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Saídas de emergência

Foi sancionada recentemente a lei 14.073/20, que alterou a Lei Geral sobre desportos, apregoada por aumentar o grau de responsabilização dos administradores das entidades desportivas. É bom ler as mudanças com calma, antes de dizer isso por aí a torto e a direito.

Uma das principais inovações foi a responsabilização dos novos dirigentes, caso acobertem os ilícitos praticados pelos seus antecessores. Na forma do parágrafo terceiro do art. 18-B, “O dirigente será responsabilizado solidariamente quando tiver conhecimento do não cumprimento dos deveres estatutários ou contratuais por seu antecessor ou pelo administrador competente e não comunicar o fato ao órgão estatutário competente.”

Entretanto, o dispositivo é extremamente falho e pode levar a nada. O que seria “não cumprimento dos deveres contratuais” pelo dirigente anterior? Deixar de pagar os salários dos atletas? Demitir um treinador e não pagar as verbas rescisórias? E se não havia dinheiro para pagar?

Há muitas possibilidades de descumprimento e se a regra for seguida ao pé da letra, todos os atos da gestão antecedente terão de ser analisados pelo órgão estatutário competente, o que torna a sua observância absolutamente impraticável.

Quanto mais imprecisa e genérica for a norma, maior a chance de que ela seja descumprida. Se o objetivo foi o de fechar o cerco aos dirigentes, este foi mais um tiro na água.

O grau de imprecisão da regra pode também ser um meio de cometimento de injustiças e de “caça às bruxas” aos dirigentes. Para evitar tudo isso, bastaria que a norma dissesse que os atos comunicáveis seriam os de “gestão temerária”.

Essa previsão faria todo o sentido porque é deste assunto que trata o parágrafo primeiro do art. 18-B e o próprio 18-C, que inclusive enumera quais são os atos de gestão temerária. Ela guardaria também coerência com o art. 18-D que igualmente foi introduzido na reforma legislativa e disciplina a responsabilização dos administradores por gestão temerária. Tudo isto facilitaria as coisas e daria maior segurança jurídica a todos, tanto à gestão antiga quanto à posterior.

Por falar no art. 18-D, ele diz no seu parágrafo segundo que “A assembleia geral poderá ser convocada por 30% (trinta por cento) dos associados com direito a voto para deliberar sobre a instauração de procedimento de apuração de responsabilidade dos dirigentes, caso, após 3 (três) meses da ciência do ato considerado de gestão irregular ou temerária”, caso “I – não tenha sido instaurado o procedimento de apuração de responsabilidade; ou II – não tenha sido convocada assembleia geral para deliberar sobre os procedimentos internos de apuração de responsabilidade.”

O dispositivo que aparentemente figura como norma salutar, a prestigiar a iniciativa dos associados para que se apurem irregularidades na gestão das entidades desportivas, é a rigor, um retrocesso.

Com efeito, o art. 60 do Código Civil diz que “A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la”, ou seja, vinte por cento dos associados possuem o direito de convocarem assembleias gerais extraordinárias para deliberarem sobre qualquer tema específico.

Como a regra especial deve prevalecer sobre a regra geral, o Código Civil deixará de ser aplicado neste aspecto, o que representa dizer que a mudança legal, ao invés de contribuir para a participação associativa, está mesmo é dificultando a iniciativa dos sócios, porque aumenta o percentual necessário para que se convoque uma assembleia.

Mais curioso ainda é o parágrafo primeiro do art. 18-C, que diz que “EM QUALQUER HIPÓTESE, O DIRIGENTE NÃO SERÁ RESPONSABILIZADO QUANDO: I – não tiver agido com culpa grave ou dolo; ou II – comprovar que agiu de boa-fé e que as medidas realizadas visavam a evitar prejuízo maior à entidade.

Quanto ao inciso I, é bom sublinhar que esta previsão foge novamente à regra do nosso Direito Civil, uma vez que, diferentemente do Direito Penal, em que a culpa é levada em conta para a estipulação da sanção, no âmbito civilista o que importa é a extensão do dano causado para a fixação da obrigação de indenizar.

Como se não bastasse, o inciso II dá uma espécie de salvo-conduto, que praticamente joga por terra quase tudo o que se criou para se responsabilizar os maus dirigentes.

Com efeito, ao dizer que o dirigente não será responsabilizado quando comprovar que agiu de boa-fé, ele permite que o gestor, mesmo que tenha agido com culpa gravíssima, será necessariamente inocentado. Em nenhuma outra espécie de associação existe esse tipo de benevolência legal com o administrador. Só no esporte.

Viram só? O gestor incompetente não corre tanto perigo assim com as mudanças na Lei Pelé.

À primeira vista as regras podem até assustar.

Basta, porém, ler com atenção as alterações.

Porque elas mostram direitinho onde ficam as saídas de emergência.

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