A missão do atleta é competir. O desafio, vencer. Claro. Agora, eles podem transcender ao jogo. Quando um atleta entende a força que tem, ele vai além de um campo, de uma quadra, de uma pista. Ele ajuda a transformar vidas e realidades. E num ano tão complicado como 2020, dois deles mostraram como o futebol não se restringe aos limites do campo.
É preciso falar de Rucharlisson e de Marcus Rashford. De novo. Não dá pra se despedir desse ano, sem lembrar e aplaudir de novo o que eles têm feito.
Primeiro, vamos com o brasileiro.
Richarlisson
O atacante do Everton e da seleção brasileira é mais um daqueles a mostrar que todos temos compromissos profissionais, jornalistas, advogados, operários, garçons, jornalistas e atletas…, mas temos também responsabilidade como cidadãos na construção de um mundo melhor. E quando ídolos entendem isso, a força do exemplo se potencializa.
O jogador nascido em Nova Venância no Espírito Santo já usou suas contas nas redes sociais com mais de 3,3 milhões de seguidores para defender a importância da ciência no combate à pandemia do novo coronavírus, criticar as queimadas no Pantanal e pedir justiça por Mariana Ferrer (blogueira que acusa o empresário André Aranha de estupro) e Robson (ex-funcionário do volante Fernando que está preso na Rússia acusado de tráfico. Criticou o apagão no Amapá e o descaso das autoridades brasileiras.
Ele se posiciona.
Em novembro, o Brasil assistiu assustado, revoltado e profundamente triste a morte de mais um negro vítima de uma agressão absurda.
João Alberto Freitas, de 40 anos, foi espancado e morto por dois homens brancos em um supermercado Carrefour em Porto Alegre, na noite do dia 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra. O espancamento foi filmado.
Os agressores trabalham como seguranças de uma empresa terceirizada, a Vector Segurança, que prestava serviço para o supermercado.
O assassinato provocou uma grande comoção, e a sociedade se manifestou. Richarlison também se posicionou no Twitter:
“Parece que a gente não tem saída… Nem no dia da Consciência Negra. Aliás, que consciência? Mataram um homem negro espancado na frente das câmeras. Bateram e filmaram. A violência e o ódio perderam de vez o pudor e a vergonha”, escreveu o jogador.
Marcus Rashford
Antes mesmo da bola voltar a rolar depois da paralisação em função da pandemia, o atacante Marcus Rashford fez um golaço e virou manchete na Inglaterra. O jogador do Manchester United deu um grande passo na luta contra a fome infantil.
O atacante do United formou uma força-tarefa com algumas das maiores marcas de alimentos do Reino Unido para tentar ajudar a reduzir a pobreza alimentar das crianças.
Em entrevista à BBC, o atleta contou como teve a ideia e por que esta engajado de maneira tão firme na luta por uma melhor alimentação das crianças.
“Tivemos que pensar na melhor maneira de fazer isso, pensar em como essas famílias podem se alimentar a longo prazo e não ter problemas”, afirmou.
Em julho desse ano, a Universidade de Manchester anunciou que Rashford receberia o título de doutorado honorário pelo trabalho que tem feito contra a pobreza e a fome infantil. O jogador de 22 anos se tornará a pessoa mais jovem a receber esta distinção, já concedida a Alex Ferguson e a Bobby Charlton, duas lendas dos Diabos Vermelhos, entre outros nomes de diversas áreas.
O prêmio veio por uma vitória fantástica que ele alcançou um mês antes.
Com a pandemia, o atacante começou uma campanha para que as crianças pobres inglesas recebessem a merenda escolar mesmo durante as férias, algo que o Governo havia cortado.
O jogador escreveu uma carta pública ao parlamento no qual relembrou a infância difícil e se mostrou preocupado com o corte da merenda para as famílias carentes na Inglaterra em meio a pandemia do coronavírus.
A campanha cresceu, ganhou apoio da sociedade e o governo cedeu. O feito assegurou que cerca de mais de um milhão de crianças na Inglaterra poderão requerer merenda escolar mesmo durante as férias de verão.
O porta-voz oficial do primeiro-ministro britânico Boris Johnson disse a repórteres que “O Primeiro-Ministro congratula-se com sua contribuição ao debate sobre a pobreza e respeita o fato de ele estar usando seu perfil como um esportista de destaque para destacar questões importantes”.
Quando o lockdown aconteceu, a política do governo britânico foi de fornecer ticket de alimentação, em substituição a merenda escolar, para famílias pobres durante o período de lockdown, porém limitado ao calendário escolar. Assim, não fosse a campanha de Rashford,
De acordo com o jornal The Guardian, aproximadamente 14 milhões de pessoas estão abaixo da linha de pobreza. Mais de um a cada cinco pessoas da população britânica, das quais 4 milhões são crianças e 2 milhões são idosos. Um crescimento de 400 mil e 300 mil nos últimos cinco anos, respectivamente. Uma família é considerada pobre caso sua receita seja menor do que 60% da receita média de famílias do mesmo porte/tipo, depois de custos com moradia. Esses são os dados apresentados pela publicação em fevereiro deste ano.
De família pobre, Rashford explica que a sua mãe teve dificuldades para “colocar comida na mesa” para seus cinco filhos enquanto ele era adolescente. Em entrevista à BBC ele disse que sua mãe telefonou para ele “umas 10 vezes” enquanto sua campanha era mencionada na TV. “Foi bom vê-la sorrir”, disse Rashford. O atacante também tem sido um dos atletas no mundo a se posicionar de maneira forte contra o preconceito, combatendo firmemente também o racismo.
Richarlisson e Rashford. Duas inspiracões.
Pela força que tem, o esporte é um agente catalisador de transformações sociais importantes. Tanto que ele e seus personagens já pararam guerras, e aproximaram povos; o esporte recuperou pessoas.
Richarlison ajuda a combater o preconceito e na luta por justiça social. Rashford combate o racismo e a fome na Europa.
A ideia de ter o esporte como vetor de promoção e desenvolvimento da paz no mundo vem sendo pauta da ONU desde 2003, quando a Organização publicou a Resolução 58/5, intitulada “Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz”.
Inclusive na Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, está escrito que o esporte é importante facilitador para a promoção do desenvolvimento e da paz, a partir da promoção da tolerância e do respeito e das contribuições que pode fazer para o empoderamento de indivíduos, como também para atingir objetivos como inclusão social, melhorar a educação e saúde no mundo.
Todos podem mais.
O esporte vai além do jogo, claro que vai. E ídolos têm papel importante quando não estão em campo, em quadra, ou numa pista. Eles não só podem, mas devem ser agentes de transformação social.
No Brasil, em especial os jogadores de futebol.
Já se falou por qui que o futebol é um problema social, no Brasil e no mundo.Neymar, Dudu, Gabigol e bruxaria representam a exceção. Apenas 3% dos jogadores brasileiros ganham mais de 50 mil reais por mês, e conseguiram com talento driblar um destino de dificuldades e injustiças.
Venceram a lógica, e por isso já estão quites com o mundo? Eu acho que não.
É obrigação? Claro que não.
Richarlisson já disse que passou a agir de forma diferente depois de olhar o exemplo de outro jogador de futebol. Sabe quem? O garoto Rashford.
Agora, Richarlisson também se transforma em fonte de inspiracão.
E assim, ídolos vão virando exemplos.
Infelizmente, Rashford e Richarlison ainda são exceções.
Olhem o exemplo de Richarlison. Olhemos todos.
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