Há quase uma década, as polícias da Suíça e dos Estados Unidos realizaram uma operação conjunta que resultou na prisão de sete dirigentes de futebol em Zurique, incluindo o brasileiro José Maria Marin, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Dali em diante, o mundo tomou conhecimento do FifaGate, o maior escândalo de corrupção da história do futebol mundial.
Ao todo, a investigação resultou no indiciamento de 34 réus, entre empresas e pessoas, e na devolução de milhões de dólares. Contudo, o caso corre o risco de desmoronar.
De acordo com o ‘The New York Times’, esse risco está ligado a questionamentos sobre se os procuradores americanos exageraram ao aplicar a lei dos Estados Unidos a um grupo de pessoas, muitas delas cidadãos estrangeiros, que defraudaram organizações internacionais com esquemas de suborno em todo o mundo.
“Acredito que esse movimento vai na contramão de tudo o que se almeja construir para o esporte, e que tem sido discutido globalmente por entidades internacionais, como é o caso da SIGA (Sport Integrity Global Alliance), que tem trabalhado fortemente para exigir transparência e integridade nas entidades esportivas. A desconstrução dos fatos e da comprovada prática da corrupção, sob argumentos de excesso dos promotores e de uma lei vaga, acaba nos remetendo aos casos de corrupção aqui no Brasil que, infelizmente, vêm tendo o mesmo desfecho. Como costumo dizer, nem tudo que é legal é moral, e esse é justamente um exemplo do que é legal (trâmites processuais e excessos de recursos), mas é imoral, pois o mundo viu as consequências da corrupção no futebol”, avalia Roberta Codignoto, advogada especialista em integridade.
“Caso as condenações sejam anuladas, temo por um entendimento de que o suborno no futebol é permitido. Assim, todas as melhorias na governança corporativa e sistemas de integridade, que ainda são aquém ao nível adequado, podem se desfazer. É como se o esporte desses dois passos para frente e cinco para trás”, afirma Fernando Monfardini, advogado especializado em compliance.
Entenda o caso
No ano passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos limitou uma lei que era fundamental para o caso. Em setembro, uma juíza federal, citando a decisão da Suprema Corte, rejeitou as condenações de dois réus ligados ao caso. Agora, vários ex-dirigentes, entre eles alguns que já pagaram milhões de dólares em multas e cumpriram pena na prisão, argumentam que os esquemas de suborno pelos quais foram condenados já não são considerados crime no país.
Baseado nas condenações anuladas, eles pedem que seus registros judiciais sejam apagados e o dinheiro pago seja devolvido. Suas esperanças estão ligadas aos casos de setembro, nos quais dois réus se beneficiaram de duas decisões recentes da Suprema Corte que rejeitaram a aplicação da lei em vigor nos casos de futebol por parte dos procuradores federais e ofereceram raras orientações sobre o que é conhecido como fraude de serviços honestos.
Descobriu-se que os réus se envolveram em subornos que privaram organizações de fora dos Estados Unidos dos serviços honestos de seus funcionários, o que na época constituía fraude. Porém, a juíza decidiu que a nova orientação significava que essas ações não eram mais proibidas pela lei americana.
Em um processo apresentado em janeiro, os procuradores argumentaram que a juíza federal que presidiu os casos da FIFA, Pamela Chen, havia se equivocado ao interpretar a decisão da Suprema Corte. Os réus estrangeiros, disseram eles, tinham “laços e atividades substanciais nos Estados Unidos” e demonstraram que sabiam que o que estavam fazendo era crime.
Juan Ángel Napout, ex-dirigente do futebol paraguaio, pagou mais de US$ 4 milhões ao governo americano, que até agora encaminhou mais de US$ 120 milhões em dinheiro confiscado à FIFA e prometeu liberar mais dezenas de milhões. De volta a Assunção, desde que foi libertado da cadeia no ano passado, Napout, 65 anos, está pedindo aos Estados Unidos que anulem sua condenação e devolvam seu dinheiro.
Nas últimas semanas, José Maria Marin, ex-presidente da CBF, que também cumpriu pena de prisão e pagou milhões em multas, e Alfredo Hawit, ex-dirigente de futebol de Honduras que se declarou culpado e cooperou com o governo, fizeram pedidos semelhantes.
De acordo com o ‘New York Times’, o resultado dos novos recursos, que serão discutidos pelo 2º Tribunal de Apelações dos Estados Unidos, em Nova York, poderá ter implicações não apenas para réus condenados como Napout, mas também para aqueles que foram acusados, mas continuam foragidos, longe do alcance das autoridades americanas. Entre eles se encontram o ex-articulador da FIFA, Jack Warner, de Trinidad e Tobago; os executivos de televisão argentinos Hugo e Mariano Jinkis; e os ex-dirigentes de futebol brasileiros Marco Polo Del Nero e Ricardo Teixeira.
FifaGate e os impactos causados nas entidades desportivas
O caso FifaGate trouxe inúmeras consequências, porém, teve um impacto decisivo na maneira como o futebol é administrado, em todos os seus níveis. Desde as prisões e indiciamentos, as entidades desportivas, pressionadas pelas autoridades americanas, se viram obrigadas a implantar grandes reformas.
A FIFA, entidade máxima do futebol, fez grandes esforços para se mostrar mais transparente. Algumas das medidas foram: divulgação pública dos salários dos principais executivos da associação; relatórios financeiros ficaram mais detalhados; e a publicação, na íntegra, de todas as decisões de seus órgãos judiciais (Câmara de Disputas e Comitê de Ética).
Outra entidade bastante afetada pelo FifaGate foi a Conmebol. Os três últimos presidentes da entidade foram presos – Juan Angel Napout (2014-2015), Eugenio Figueredo (2013-2014) e Nicolas Leoz (1986-2013). Diante disso, a Conmebol também se viu obrigada a mudar.
Para se ver o tamanho da falta de transparência na Conmebol, a primeira vez na história que a entidade, fundada em 1916, publicou seu primeiro balanço financeiro foi em 2017. Na prática, isso significa que em mais de 100 anos de existência nunca se soube quanto dinheiro entrava e saía na confederação.
Justiça restitui FIFA e Conmebol
Assim como a FIFA, a Conmebol também colaborou com as investigações americanas, se declarou vítima de crimes cometidos por seus dirigentes e pediu a restituição de valores desviados por eles. A Justiça dos Estados Unidos aceitou o pedido das duas entidades e devolveu parte do dinheiro recuperado.
Ao contrário da FIFA e da Conmebol, a CBF não se declarou vítima e nem pediu restituição, apesar da participação e condenação de dois de seus ex-presidentes (Marco Polo Del Nero e José Maria Marin) no escândalo.
Crédito imagem: FIFA
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