O Superior Tribunal de Justiça Desportiva recebeu a quarta notificação de infração por atrasos salariais no futebol brasileiro em 2019. Dudu foi para o Vitória-BA, por empréstimo, em abril deste ano. O contrato previa vínculo até novembro, mas foi rescindido em julho. O jogador reivindica pagamento dos meses de junho e julho, 13º salário, férias, FGTS, direito de imagem e auxílio moradia.
O Tribunal já solicitou esclarecimentos ao clube e aguarda o retorno para avaliar se vai oferecer denúncia. Outros três casos foram analisados ou ainda tramitam no STJD. O recurso do Sport de Recife, no caso do atleta Gabriel, foi avaliado no Pleno e a condenação de perda de pontos da Série B em 2018 e multa de 4,5 mil reais foi mantida por maioria de votos.
Outro clube denunciado é o Treze de Campina Grande. Por sugestão da Justiça, a agremiação e o atleta Saldanha fizeram acordo em julho. No entanto, o Treze deixou de pagar a última parcela e o caso está novamente com a Procuradoria.
O processo mais emblemático do ano é o do Figueirense, que em razão da greve dos atletas, acabou perdendo uma partida da Série B, contra o Cuiabá, por W.O.. O clube catarinense foi punido com a perda de três pontos, já que não entrou em campo. E ainda responde a processo pelos atrasos salariais. O Figueirense alegou a quitação das dívidas. O STJD pediu parecer da Procuradoria do Trabalho de Santa Catarina e do próprio clube. O caso deve ir a julgamento na próxima reunião da 4ª Comissão Disciplinar.
Todos os exemplos citados são de clubes das séries B e C do Campeonato Brasileiro, apesar de atrasos salariais na primeira divisão serem amplamente divulgados na mídia. Por que não chegam ao Tribunal? “Porque ninguém notifica. Eu só posso denunciar através de uma manifestação dos interessados e com provas da dívida”, informa Felipe Bevilacqua, procurador-geral do STJD.
“A denúncia opera, nestes casos, à semelhança de uma ação penal pública, condicionada à representação, uma vez que se trata de interesse disponível e que só poderia haver persecução disciplinar caso houvesse manifestação expressa do lesado”, esclarece Martinho Neves, advogado especialista em direito esportivo.
Dez clubes da Série A do Campeonato Brasileiro já se viram envolvidos em declarações e notícias sobre atrasos salariais apenas este ano. E o problema financeiro não atinge apenas as equipes que lutam para fugir do rebaixamento como Botafogo, Vasco, Fluminense, Cruzeiro e Chapecoense. Clubes que figuram na parte de cima da tabela também sofrem, como Corinthians, Santos e São Paulo.
Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Jogadores de São Paulo, disse ao Lei em Campo que “quando o caso é público e notório e o clube não conversa, ou quando o atleta reclama”, a entidade representativa age, oferecendo a notificação de infração. Sobre não ter feito qualquer denúncia em 2019, Rinaldo informou que o Sindicato vem monitorando os clubes e que o único indício de irregularidade no ano aconteceu no São Paulo FC, na ocasião do Campeonato Paulista. Mas que o clube teria atrasado os pagamentos de direitos de imagens dos atletas e que “rapidamente regularizou a situação”.
O salário é aquele pagamento que consta na carteira de trabalho, como a de todo trabalhador comum. O direito de imagem é feito à parte e remunera o jogador pela atuação em partidas transmitidas pela TV ou internet.
“Quando se trata de salário, há uma coerção na Lei Pelé, que a partir de 2 meses de atraso o atleta pode deixar de jogar e, com 3 meses, pode romper contrato sem obrigação de pagar multa rescisória. É por isso que os clubes colocam um valor baixo na carteira de trabalho e um valor alto nos direitos de imagem. Quando ele não paga o direito de imagem, o jogador tem que acionar o clube na Justiça Cível, que é muito mais demorada que a Justiça do Trabalho. Além disso, não há essa previsão da Lei Pelé, esse mecanismo de defesa, para o direito de imagem”, alerta Martinho Neves.
Na Justiça Desportiva, o clube pode ser punido com pagamento de multa e perda de pontos no campeonato, o que tem sido pouco eficiente, tendo em vista a quantidade de denúncias. “Este formato claramente desestimula, principalmente em relação aos atletas, que, sob contrato, precisam se indispor com seu empregador e prejudicá-lo, pois fará com que perca pontos ou até rebaixado”, avalia Martinho.
Por isso, o Sindicato dos Jogadores/SP entrou com ação civil pública de caráter liminar, através do partido político ‘Podemos’, para que o STF não reafirme a inconstitucionalidade das cláusulas de punição aos clubes inadimplentes, acrescentadas ao Estatuto do Torcedor com a criação do Profut (Lei 13.155/2015). “Os clubes abrem mão da autonomia quando precisão refinanciar dívidas, mas fazem questão dela quando precisam assumir contrapartidas de boa gestão e governança”, reclama Rinaldo Martorelli.
O Supremo Tribunal Federal discutiu o caso em abril deste ano, quando seis ministros votaram a favor da retirada do trecho do Estatuto do Torcedor que impede clubes de futebol devedores de participar de competições esportivas. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio e não há previsão para retomada.