Durante a partida entre Corinthians e Boca Juniors, na noite desta terça-feira (26), pela terceira rodada da fase de grupos da Copa Libertadores, um torcedor do clube argentino foi visto fazendo gestos racistas no setor visitante da Neo Química Arena e acabou sendo preso em flagrante pela Polícia Militar após corintianos mostrarem o vídeo com a ação. O caso não é inédito no futebol sul-americano e precisa ser combatido pelas autoridades. O homem, que não teve sua identidade revelada, dever ser punido na esfera esportiva e também na criminal.
“Nos casos informados de racismo, em especial nesse do torcedor do Boca Juniors, é necessário que seja apurada a responsabilidade do torcedor, tanto na esfera criminal, quanto na esfera desportiva, impedindo e punindo o mesmo de frequentar as praças esportivas. Igualmente, as entidades de práticas desportivas (clubes) devem ter suas responsabilidades analisadas, podendo inclusive haver condenação com penalidades de multa e também, com perda de mando de campo”, afirma Alberto Goldenstein, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“No caso em tela, o crime praticado pelo torcedor argentino é o de injúria racial, tipificado pela norma penal brasileira no artigo 140, parágrafo 3. Pois, tal delito está inserido no capítulo dos crimes contra a honra, e diz respeito à ofensa individual, perfaz-se nas relações interpessoais, ferindo a honra subjetiva e que esteja constituído de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. Outro fato relevante, é o do crime ter sido cometido na presença de várias pessoas, o que é causo de aumento de pena prevista no art. 141, III, do código penal, no qual prevê pena de reclusão, podendo ainda gerar a obrigação da reparação dos danos decorrentes do delito”, explica o advogado criminalista Renan Gandolfi.
Apesar do autor ser um estrangeiro, nesse caso um argentino, o criminalista explica que a aplicação da legislação segue o rito tradicional, com o torcedor sendo processado criminalmente e podendo ser deportado do território brasileiro.
“Nosso ordenamento penal prevê o chamado princípio da territorialidade, que consiste na aplicação da legislação pátria a crimes cometidos em território nacional, independente do autor do crime ser nacional ou estrangeiro. Desse modo, o autor da injúria racial, mesmo sendo estrangeiro estará sujeito ao processo penal, podendo ser denunciado, processado e julgado. Não obstante, poderá sofrer de imediato a remoção compulsória do Estado brasileiro, seja por expulsão ou pela deportação”, acrescenta Renan Gandolfi.
É importante sempre destacar que racismo é crime e está previsto no art. 5º da Constituição Federal e também no Código Penal Brasileiro.
Além do processo criminal, o movimento privado do esporte também deve punir o criminoso. Especialistas explicam que o caso pode gerar punição dentro do esporte ao clube argentino e ao torcedor.
O Boca Juniors pode ser punido de acordo com os regulamentos internos da Conmebol (organizadora da competição) e pela necessária proteção a direitos humanos dentro do esporte. Desde 2019, o Código Disciplinar da FIFA passou a combater o racismo no futebol com mais força. Além disso, o Estatuto da entidade máxima – espécie de ‘Constituição’ do futebol – também determina no art.3º o combate a todo tipo de preconceito.
Apesar disso, o Código Disciplinar da Conmebol, no art. 17, prevê uma pena branda, na maioria dos casos em forma de multa. No regulamento da entidade sul-americana, há previsão de sanção para o clube que sua torcida fizer manifestação que possa “agredir a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de cor da pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem”.
Entretanto, na maioria dos casos essa punição é apenas financeira. Na edição de 2020 da Libertadores, o Defensa y Justicia foi multado em US$ 30 mil (R$ 141 mil aproximadamente) por atos racistas de seus torcedores na partida contra o Santos.
“Em casos assim, claro que a análise da Unidade Disciplinar deve levar em conta todo o ordenamento jurídico, não apenas essa regra específica. As entidades do futebol estão sujeitas às leis nacionais e também às regras da FIFA. Estatuto e Código Disciplinar da FIFA e princípios de direito também serão usados como elementos para se analisar caso concreto”, analisa Andrei Kampff, jornalista, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“O racismo no Brasil e na América Latina é algo real e que assola os grandes eventos, em especial o futebol. Nos últimos dias, o racismo foi identificado de maneira ainda mais clara nas partidas da Libertadores em jogos com dois times argentinos, River Plate em partida contra o Fortaleza e ontem, o Boca Juniors, contra o Corinthians. Essa prática deve ser combatida, enfrentando e banindo dos espetáculos esportivos e da nossa sociedade, contudo para a consumação de tal ato é necessário que sejam adotadas medidas pedagógicas e em especial medidas sancionatórias”, destaca Alberto Goldenstein.
Mas é importante destacar que a atitude do clube passa a ser importante na análise da Justiça Desportiva. Na atual edição da competição, um torcedor do River Plate foi flagrado arremessando uma banana em direção à torcida do Fortaleza nas arquibancadas do Monumental de Núñez. A resposta dos Millonarios foi imediata. Após ser identificado, o autor foi afastado do quadro associativo, proibido de entrar no estádio por 6 meses e ainda terá que fazer um curso sobre xenofobia durante o período de punição.
“Nesses casos, esse é um dos caminhos necessários. A resposta imediata do clube dentro de sua autonomia, afastando o criminoso do movimento esportivo. Isso, obviamente, vai ser levado em consideração pelo Tribunal esportivo na hora de se dosar a pena aplicada ao clube que é responsável – sim – por seu torcedor”, afirma Andrei Kampff.
O torcedor do Boca foi identificado ainda durante a partida, retirado do estádio e levado para a 24ª Delegacia de Polícia de Repressão e Análise aos Delitores de Intolerância Esportiva (Drade)
Nas imagens que circulam nas redes sociais, o torcedor do Boca Juniors é visto dançando e imitando um macaco em direção aos corintianos. Um torcedor registrou a cena e entregou o vídeo para a polícia, que acabou detendo o argentino no intervalo da partida.
Inicialmente, o argentino foi levado pela PM ao Jecrim (Juizado Especial Criminal) instalado dentro da Neo Química Arena. Porém, na madrugada desta quarta-feira (27), ele foi transferido para a Delegacia de Polícia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade), localizado no prédio do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope), no Centro de São Paulo.
Após o ocorrido, o Corinthians se manifestou oficialmente por meio de nota, ressaltando que “repudia todo e qualquer ato de racismo e discriminação e agradece à Polícia Militar pela eficiência no apoio prestado”.
Crédito imagem: Reuters/Amanda Perobelli
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