No final de fevereiro, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Cruzeiro, gerenciado por Ronaldo Fenômeno, divulgou uma nota à imprensa dizendo que o pagamento da dívida de US$ 6 milhões (R$ 31,2 milhões) com Pyramids, do Egito, pela contratação do meia Rodriguinho, hoje no Cuiabá, é de responsabilidade da associação e não da SAF.
O clube associativo não se manifestou publicamente sobre o caso. A notícia veio à tona em meio ao processo que corre na FIFA e pode impedir, via transferban, o Cruzeiro de registrar jogadores até que o débito seja quitado.
Com as chegadas das SAFs ao futebol brasileiro esse é um problema que se tornou comum e ainda gera discussões. Afinal, elas têm responsabilidade solidária sobre as dívidas deixadas pelas associações?
Vejamos qual é o entendimento da FIFA, entidade máxima do futebol, e a justiça trabalhista brasileira.
Como entende a FIFA
João Paulo di Carlo, advogado especializado em direito desportivo, explica que em reação a esses acontecimentos cada vez mais frequentes, foi criado o conceito de sucessão desportiva, para identificar se um clube é considerado sucessor ou não, a depender da análise do caso concreto.
“Todavia, a jurisprudência massiva do CAS (Corte Arbitral do Esporte), o artigo 21.4 do Código Disciplinar da FIFA e artigo 25 do Regulamento sobre Status e Transferência de Jogadores (RSTJ), apontam alguns critérios para o reconhecimento da sucessão: a sede, o nome, a forma jurídica, as cores da equipe, os jogadores, acionistas ou proprietários, a categoria competitiva, a apropriação da história e sala de troféus do antigo clube, o estádio, o público ao que o clube se direciona e até mesmo menções ao ex-clube em seu site oficial ou redes sociais já foram utilizadas”, afirma.
Segundo o advogado, apesar do conceito de sucessão ter sido implementado para evitar abusos e para satisfazer os credores, as práticas fraudulentas da parte que tenta se esquivar dos pagamentos, não constituem uma condição essencial para se chegar a uma conclusão se um clube é ou não é sucessor.
“Outrossim, o mesmo se aplica à inexistência de processo falimentar, ou seja, ela também pode existir na ausência de falência ou insolvência total, como ocorre no Brasil, por exemplo. Da mesma forma, a sucessão desportiva também não se limita exclusivamente a entidades que adquiram clubes por concurso público ou leilão”, acrescenta.
Por fim, João Paulo conta que na prática, quando uma associação se transforma em SAF, há a baixa da sua inscrição e a SAF passa a compor o sistema do esporte. Sendo assim a associação não pode mais sofrer punições esportivas, proibições de registro ou outras sanções, pois deixou de pertencer à cadeia do esporte.
Como entende a Justiça brasileira
Theotonio Chermont, advogado especializado em direito desportivo, critica a maneira como a Lei da SAF (Lei 14.193/21) foi redigida, permitindo interpretação por parte do judiciário. Diante disso, há precedentes da justiça trabalhista reconhecendo a relação clubes e SAFs bem como a responsabilidade solidária.
“Primeiro ponto a ser ressaltado é que a lei, pessimamente redigida, nunca fez menção ao grupo econômico trabalhista, talvez até de forma proposital para que não fosse reconhecida a responsabilidade solidária do clube com as SAFs. Criou ao seu bel prazer uma norma de sucessão trabalhista distinta – e prejudicial aos credores – daquela prevista no art. 448-A da CLT que responsabiliza o sucessor pelas dívidas. Se olvidou que o Judiciário trabalhista vem reconhecendo a relação clubes e SAFs como formação de grupo econômico – e não de sucessão parcial – aplicando, consequentemente, a regra do art. 2o da CLT – responsabilidade solidária de ambos. Há diversos precedentes nesse sentido”, afirma o advogado.
O especialista entende que apesar dos clubes e SAFs serem pessoas distintas, com personalidades jurídicas e governanças distintas, fica configurado o grupo econômico por coordenação.
“A SAF tem o encargo de transferir valores ao clube ou à pessoa jurídica da qual derivou, sendo 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas e 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida na condição de acionista. Há, portanto, explícita coordenação e vínculo empresarial entre ambos, justificando, portanto, a aplicação da lei mais benéfica aos credores com amparo no art. 2º da CLT, e não na regra de sucessão (inexistente) da Lei 14.193/2021”, finaliza Chermont.
Crédito imagem: Pietro Carpi/EC Vitória
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