O Comitê Olímpico Internacional acaba de publicar uma breve matéria comemorativa aos Jogos Olímpicos de Los Angeles 1984, que pode ser lida acessando o link https://www.olympic.org/news/olympic-legacy/los-angeles-1984/los-angeles-1984-an-influential-legacy .
E muito embora essa edição dos Jogos Olímpicos seja historicamente conhecida pelo boicote liderado pelos países do antigo bloco socialista, em retaliação aos norte-americanos que fizeram o mesmo nos Jogos de Moscou, 4 anos antes, o texto desta semana não relembrou esse fato histórico.
Também não encontramos no texto nenhuma exaltação à rica e imponente cerimônia de abertura, realizada no mesmo estádio olímpico que, completamente remodelado, recebeu os primeiros Jogos de Los Angeles em 1932 e nem mesmo o notável Carl Lewis foi homenageado.
A emoção causada pela neta de Jesse Owens, o mais emblemático dos heróis olímpicos americanos e grande nome dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 e nem mesmo a inesquecível participação de um homem-foguete e toda a tecnologia empregada pelos anfitriões foram celebrados na publicação desta semana.
Do que trata então o Comitê se não do que foi ressaltado em tantos momentos e nos relatórios oficiais do evento?
Diferentemente de quaisquer outros relatos sobre os Jogos de 1984, esta semana o Comitê Olímpico Internacional exaltou dois marcos dessa edição dos Jogos: o modelo econômico que mudou para sempre o formato dos Jogos Olímpicos e a virada cultural que representou para o Movimento Olímpico e para o mundo o aumento do número de atletas mulheres. Tudo, segundo o Comitê, a partir e por causa dos mesmos Jogos ocorridos em Los Angeles no ano de 1984.
De fato, foi a partir de Los Angeles que o planejamento eficaz, o uso inteligente dos recursos financeiros e o mercado de patrocínios teve seu potencial reconhecido pelo COI como forma de aumentar as receitas dos Jogos Olímpicos, fornecendo o modelo financeiro até hoje empregado pelos comitês organizadores.
O programa de patrocínio desenvolvido pelo Comitê Organizador de Los Angeles 1984 foi a marca registrada dos Jogos e representou um fluxo sem igual até então de receita financeira obtido principalmente através da garantia de exclusividade de produtos e serviços em categorias específicas e outras ações de marketing consideradas disruptivas para a época. Em 1984, 34 empresas adquiriram cotas do patrocínio exclusivo como as que formam o programa de marketing atual e conhecido como programa TOP.
Quanto à participação feminina, 1984 foi verdadeiramente um ponto de virada ao contar com 2 novas modalidades exclusivamente femininas (o nado sincronizado e a ginástica rítmica) e com a inclusão de provas femininas no tiro e no ciclismo estrada, assim como nos 3.000m e 400m com barreiras, comprovando o potencial, ainda não explorado em sua totalidade, do esporte de alto nível praticado por mulheres.
A maratona olímpica foi igualmente um momento revolucionário para a corrida de longa distância com atletas mulheres, servindo como um trampolim para elevar o esporte, especialmente nos Estados Unidos, o que levou ao desenvolvimento de uma nova indústria de vestuário – especificamente pensado para corrida femininas – e de realização de eventos exclusivamente femininos.
O enfoque dado pelo COI, 36 anos após a realização do evento, é a prova de que a história tem muitos modos de ser contada, muitos pontos de inflexão que, a depender de quem conta, pode ganhar outros contornos.
Quando olhamos para os fatos do passado com os olhos do presente, as vivências contemporâneas nos dão a oportunidade de contá-los à luz de novas abordagens que, despercebidas, passaram sem o destaque devido.
Ressignificar os fatos trazendo à tona outros que, igualmente históricos, nos dão a certeza de que a grandeza de uma edição dos Jogos Olímpicos tem vários atores em franca e contínua colaboração e contribui para a evolução do movimento olímpico para além do que vemos hoje.
Já dizia Leonardo Boff: “todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão do mundo”.