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São Paulo, erro de direito e anulação de partida: e agora?

Há 2 semanas publicamos coluna aqui no Lei em Campo repercutindo genericamente a possibilidade de anulação de partida por conta de erros da arbitragem e o procedimento a ser observado para tal na Justiça Desportiva.  Coincidentemente, no dia seguinte (06/09), houve a divulgação do áudio do VAR relativo à partida disputada entre Fluminense e São Paulo no dia 01/09, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro, vencida pelo Fluminense por 2 a 0. As conversas reveladas ocorridas entre o árbitro da partida (Paulo Cesar Zanovelli da Silva) e os oficiais do VAR motivaram um pedido de impugnação de partida protocolado pelo São Paulo junto ao STJD, sob a alegação de que teria havido um erro de direito. Qual a viabilidade jurídica de tal pleito?

Tudo começou quando os atletas Calleri e Thiago Santos foram envolvidos em uma disputa de bola. O auxiliar levantou a bandeira indicando uma falta para o Fluminense, mas o árbitro teria indicado a vantagem, pois não apitou a falta. Ocorre que o zagueiro Thiago Silva colocou a mão na bola e cobrou a suposta falta enquanto o árbitro estava de costas para o lance, supostamente na expectativa da sequência do jogo para o campo de ataque do Fluminense. Para “azar” da arbitragem, o lance resultou no gol do atleta Kauã Elias. A sequência do lance restou irregular. O gol foi validado pela arbitragem de campo, mas a equipe do VAR sugeriu a revisão. Pelas conversas divulgadas, ficou clara a gravidade da situação a partir do momento que o árbitro foi alertado e consultado pelos oficiais do VAR, confirmando que teria efetivamente dado a vantagem. Mesmo assim, o árbitro voltou ao campo e validou o gol, ignorando a mão na bola do atleta do Fluminense.

Após análise de toda a conversa, ficou claro que o árbitro ou ignorava a regra (embora alertado pelo VAR) ou deliberadamente preferiu não aplicá-la. Erro de direito clássico, de manual, que interferiu diretamente no resultado da partida. Diferente do erro de arbitragem convencional (erro de fato), que costuma ser resultado de equívoco interpretativo de lances fáticos e que, na qualidade de erro humano, integra a essência do jogo.

Assim, o CBJD permite que seja dirigido à Presidência do STJD um pedido de impugnação de partida (art. 84) em caso de erro de direito suficiente para alterar o resultado da partida (art. 259, §1º). Caso não seja hipótese de indeferimento liminar, o Presidente do Tribunal notificará a CBF para não homologar o resultado da partida e, após observância do contraditório, sorteará relator e incluirá o feito em pauta para julgamento (arts. 86 e 87). Note-se que a legitimidade ativa para o pedido de impugnação é dos clubes que disputaram a partida e daqueles que tenha porventura tenham interesse no resultado (art. 84, §2º), o que exclui a Procuradoria, infelizmente, pois a esta também caberia zelar pela integridade do jogo. A Procuradoria só poderia atuar no sentido de denunciar o árbitro de maneira individualmente por infração disciplinar, o que efetivamente aconteceu, como veremos em seguida.

Mas há a questão do prazo. Aqui é que reside o ponto decisivo do incidente. O art. 85 do CBJD dispõe que o prazo para impugnar a partida é de 48h contado do depósito da súmula da partida na CBF, o que normalmente costuma ocorrer no dia útil seguinte à disputa. Entretanto, a partida ocorreu no dia 01/09, um domingo, e o áudio do VAR, após requerimento do São Paulo, só foi divulgado na sexta-feira seguinte, dia 06/09. E a prova principal da ocorrência do erro de direito seria exatamente o teor das conversas entre o árbitro e os oficiais do VAR.

A tese do São Paulo é interessante. Como houve demora na divulgação do áudio, o STJD deveria adaptar a norma à nova realidade (editada quando ainda não havia o auxílio do árbitro de vídeo) e processar a impugnação, já que o pedido foi protocolado junto ao Tribunal dentro das 48h de prazo, agora computados a partir da divulgação do áudio do VAR. É inegável que agora tal instrumento também passa a integrar a súmula e os registros da partida de maneira mais institucional.

O prazo é um dos requisitos formais do incidente de impugnação de partida, de modo que sua inobservância pode levar ao seu indeferimento liminar por parte do Presidente do Tribunal. Há grande expectativa por este pronunciamento acerca da admissão ou não da medida inominada para efeito de processamento do pedido e futura inclusão em pauta, o que ainda não ocorreu até o fechamento desta coluna.

Numa visão legalista mais estrita e mais preocupada com o princípio da pró-competição, a tendência é o Tribunal valer-se do prazo como um subterfúgio para não adentrar o mérito do incidente, já que o tema é espinhoso. Tendência esta já adiantada por Lauro Jardim em sua coluna no jornal O Globo[1]. Compreende-se, até certo ponto, a histórica reticência do STJD em levar adiante pedidos de impugnação de partida, até mesmo pelo risco de dar lugar a um precedente “perigoso”, o qual acabaria por motivar uma enxurrada de novos pedidos, ainda mais em momento de crise da arbitragem brasileira.

Por outro lado, um fato novo pode alterar o curso da história. Esta semana, a Procuradoria denunciou o árbitro Paulo Cesar Zanovelli da Silva por infração ao art. 259 do CBJD, que trata de deixar de aplicar as regras da modalidade, o que pode sujeitar o árbitro à suspensão por até 120 dias. Mais uma confirmação sobre a efetiva ocorrência do erro de direito e que poderá servir para, indiretamente, pressionar o STJD. Seguirá o Tribunal com a tendência de ignorar o erro de direito para “preservar” as competições ou finalmente vai se debruçar sobre o tema? Seria uma ótima oportunidade para, numa perspectiva mais ampla, balizar uma jurisprudência sobre o que seria considerado efetivamente como erro de direito em sua visão. Tão ou mais “perigoso” que criar um precedente sobre o tema é fechar os olhos e deixar de julgar e enfrentar uma situação tão grave, como se passando a mensagem de que “tudo pode”. Ainda seria uma excelente oportunidade para fixar um novo entendimento sobre o prazo para o incidente, o que forçaria as Federações a serem mais ágeis na divulgação dos áudios do VAR, os quais são fundamentais no sentido da transparência. Seguimos acompanhando.

Crédito imagem: Fluminense/Divulgação

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[1] https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2024/09/stjd-vai-rejeitar-pedido-do-sao-paulo-para-anular-jogo-contra-o-fluminense.ghtml. Acesso em 12/09/2024.

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