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Rússia pode ser excluída de competições pela FIFA e COI? Entenda

O mundo está acompanhando atentamente a invasão militar russa ao território ucraniano, maior ataque de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial. As principais lideranças mundiais já anunciaram diversas sanções econômicas à Rússia, e o movimento esportivo também está pressionando o COI (Comitê Olímpico Internacional) e a FIFA, defensores dos Direitos Humanos, a agir severamente contra a potência de Vladimir Putin, inclusive com a expulsão do país de competições esportivas.

“A possibilidade de exclusão da Federação Russa ou dos clubes russos do quadro da FIFA ou até das competições, é um tema de difícil concretização, pois a decisão de atacar a Ucrânia não partiu de nenhum deles e sim do próprio Estado. Ocorre que, entretanto, há a possibilidade, ainda que remota, de discussão da suspensão da Federação Russa, a pedido do Conselho da FIFA, o que poderia levar a suspensão de todos os seus direitos como membro e proibição de qualquer tipo de contato esportivo com outras Federações”, explica o advogado João Paulo di Carlo, especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

“Penso que o ideal é, na medida do possível, não confundir esporte e política. Não me parece haver fundamentação clara, sob uma perspectiva da regulamentação associativa da FIFA, para a exclusão da Federação Russa de Futebol. Afinal, não se trata de situação em que se verifica, por exemplo, interferência política em assuntos afeitos ao futebol. Talvez não se possa descartar, no entanto, remota possibilidade de aplicação de sanção de cunho político, motivada por pressão da comunidade internacional e da opinião pública”, avalia Jean Nicolau, advogado especializado em direito desportivo, que complementa dizendo que a mesma lógica serve em relação ao COI.

O advogado João Paulo di Carlo cita um trecho do Estatuto da UEFA que poderia ser aplicado para uma possível, porém ainda difícil, suspensão da Federação Russa.

“O artigo 9 determina que os membros podem ser suspensos se as autoridades estatais interferirem em seus assuntos de uma maneira tão significativa que uma eficiente organização das competições organizadas sob sua proteção já não é mais garantida. A pergunta que fica é: a entrada em uma guerra seria esse tipo de intervenção? Me parece que não”, pondera.

Neste domingo (27), a FIFA anunciou suas primeiras sanções contra a Rússia. A entidade máxima do futebol condenou a ação militar e determinou que o país atue sem hino e bandeira, assim como ocorreu nos últimos Jogos Olímpicos. A nova denominação será ‘União Russa de Futebol’.

Além das restrições do nome do país e do uso da bandeira, nenhuma competição internacional será disputada em território russo. Dessa forma, a seleção terá que mandar seus jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022 em território neutro e com os portões fechados.

De acordo com o comunicado oficial da FIFA, o pacote de sanções foi aplicado em coordenação com a UEFA, com os seis presidentes de Confederações, e seguindo as recomendações do COI. A entidade ainda indicou que medidas mais severas poderão ser aplicadas à Rússia caso a situação fique ainda mais grave.

Polônia, República Tcheca e Suécia já avisaram a FIFA que não vão enfrentar a Rússia na repescagem para a Copa do Mundo de 2022. A entidade máxima do futebol diz estar em diálogo com esses países para buscar soluções adequadas e aceitáveis em conjunto.

Guerra na Ucrânia e o papel do esporte

O esporte tem papel vital na busca pela paz. A FIFA e o COI levantam a bandeira da proteção dos Direitos Humanos como algo fundamental, portanto inegociável.

João Paulo di Carlo ressalta o viés social enraizada do esporte e a Carta Olímpica, documento mais importante do desporto, que impõe como um dos objetivos colocar o esporte a serviço do desenvolvimento harmônico, com o propósito de estabelecer uma sociedade pacífica, resguardando a dignidade humana.

“Muito embora esse mesmo documento determine a obrigação de manter a neutralidade política, cabe ao COI e aos demais membros que estão abaixo na cadeia desportiva (Federações internacionais, Confederações, Federações Nacionais e etc) proteger os cidadãos, funcionários e atletas. Para isso, devem adotar medidas de promoção da paz, de inclusão social e para colaborar com o desenvolvimento humano, mas também atuar de forma efetiva quando da existência de conflitos”, afirma o advogado, que acrescenta:

“Nesse contexto, diante do atual conflito entre Rússia e Ucrânia, resta claro que nenhum dos dois países tem condições de abrigar nenhuma competição, seja nacional ou internacional. Portanto, os campeonatos devem ser suspensos ou as partidas, principalmente das competições internacionais, devem ser transferidas para um lugar mais seguro. É a decisão mais sensata a ser tomada, no momento. Exemplo disso foi o Iraque, no final dos anos 2000, teve que mandar seus jogos fora do país em razão da guerra”.

Mônica Sapucaia, advogada especialista em Direitos Humanos, ressalta que a rivalidade esportiva deveria ser um instrumento para integrar os países, produzir respeito e admiração mútua.

“Acredito que nesse momento não cabe o incentivo para competições esportivas de caráter internacional, especialmente nas regiões próximas ao conflito, contudo as entidades esportivas deveriam se posicionar veementemente contra o confronto, reafirmar o compromisso com os direitos humanos e com a autodeterminação dos povos. Preventivamente, o papel das organizações esportivas internacionais é defender os direitos humanos, promover competições plurais, dar oportunidades iguais aos todos os países em participar das competições, em resumo ser um agente agregador”, afirma a especialista.

A FIFA colocou no seu Estatuto, no artigo 3, a previsão de que a “Fifa está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção dos seus direitos”. Em maio de 2017, inclusive, estabeleceu uma “política de Direitos Humanos”.

Já o COI carrega desde a sua fundação o discurso de Pierre Courbetein de combate ao preconceito e de integração social. Um dos princípios mais caros do Olimpismo é o de que “toda e qualquer forma de discriminação relativamente a um país ou a uma pessoa com base na raça, religião, política, sexo ou outra é incompatível com o Movimento Olímpico.” Em seus princípios 2 e 4 estão garantidos a proteção da dignidade humana e o combate a qualquer tipo de preconceito.

“Nos limites do possível, é tradição no âmbito do movimento esportivo a manutenção de postura imparcial ante acontecimentos políticos, inclusive de grande relevância. Isso não quer dizer, contudo, que o esporte de rendimento não sinta o impacto de tais eventos. Reflexos práticos são evidentes, tais quais, por exemplo, a impossibilidade de deslocamentos, da utilização de equipamentos esportivos ou, ainda, de restrições à circulação de capitais. Também não se descarta, por exemplo, que Estados que tenham turbado a paz e a segurança internacionais sofram sanções da comunidade internacional com reflexos sobre as grandes competições: foi o que ocorreu, por exemplo, com a antiga Iugoslávia, cujas seleções representativas foram privadas de disputas por força de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (Resolução 757/1992)”, afirma Jean Nicolau.

Por fim, Mônica Sapucaia reforça que o esporte, como a cultura, reafirma a nossa humanidade, mas se mal organizadora podem ser palco para embates simbólicos que podem transbordar para além da competição.

Crédito imagem: Alexander Nemenov/AFP

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