A decisão do Santos de não credenciar e permitir que jornalistas do UOL entrassem na Vila Belmiro para trabalhar na partida diante do Universidad Católica-EQU, pela Copa Sul-Americana, na noite desta quarta-feira (12), gerou polêmica e trouxe inúmeras discussões. Segundo especialistas, a decisão do clube atinge a liberdade de expressão e o próprio ordenamento jurídico esportivo.
A liberdade de expressão está garantida pela Constituição Federal de 1988 já no art. 5º, em especial nos incisos IV, que é mais amplo e trata da livre manifestação do pensamento, e no inciso IX, que foca na liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
“A liberdade de expressão é um dos pilares, e foi essencial para o desenvolvimento, do Estado Democrático de Direito. Podemos buscar em John Locke quando escreve na sua obra Carta sobre a Tolerância , ‘não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa’, que a proteção necessária não é da opinião do indivíduo, mas sim a possibilidade que este possa exprimir suas opiniões. Sem que exista a liberdade de expressão, também não existe democracia”, afirma Diogo Medeiros, advogado especializado em direito desportivo.
A advogada especializada em Direito Desportivo Ana Mizutori destaca a importância da liberdade de manifestação. “Sobre o assunto em questão, importa reforçar a liberdade de expressão não compreende somente a garantia de um indivíduo em manifestar ideias, pensamentos. O direito fundamental de liberdade de expressão abarca também o acesso à informação aos cidadãos, e um dos aspectos mais importantes para a disseminação de informações é por meio do trabalho de profissionais da comunicação e imprensa. A livre manifestação de ideias, desde que não colida com direitos de outrem, é uma questão imprescindível a manutenção do estado democrático de Direito. Não é à toa, que a legislação desportiva dispõe especificamente sobre o tema, garantindo aos profissionais competentes lugares reservados para atuarem e propagarem informações aos torcedores”, diz a colunista do Lei em Campo.
A polêmica começou no último sábado (8), após a partida entre Fluminense e Santos, que marcou a abertura do Campeonato Brasileiro de 2022. Logo que o jogo foi encerrado, o jornalista Juca Kfouri criticou o desempenho do time paulista e se referiu ao mesmo em sua coluna esportiva no UOL como ‘Ninguém FC’.
O Peixe, que afirma ter se sentido desrespeitado, exigiu uma retratação com pedido de desculpas condicionando isso à continuidade dos profissionais do UOL de serem atendidos pelo clube.
O caso gerou grande repercussão e deu início a inúmeros debates nas redes sociais. As principais discussões giraram em torno das seguintes questões: como fica a liberdade de imprensa nesse caso? É justo e permitido (pela legislação) a medida tomada pelo clube contra os profissionais desse veículo? Há limites para a liberdade de expressão? O que dizem as leis brasileiras?
Além da Constituição Federal, a própria Declaração Universal de Direitos Humanos diz em seu art. 19 que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
A Lei Pelé, a Lei Geral do Esporte Brasileiro, também trata do assunto no art.90-F. Ela reforça o compromisso das entidades esportivas de garantirem a liberdade de imprensa, sem nenhum tipo de censura.
“A liberdade de imprensa, assim como a de expressão, tem status de direito fundamental, como define nossa Constituição Federal. Isso se dá não só para proteger a liberdade individual e de informação, mas também para proteger interesses coletivos, como a própria democracia. A Lei Pelé, no art. 90-F, só reforça um direito constitucional, protegido inclusive por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ou seja, que se tornaram leis aqui dentro também. Ao proibir acesso da imprensa, o Santos viola não só a Lei Pelé, como leis de direito internacional e a própria Constituição. Isso não é da natureza de um clube histórico, democrático e protagonista em conquistas sociais fundamentais”, avalia Andrei Kampff, advogado especialista em direito desportivo e colunista do UOL e do Lei em Campo.
“Sobre a recusa em cumprir o dito artigo 90-F da Lei Pelé, podemos, sem entrar na esfera da legislação desportiva, fazer uma digressão para buscar amparo de mais alto relevo na Constituição Federal, que desde seu artigo 1’, inciso IV, preceitua como valor fundamental para o Estado Democrático de Direito, os valores sociais do trabalho. E segue nos artigos 6’ e artigo 170, corroborando o entendimento que o trabalho é um valor social que deve ser protegido buscando a efetividade da tutela de princípios maiores e universais como os direitos sociais, sendo o trabalho um direito social que ajuda na manutenção da ordem econômica com promoção de uma existência digna”, avalia Diogo Medeiros, advogado especializado em direito desportivo.
“A Lei Pelé determina aos clubes a reserva de locais em estádios para profissionais credenciados pelas Associações de Cronistas Esportivos desempenharem suas atividades. Atendidos os requisitos, se o clube não organizar referida determinação, estará descumprindo o art. 90-F, da Lei 9.615/98”, complementa Ana Mizutori, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
Por mais importante que seja a liberdade de expressão, especialistas lembram que ela não é um direito absoluto.
“Nenhum Direito Constitucional é ‘ilimitado’, em face da própria Constituição. A liberdade de expressão não pode ser escudo para cometimento de crimes tipificados, nem para ataques contra à democracia e a proteção de direitos humanos, por exemplo. Não me parece o caso”, diz Andrei Kampff.
O que diz a Constituição Federal?
A liberdade de expressão está garantida pela Constituição Federal de 1988 no art. 5º, em especial nos incisos IV e IX. Enquanto o inciso IV é mais amplo e trata da livre manifestação do pensamento, o inciso IX foca na liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Além da liberdade de expressão, a CF também garante a liberdade de imprensa em seu art. 220.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
O que diz a Lei Pelé?
A Lei Pelé, principal norma jurídica que rege o desporto brasileiro, com base nos princípios presentes na Constituição Federal, cita em seu art. 90-F a obrigatoriedade dos profissionais de imprensa (quando em serviço) de ocupar os locais reservados a eles nos eventos esportivos.
Art. 90-F. Os profissionais credenciados pelas Associações de Cronistas Esportivos quando em serviço têm acesso a praças, estádios e ginásios desportivos em todo o território nacional, obrigando-se a ocupar locais a eles reservados pelas respectivas entidades de administração do desporto.
O que diz a Declaração Universal de Direitos Humanos?
O respeito à liberdade de expressão e opinião não é exclusividade da legislação brasileira. A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) da Organização das Nações Unidas traz em seu art. 19º que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
O conflito entre Santos e UOL
No começo da tarde desta quarta-feira, o UOL informou que seus jornalistas não foram autorizados a entrar na Vila Belmiro para cobrir a partida da Copa Sul-Americana. Segundo o portal, o pedido de credenciamento foi feito dentro dos prazos e atendeu às exigências do Santos. Apesar disso, foi vetado pela comunicação do clube sem maiores explicações.
Horas após o UOL divulgar o ocorrido, o Santos emitiu uma resposta oficial, assinada pelo presidente Andres Rueda, na qual afirma que o não credenciamento para o jogo foi “um protesto do clube ao esperar uma resposta oficial do portal sobre o termo pejorativo ‘Ninguém FC’, usado pelo jornalista (Juca Kfouri).
No texto, o Santos ressalta que “nunca houve censura do clube e nunca haverá”, mas que nunca admitirá “a falta de respeito contra o clube”.
Dentro de campo, o Santos passou sufocou, mas venceu o Universidad Católica por 3 a 2. Com o resultado, o Peixe assumiu a segunda colocação do Grupo C, empatado com o Banfield-ARG.
Crédito imagem: Santos FC
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo