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Responsabilização de clubes por violência de suas torcidas fora dos estádios

O Regulamento Geral de Competições (RGC) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi modificado para criar uma nova competência material da Justiça Desportiva inexistente no art. 217, § 1° e § 2° da Constituição brasileira, uma nova responsabilização e sanção de clubes, muito motivado pelo caso Fortaleza Esporte Clube x Sport Club do Recife ocorrido há quase dois meses, já comentado nesta coluna em escritos passados.

A CBF se aproveita da norma sancionatória exposta no art. 191, III, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) que dispõe ser punível a pessoa jurídica (clube ou sociedade anônima do futebol) em multa de cem (R$ 100,00) a cem mil reais (R$ 100.000,00) pelo descumprimento de Regulamento Geral ou Especial de competições (RGC, REC).

O princípio da autonomia desportiva conjuntamente com a previsão expressa da competência material quanto à disciplina e competições, assim como a judicação prévia e temporária da Justiça Desportiva, resguardados no art. 217, caput, I, § § 1o e 2o, da CF/88, sempre alvejaram também a integridade da organização competitiva, o cumprimento do pactuado previamente entre os entes associativos do desporto (federações, clubes, ligas).

Entretanto, ao decompor-se na norma infraconstitucional as balizas normativas da Lei Superior mencionadas acima, os arts. 48, 49 e 50 da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) adicionados a todo o escopo do CBJD impuseram os limites do devido processo legal, ampla defesa, contraditório e prévia normatização pública de sanções (tipificações descritas no próprio CBJD).

Os novos arts 79 e 135 do RGC/CBF que acrescentam disposições de responsabilização e apenações às organizações de prática esportiva por atos de violência de suas torcidas fora dos estádios, independentemente da distância, em nada afronta o art. 201, § 1o, I, da Lei n. 14.597 (Lei Geral do Esporte-LGE), na medida em que esta regula matéria de responsabilidade penal do torcedor, encontrando-se na parte “Dos Crimes Contra a Integridade e a Paz no Esporte”, não se referindo à competência material da Justiça Desportiva ou sequer à responsabilidade civil.

O descompasso dos mencionados arts. 79 e 135 do RGC/CBF decorre diante do art. 217, caput, I, § § 1o e 2o da CF/88 ao ampliar de maneira ilimitada a competência material da Justiça Desportiva, através da implantação da responsabilidade objetiva dos clubes a qualquer distância fora do estádio para fins de sanções atinentes à disciplina e competições desportivas.

 Em prosseguimento, as normações 79 e 135 do RGC/CBF transgridem os princípios da legalidade e da reserva legal ao criar novas punições severas, tais como: multa no valor de até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais, cinco vezes maior ao previsto no art. 191, III, do CBJD), vedação de registro de novos atletas contratados, retenção de cotas financeiras, desclassificação de competição ou exclusão de competição futura, retirada de título, devolução de prêmio, descenso para categoria inferior, etc., pois a melhor interpretação a ser extraída do art. 50, caput, § 1o, da Lei Pelé é que as sanções desportivas (disciplina e sobre competições) devem estar previamente tipificadas no CBJD.

Segundo já se manifestou em colunas anteriores, a competência material relativa à disciplina e competições esportivas possuem limites estabelecidos no próprio seio da Constituição, a sua interpretação deve ser endógena, no sentido de que cabe à Justiça do Desporto brasileira preservar a incolumidade orgânica das atividades competitivas, mas não permitir ampliações não previstas na Lei Superior ou normas infraconstitucionais a usurpar o âmbito de jurisdição civil e penal do Poder Judiciário.

No caso, responsabiliza-se plenamente as entidades de prática desportiva (clubes, sociedades anônimas do futebol) como se fossem exclusivamente culpadas por todos os malefícios da sociedade e as causas cíveis e criminais serão menosprezadas pela ação da Justiça Comum, embora esta possa atuar paralelamente.

Nesse rumo, aposta-se que nem mesmo o Fortaleza Esporte Clube esperava por tal medida intensa da CBF, pois conhecendo bem a sua torcida, como qualquer uma de time grande de Capital de Estado do Brasil, nada surpreende que em um futuro próximo esta entidade de prática esteja no banco dos réus da Justiça Desportiva, por questões pertinentes aos novos dispositivos do referido RGC/CBF.

Quanto aos tipos de sanções, duvida-se mesmo que seja de competência da Justiça Desportiva “a retenção de cotas financeiras”, pois deveria ser apenas do Poder Judiciário (arts. 5o, XXXV, 92 a 126, 217, § § 1o e 2o da CF/88).

No mais, as penas desportivas (disciplinares e em derredor de competições) somente devem ser constituídas por normas públicas contidas nas tipicidades do CBJD em observância do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, contidos nos arts. 48, 49 e 50 da Lei Pelé em sintonia com os arts. 5o, LIV, LV, da CF/88, por isso, as entidades desportivas podem ser punidas com as sanções previstas no art. 191, III, do CBJD, mas seria absurdo serem apenadas com uma multa cinco vezes maior do que esta tipificada no rerefido codex e cumulativamente com outras sanções sequer preexistentes.

A explicar melhor, as associações desportivas podem criar sanções estatutárias, mormente nos regulamentos de competições, mas deve existir anuência das entidades afiliadas e não pode tocar as matérias de competência constitucional da Justiça Desportiva, podem criá-las por violações de relação civil a serem apreciadas por órgãos extrajudiciais, como a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), mas sempre caberá às partes do movimento associativo esportivo ter o direito de levar os seus conflitos ao Poder Judiciário.

Nessa dimensão, os regulamentos de competições não devem instituir novas sanções envolvendo disciplina e competições, pois o seu descumprimento só pode resultar nas penas do art. 191 do CBJD após o regular curso do devido processo legal, via processo desportivo perante os órgãos de Justiça Desportiva.

Enfim, eis mais duas normas punitivas de regulamento de competições expedidas pela CBF que infringem as limitações da competência material e originária da Justiça Desportiva, a autonomia desportiva, atravessando matérias de jurisdição do Poder Judiciário, ao passo que transgridem simultaneamente a reserva legal de criação de sanções desportivas, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, todos salvaguardados pelas normas constitucionais reiteradamente delineadas ao longo do texto.

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