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SAF deve colocar Brasil no sistema dos conglomerados de clubes. E agora?

Nos últimos meses, o termo multi-club ownership (MCO) – aquisição ou controle de dois ou mais clubes por uma mesma pessoa, jurídica ou física, diretamente ou indiretamente por meio de um intermediário – passou a estar cada vez mais presente nas discussões de profissionais que atuam no futebol. Com a chegada das SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol) ao Brasil, em agosto do ano passado, esse nome também chegou por aqui.

“O crescimento da indústria do esporte atraiu o interesse dos grandes investidores, dos grandes empresários, das grandes empresas e, consequentemente, foi criado um sistema de negócio especializado para obtenção do lucro e para explorar aquilo que o futebol tem a oferecer. Esse formato trouxe muito profissionalismo e colaborou extremamente com o desenvolvimento do ambiente esportivo mundial. Nesse sentido, nos últimos anos, o tema dos conglomerados de clubes tem ganhado bastante importância, diante da expansão da sua utilização. No Brasil, com o advento da Lei das SAF, já possuímos dois clubes pertencentes a esse tipo de modelo, com o terceiro já bem encaminhado”, afirma João Paulo di Carlo, advogado especializado em direito desportivo, que falou sobre o tema em sua coluna no Lei em Campo.

Cruzeiro e Botafogo já pertencem a esse rol, que, em breve, deve ganhar a companhia do Vasco da Gama, que está em negociações finais com o grupo americano Partners 777, detentor de ações minoritárias do Sevilla, da Espanha, e controlador do Genoa, da Itália.

Para os investidores, o futebol é uma possibilidade bem plausível de diversificar o portfólio de negócios, expandir a marca, ganhar exposição global, otimizar as operações da empresa, ampliar seu poder e influência sobre a sociedade, devido ao grande interesse da sociedade ao esporte mais popular do mundo, e, para alguns, melhorar a imagem da marca ou até mesmo da própria pessoa física.

Inevitavelmente, com uma carteira (diversidade) de clubes, se pode barganhar e obter receitas mais vantajosas de patrocínio, de parceiros, nitidamente mais elevadas do que se somente uma equipe negociasse. Em contrapartida, a empresa patrocinadora/parceira pode ganhar acesso a mercados em diversos continentes, agregando valor a sua marca por meio do esporte.

Com uma mentalidade totalmente empresarial, os investidores começaram a adquirir novos clubes, também em países em crescimento e mercados não muito tradicionais, que pudessem proporcionar benefícios fiscais e burocráticos, um público consumidor a ser aproveitado e, obviamente, fontes de talentos esportivos capazes de garantir maiores lucros com negociações de direitos econômicos. No entanto, é importante reforçar que para esse negócio ter êxito, é fundamental estabelecer um projeto esportivo sólido, com um sistema bem definido.

O economista Cesar Grafietti destaca que do ponto-de-vista financeiro, “qualquer estratégia de negócio envolvendo clubes precisa considerar a estruturação de um MCO”. Segundo ele, “é mais eficiente na formação de atletas, é inteligente porque cria escala em diversas áreas operacionais, e por fim faz sentido enquanto ideia de elenco global”.

Esta prática modelo de negócio não começou agora e existe desde a década de 90, com a empresa ENIC, que, muito embora não estivesse diretamente envolvida no esporte, adquiriu porcentagens significativas em ações de vários clubes, com o único intuito de valorizar as quotas e revende-las posteriormente, mas sem interferir nos assuntos desportivos, inerentes à administração dos clubes. Essa empresa adquiriu ações do Tottenham (Inglaterra), Basel (Suíça), Rangers (Escócia), AEK Athens (Grécia), SK Slavia Praga (República Tcheca), etc. e continua a ser a acionista majoritário do clube inglês.

O crescimento desse modelo de negócio, porém, teve franca ascensão em 2015, após a FIFA introduzir o artigo 18ter ao Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores (RSTJ), que proibiu a aquisição de direitos econômicos dos jogadores por terceiros, conceito em que se enquadram os grandes empresários e os fundos de investimento.

A entidade máxima do futebol acreditava que essa medida permitiria que os terceiros passassem a investir mais nos clubes, amparados de uma estrutura societária favorável, o que, segundo a mesma, aumentaria a transparência e manteria a integridade do esporte, uma vez que reduziria a influência de terceiros e o conflito de interesses, evitando-se, assim, uma possível manipulação de resultados.

Isso de fato aconteceu e os terceiros passaram a investir diretamente na aquisição de clubes. Para se ter uma ideia, entre 2016 e 2021, nas 15 principais ligas do continente europeu, o número saltou de 20 para 40 clubes. Recentemente, em um novo levantamento, concluiu-se que 156 equipes ao redor do mundo fazem parte de 60 conglomerados de clubes.

Junto desse crescimento também apareceu o conflito de interesses e a preocupação com a integridade do esporte. Um dos casos mais emblemáticos envolvendo um conglomerado de clubes aconteceu no ano de 2017, quando Red Bull Leipzig e o Salzburg se classificaram para a mesma competição europeia, no caso, a Champions League.

Para evitar problemas dessa natureza, o regulamento da UEFA Champions League, em seu artigo 5º, estabelece a impossibilidade de uma pessoa, física ou jurídica, exercer o controle ou influência sobre mais do que um clube que participe de uma mesma competição continental.

Esse controle é definido da seguinte forma:

I) possuir a maioria dos direitos de voto dos acionistas;

II) ter o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros do órgão administrativo, de gestão ou de controle do clube;

III) ser acionista e controlar sozinho a maioria dos direitos de voto dos acionistas em virtude de acordo celebrado com os demais; ou, por último,

IV) poder exercer influência decisiva no processo decisório do clube por qualquer meio.

No caso Red Bull, após uma profunda investigação, o órgão de controle da UEFA permitiu a participação de ambos os clubes, uma vez que, segundo o órgão, a empresa RedBull era apenas uma patrocinadora do RedBull Salzburg, sem ter uma percentagem da participação e sem exercer qualquer controle sobre as operações do referido time.

Neste ano, a polêmica voltou à tona por conta da aquisição do Milan pelo fundo de investimento RedBird Capital Partners, que é acionista minoritário na gestão da Fenway Sport Group, proprietária do Liverpool, e do FC Toulouse, onde comprou 85% das ações, em 2020, após a promoção para a Ligue 1 (1ª divisão do Campeonato Francês). A UEFA deve ser provocada para decidir sobre o assunto, afinal, há controle e influência do RedBird no Liverpool, através de uma participação minoritária, no mesmo peso com a que ocorrerá no Milan?

A insuficiência dos regulamentos, a falta de definição precisa sobre o que seriam os conglomerados de clubes e o que seria permitido para esse grupo de equipes são, sem dúvidas, algumas das necessidades e desafios mais marcantes para os próximos anos.

“Sob o ponto-de-vista esportivo precisa de regulamentação. A despeito de não ser uma novidade, passou a ser considerado essencial para os negócios há pouco tempo. E ainda está em fase de desenvolvimento. Mesmo casos clássicos como City Group e Red Bull não são estruturas perfeitas e engrenadas. O que mostra seu caráter de ‘em construção’. Entretanto, a regulamentação precisa ser discutida de forma célere e profunda o quanto antes. Veremos mais e mais estruturas assim, e envolvendo clubes brasileiros. A Lei da SAF criou uma proteção ao limitar o controle a um clube, mas é preciso estar sempre atento aos passos e movimentos futuros”, afirma Cesar Grafietti.

“Diante da possibilidade de conflitos de interesses e necessidade de manutenção da integridade do esporte e das competições, princípios protegidos pela lex sportiva, se faz necessário uma regulação rápida e eficiente desse tipo de modelo pela FIFA e pelas Confederações. É fundamental esse debate entre todos os membros do esporte para que possamos obter regras eficientes”, ressalta João Paulo di Carlo.

O economista Cesar Grafietti também entende que essa regulamentação deveria vir da FIFA, pois tende a envolver cada vez mais clubes de diversos continentes.

“Controlar presença em competições, negociação de atletas quando um clube é sancionado, valores de negociações, enfim, há uma quantidade enorme de temas que precisam ser debatidos. Sem esquecer que regular não é vetar tudo, mas organizar de forma que a competição seja preservada”, finaliza.

Como ao longo da matéria, com as chegadas das SAFs, a tendência é de que o Brasil esteja cada vez mais presente no sistema dos conglomerados de clubes, um território ainda sem lei e que está em exponencial crescimento.

Crédito imagem: Botafogo

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