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Ressaca da Superliga: gestão dos clubes e participação da torcida

O projeto da Superliga europeia surgiu, provocou intensos debates sobre o modelo associativo consagrado na Europa (e no Brasil) e, poucos dias depois, voltou a hibernar. Mas a ressaca ainda não foi inteiramente curada. A iniciativa causou tamanha repercussão – e, em certa medida, representou uma ameaça tão clara ao sistema piramidal do futebol – que persistem (e podem persistir ainda por longo período) em pauta alguns dos aspectos que vieram à tona quando do anúncio da Superliga. Um dos mais impactantes foi a reação dos torcedores.

Juntando-se a vozes de dirigentes de futebol, autoridades de Estado, treinadores, jogadores e ex-jogadores, torcedores dos próprios clubes que anunciaram o ingresso na Superliga manifestaram-se veementemente de forma contrária à postura adotada pelos clubes que movem sua paixão. Especialmente na Inglaterra, esse posicionamento ficou bastante nítido por meio de protestos emblemáticos como os realizados pelas torcidas do Chelsea, do Manchester United e do Liverpool. Essas reações (que, afinal, contribuíram decisivamente para que a maioria dos clubes “desistisse” – ao menos por ora – da Superliga) trazem algumas reflexões.

Sob o aspecto jurídico, talvez a mais interessante delas permeie a representatividade do torcedor nos órgãos responsáveis pela tomada de decisões dentro de um clube.

Nesse ponto, é fundamental lembrar que os clubes ingleses que participariam da Superliga adotam o modelo que se costuma denominar no Brasil como “clube-empresa”. São pessoas jurídicas constituídas como sociedades empresárias, cabendo aos seus controladores a palavra final sobre os rumos do negócio. Esse modelo predomina no futebol inglês já há algum tempo, e esta não foi a primeira vez em que ensejou reações negativas por parte dos torcedores (a própria conversão ao modelo empresarial, em determinados casos, suscitou controvérsias).

A gestão de um clube tradicional como empresa não deve se afastar dos anseios de sua torcida como parece ter ocorrido com os ingleses. No fim do dia, os fãs dão sustentação ao clube – não apenas sob a perspectiva institucional e histórica, baseada na tradição, mas também considerando o aspecto econômico. O torcedor é, antes de tudo, um consumidor em potencial de todo e qualquer produto que envolva seu clube de coração. Sua audiência é importantíssima para justificar as cifras milionárias investidas por emissoras de TV e plataformas de streaming na aquisição de direitos de transmissão. Mais do que isso, a torcida é uma valia insubstituível, indisponível para aquisição ou negociação.

Não por acaso (e também, claro, provavelmente para melhorar sua imagem perante o público), nas últimas semanas Tottenham e Chelsea anunciaram medidas para se aproximar de seus torcedores. O Chelsea terá representantes da torcida presentes nas reuniões do Conselho que comanda o clube. O Tottenham criará um órgão consultivo integrado por representantes de torcedores, e cujo presidente fará parte do Conselho que dirige o clube.

Vale ressaltar que os anúncios não trazem ainda maiores detalhes sobre as iniciativas adotadas, nem mesmo os critérios de seleção dos representantes. É de se esperar, no entanto, que elas não promovam alterações muito significativas na estrutura dos clubes: no caso do Tottenham, o representante da torcida seria apenas um dentre outros integrantes do Conselho; quanto ao Chelsea, sequer fica claro se os representantes dos torcedores teriam direito a voto nas deliberações. Ainda assim, essas medidas podem representar avanços na relação entre os clubes e seus fãs, permitindo a tomada de melhores decisões para os clubes a partir de uma perspectiva de maior diversidade e que (ao menos em tese) passa a considerar de forma direta os anseios dos seus torcedores.

Vale ressaltar que o acima exposto diz respeito à realidade inglesa; no Brasil, em que predominam os clubes constituídos sob a forma de associações, essa discussão ganha outros contornos. Afinal, os clubes associativos encontram-se no “polo oposto” do debate: sua gestão, ao menos no que tange aos cargos estatutários, é habitualmente comandada por torcedores – os dirigentes eleitos.

Diante disso, o que se discute em nosso país são outros temas correlatos. Como tornar profissional uma gestão capitaneada por dirigentes que são efetivamente torcedores do clube (com todos os ônus e bônus da interferência da paixão clubística sobre a tomada de decisões)? Como “blindar” os executivos contratados para gerir o clube das possíveis influências da política e da paixão, dando-lhes autonomia para a tomada de decisões? Como tornar o processo eleitoral de um clube associativo mais democrático, de modo a assegurar que os dirigentes eleitos sejam efetivamente representativos de sua torcida, e não de apenas algumas centenas de torcedores associados?[1] Muitas perguntas cujas respostas não são simples, porém já tiveram algumas soluções indicadas por clubes brasileiros nos últimos anos. Mas isso é assunto para outro dia. Até lá!

……….

[1] Esse questionamento, aliás, representa uma desafio também para Chelsea e Tottenham na definição do formato de escolha dos representantes da torcida.

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