Por Thiago Soares
O universo do esporte profissional está repleto de desafios e riscos físicos. Atletas profissionais muitas vezes enfrentam lesões que podem ter consequências de longo prazo em suas carreiras e bem-estar. Quando um atleta é emprestado a outro clube, surgem questões complexas sobre quem é responsável por eventuais acidentes de trabalho que possam ocorrer durante esse período. Neste artigo, exploraremos a responsabilidade do acidente de trabalho no caso do atleta emprestado a outro clube, examinando as diferentes perspectivas jurídicas e práticas associadas a essa situação.
Cessão de atletas e Responsabilidade Legal:
A cessão de atleta é prevista na Lei Geral do Esporte e Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol – RNRTAF, sendo um mecanismo de transferência utilizado pelos clubes, dependendo da concordância expressa do atleta.
“Art. 73. Qualquer cessão ou transferência de atleta profissional ou não profissional depende de sua formal e expressa anuência.”
“Art. 91. Será facultada a cessão de atleta profissional, desde que este aquiesça, da organização esportiva contratante para outra, durante a vigência de seu contrato especial de trabalho esportivo”.
A responsabilidade legal por acidentes de trabalho geralmente recai sobre o empregador, conforme estipulado pelas leis trabalhistas e leis específicas. No contexto do esporte profissional, a responsabilidade em caso de acidente passa a ser do clube cessionário, que recebeu o atleta por empréstimo, conforme se depreende abaixo.
Clube Cedente:
O clube cedente é responsável pelo contrato principal do atleta, uma vez que é ele que gerencia o contrato de trabalho e o contrato desportivo do atleta.
Entretanto, conforme o RNRTAF em seu art. 36, §5, a cessão temporária suspende os efeitos do contrato celebrado com o cedente.
“Art. 36 – A cessão temporária sujeita-se às mesmas regras aplicáveis às transferências definitivas de atletas, inclusive às disposições referentes à indenização por formação e mecanismo de solidariedade”.
§ 5º – A cessão temporária importa na suspensão dos efeitos do contrato especial de trabalho desportivo celebrado com o cedente.”
Desta forma, já em relação ao acidente de trabalho, a linha do entendimento da Justiça do Trabalho e em face do silêncio eloquente da Lei Geral do Esporte acerca da responsabilidade do clube cedente no âmbito de um contrato de cessão temporária de atleta profissional de futebol, tem-se que apenas o clube cessionário deve responder pelo acidente de trabalho, não havendo que se cogitar da responsabilização solidária entre os clubes contratantes.
Clube Cessionário
Sendo assim, o clube que recebe o jogador emprestado tem total responsabilidade em caso de acidente de trabalho, especialmente se o acidente estiver relacionado às condições inadequadas de treinamento ou à negligência da equipe médica do clube.
Bem como é dever do clube cessionário em contratar o seguro de vida para o atleta, conforme Lei Geral do Esporte em seu art. 84, IV, vejamos:
“Art. 84. São deveres da organização esportiva direcionada à prática esportiva profissional, em especial:
VI – contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos aos quais os atletas e os treinadores estão sujeitos, inclusive a organização esportiva que o convoque para seleção.”
Fatores a serem Considerados:
Acordo de Empréstimo:
Os termos e condições do acordo de empréstimo entre os clubes podem desempenhar um papel crucial na determinação da responsabilidade por acidentes de trabalho. Se o contrato especificar claramente as responsabilidades de cada parte em relação à segurança e ao bem-estar do jogador, isso pode influenciar a decisão sobre quem é responsável em caso de acidente.
Em recente decisão do TRT2 – São Paulo, a juíza da 57ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou o cedente (Sociedade Esportiva Palmeiras) em danos morais de R$50mil em razão da estabilidade acidentária, bem como o cessionário (São Caetano) em R$ 120mil por não ter contratado seguro obrigatório. Ponto a ser analisado neste caso, é que embora o acidente tenha acontecido quando o atleta laborava para o cessionário, o contrato de transferência dispunha que “o cedente será o único responsável pelo pagamento do salário do atleta, incluindo todas as demais obrigações previdenciárias e trabalhistas” recaindo a responsabilidade para o cedente.
Provas de Negligência:
A determinação da responsabilidade também pode depender da capacidade de comprovar a negligência por parte de um dos clubes. Se for demonstrado que um clube falhou em fornecer um ambiente de trabalho seguro ou em tomar as precauções necessárias para prevenir lesões, ele pode ser considerado responsável pelo acidente.
Conclusão:
A responsabilidade por acidentes de trabalho no caso de atletas emprestados a outro clube é um assunto complexo que envolve uma série de fatores legais e práticos. Enquanto o clube cedente geralmente mantém uma certa responsabilidade como empregador principal, o clube cessionário detém maiores obrigações, tendo em vista ser responsável pelo contrato trabalhista daquele atleta, por um período específico, e devendo ser levado em consideração também a inércia da Lei Geral do Esporte em não especificar as obrigações de cada ente federativo em caso de cessão. É essencial que os clubes e os atletas estejam cientes de seus direitos e responsabilidades em relação à segurança e ao bem-estar no local de trabalho, a fim de evitar disputas legais e garantir a proteção adequada para todos os envolvidos.
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Thiago Soares
Advogado especialista em direito desportivo. Há 10 anos prestando serviço para atletas profissionais, intermediários e clubes. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB – CG, Vice Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB – PB, Advogado do Sindicato dos Atletas Profissionais da Paraíba.