Segundo Mauricio Godinho Delgado há três tipos de salário: a) por unidade de tempo; b) por unidade de obra; c) por tarefa.[1] O nomeado salário produção enquadra-se na espécie salário “por unidade de obra”, não é inconstitucional, desde que se resguarde o valor do salário mínimo mensal determinado no art. 7°, IV, VII, CRFB/88, art. 28, § 4°, Lei Pelé/ art. 82 do PLS 68/17 c/c art. 78, CLT, independendo da quantidade de produção gerida pelo empregado desportivo.
No trabalho desportivo caracteriza o salário produção a avença entre os contraentes de uma parcela fixa e outra variável de acordo com o número de partidas, número de tempo das partidas, ou ainda, número de minutos em que o atleta disputa a competição. Ressalte-se: a parte fixada não pode ser inferior ao mínimo constitucional e legal, sob pena de violação do patamar civilizatório mínimo, o mínimo existencial em matéria salarial laboral.[2]
Curioso destacar que, em países como Portugal, o Contrato Coletivo de Trabalho dos jogadores profissionais entre os respectivos sindicatos estabelece um piso salarial diferenciado para cada divisão, acima do salário mínimo lusitano.
No Brasil, já se constitui costume o acerto contratual de salário por produção, mormente para atletas em fim de carreira, em que as limitações físicas não lhe permitem participar constantemente em todos os jogos ou em razão de dificuldades disciplinares (alimentação, preparação, recuperação), como o caso de Juninho Pernambucano com o Vasco da Gama e o polêmico caso do chileno Valdívia com o Palmeiras.
Pode-se questionar a constitucionalidade desta espécie salarial com base em uma das características essenciais da relação empregatícia, a alteridade (assunção dos riscos) do empregador. Nota-se, consoante o caso Valdívia, que nem sempre o atleta se agrada com tal firmamento, tanto é que o jogador não renovou o contrato posteriormente, o que, por outra via, não ocorreu no caso do Juninho Pernambucano, obtendo o encerramento da carreira no clube citado acima, com quem firmou tal avença sem nenhuma queixa.
Entende-se possível esse pacto de remuneração mista, composto de uma parcela fixa e outra variável, em casos de “hipersuficiência” do empregado desportivo, como foram nos casos supramencionados, pois as parcelas fixas são muito além do salário mínimo (caso Valdívia) ou os valores por hora trabalhada são muito elevados. Embora o salário fixo fosse bem raso no caso do Juninho pernambucano, que com a sua “hipersufiência” não se submeteu ao contrato, pois na mesma época o Sporting Club do Recife ofereceu um salário fixo mais vantajoso do que o concorrente, mas o jogador não preferiu.
Se puder recorrer à doutrina especializada de Albino Mendes Baptista, “o jogador arca mais ou menos com os riscos da atividade econômica desportiva”,[3] advogando a admissão de rescisão unilateral por parte do time empregador se ocorrer sua queda de divisão, permitindo-se mais ainda a negociação mista do salário atlético.
Vale realçar que o legislador português permitiu desde a revogada Lei n. 28/98, em seu art. 14º/2, com correspondência atual no vigente art. 15º/2 da Lei n. 54/17, a possibilidade de diminuição do salário atlético por queda de divisão do clube empregador, ao mesmo tempo em que pela subida de série também abriu espaço para aumento salarial. Este se revela um evidente dispositivo da mitigação do princípio da assunção dos riscos (alteridade) na relação laboral desportiva em Portugal.
Apenas se entenderia inválido, inconstitucional, o barramento pela direção do clube ou comissão técnica do atleta de maneira proposital para que ele não acessasse às partidas e tivesse a remuneração compulsoriamente diminuída (art. 28, § 4°, Lei n. 9.615/98/art. 82 do PLS 68/17 c/c art. 483, g), CLT); o impedimento intencional do jogador às partidas como punição disciplinar, já que no Brasil existe possibilidade de desconto salarial por falta injustificada, mas não como sanção disciplinar, por mero assédio ou negando-lhe o direito de ocupação efetiva (arts. 28, § 4°, 34, II, III, Lei n. 9.615/98/ art. 81 do PLS 68/17 c/c art. 483, b), d), CLT).
Nada obstante, as ações supratranscritas do clube empregador, impedindo o regular trabalho do atleta configuram-se motivações para requerimento judicial de rescisão indireta, por se configurar falta grave no contrato laboral esportivo.
Ressalve-se ainda, que se reconhece este tipo de remuneração mista, muito em função dos numerosos casos de hipersuficiência do atleta empregado (mitigação dos princípios da proteção e da alteridade – não enquadramento único de trabalhadores), como exceção à raiz do Direito do Trabalho, compactuando-se com a especificidade laboral esportiva.
Entretanto, se a realidade não for capaz de revelar que o jogador empregado é detentor de tal poder econômico e negocial, conforme o mencionado acima, deve-se adotar o regime jurídico laboral tradicional com toda a sua principiologia clássica. Corroborando, neste ponto, ao formulado por João Leal Amado: “É óbvio que o praticante desportivo tem um poder negocial acentuadamente superior ao do trabalhador médio, mas a sua relação com a entidade empregadora nem por isso deixa de ser marcadamente assimétrica – justificando, por esta via, uma adequada tutela por parte do ordenamento juslaboral.”[4]
No Brasil, o salário por produção (por unidade de obra/ por unidade de produção, composição mista) no contrato de trabalho desportivo somente é possível dependendo da força autônoma (hipersuficiência) do empregado esportivo, a salvaguarda do salário mínimo determinado na Lei Suprema e no diploma consolidado, bem como se não houver, por parte do empregador desportivo, possíveis abusos de direito acima descritos ou fraude na vinculação de cláusulas contratuais, impondo ao atleta profissional obrigações desproporcionais, desarrazoadas (infringentes da boa-fé objetiva negocial e contratual).
Por fim, a Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17) intenta uma abertura maior na utilização do salário por produtividade/desempenho individual em qualquer atividade trabalhista, ora através do negociado sobre o legislado, ora individualmente para os empregados hipersuficientes, conforme arts. 444, parágrafo único, 611-A, IX, da reformada CLT. No trabalho desportivo, com o impulso da aludida alteração legal, a tendência será a ampliação do quadro negocial do salário produção.
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[1] DELGADO, Mauricio Delgado. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 746-750.
[2] Id. Ibid., 2015, p. 448.
[3] BAPTISTA, Albino Mendes. Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo. Coimbra: Almedina, 2006, p. 33.
[4] AMADO, João Leal. Temas laborais – 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 190.