima, depreende-se que 20% da receita auferida pela SAF deverá ser repassada ao clube que a constituiu. A obrigação de repasse, apesar de ser clara, levanta algumas questões, isso porque da literalidade do final do inciso I, a meu sentir, deixa claro que o respectivo repasse se dará para adimplemento do plano de credores devidamente aprovado ou para pagamento junto aos que decidirem pelo o caminho da recuperação judicial, visto existir remissão literal feita no próprio dispositivo ao artigo 13, que versa sobre as formas de quitação das obrigações.

Art. 13. O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério

I – pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei; ou

II – por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Adentrando especificamente no Regime de Tributação Específica do Futebol – TEF, o §1º do Artigo 31 da lei em comento estabelece o recolhimento mensal mediante documento único das respectivas cifras tributárias, entre elas o imposto de renda das pessoas jurídicas.

Art. 31. A Sociedade Anônima do Futebol regularmente constituída nos termos desta Lei fica sujeita ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF).

§ 1º  O regime referido no caputdeste artigo implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições, a serem apurados seguindo o regime de caixa:

I – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);

Andando um pouco mais na leitura, temos o artigo 32, que trata do percentual de incidência tributária e da base de cálculo de incidência de 5% nos primeiros 5 (cinco) anos sobre as receitas mensais auferidas pela SAF.

Art. 32. Nos 5 (cinco) primeiros anos-calendário da constituição da Sociedade Anônima do Futebol ficará ela sujeita ao pagamento mensal e unificado dos tributos referidos no § 1º do art. 31 desta Lei, à alíquota de 5% (cinco por cento) das receitas mensais recebidas.

De fato, estamos diante de um grande dilema, se a SAF constituída pela cisão do departamento de futebol for obrigada a repassar 20% de suas receitas visando quitação dos passivos de responsabilidade da associação ou clube-empresa que lhe deram causa, de pronto, percebe-se que estamos diante de uma receita vinculada, ou seja, que sequer viria a ingressar no patrimônio da SAF. Consequentemente, a respectiva receita não poderia ser usada para fins de base de cálculo da alíquota estabelecida pelo TEF (5% nos primeiros 5 anos e 4% a partir do 6º ano), tendo em sua composição, como exposto acima, o imposto de renda, que tem seu fato gerador definido pelo Artigo 43, I e II do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/1976).

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Da presente e sucinta exposição até aqui indaga-se: deverá ser tributado o respectivo percentual de 20% das receitas auferidas pelas SAFs enquanto perdurar a Recuperação Judicial ou o Concurso de Credores devidamente aprovado pelos clubes que lhe deram causa?

Me parece, no mínimo, temerário interpretar que seria o respectivo montante objeto de tributação, visto que o artigo 43 do CTN estabelece expressamente como fato gerador do imposto de renda a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, o que certamente não ocorrerá durante o “modus operandi” estabelecido em lei.

Precisamos o quanto antes regulamentar os pontos fiscais da Lei n. 14.193/2021, sendo o aqui apresentado apenas um deles.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021.  Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 02 de set. de 2022.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 02 de set. de 2022.

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