4-3-2-1. Foi a formação tática escolhida. Batido o martelo depois de tanto pensar, a resposta viria nos decisivos 45 minutos seguintes. De forno. No quadragésimo dia sem o futebol, era o tabuleiro de pão de queijo que me proporcionava a chance de provar que o 4-4-2 já era coisa ultrapassada. Quando as coisas ainda funcionavam, eu passara meses gritando impropérios pro treinador que ainda insistia nessa formação até o último jogo. Demorei, mas encontrei na fôrma uma forma de comprovar que renovar é preciso. Na terceira tentativa de dar àqueles pãezinhos a escalação adequada, tirei o regulamento (no caso, o livro de receitas) debaixo do braço e fui no feeling. Já havia testado um 4-3-3 que não havia surtido o efeito esperado, mas agora vinha a glória. Bingo! Perfeitos!
Nesses dias, tem sido assim. O fim do futebol trouxe um vazio existencial. A bola, que antes rolava ao vivo, agora só me aparece nas imagens charmosas – e de qualidade duvidosa – que marcaram a década de noventa. Já estou a ponto de decorar a narração do tetra. Vida que segue. Enquanto a bola não rola (e pra mim o mundo não gira), tento reproduzir o que antes fazia parte de uma vida com mais futebol do que o bom senso permitiria. E sigo assim.
A cancha é a sala, e o sofá é minha cadeira cativa. O vestiário no quarto. No banheiro, vez ou outra, olhar pra banheira e lembrar daquelas linhas folgadas que tangenciam as traves e fazem morada pro sujeito que não tem a intenção de se cansar durante a partida.
A Cozinha é a área técnica. De onde sai a receita do bolo. No caso, hoje, foi do pão de queijo. Só de traquinagem, lá também ficam uma série de itens que insistem em rememorar o passado amado. Cebolinha, Feijão, Farinha, Pó de Arroz. Daria pra escalar uns três times com tudo o que tem estocado na dispensa.
E tem mais. Chaleira, Caneta, Chapéu, Bicicleta. Cada olhar, um sofrimento. É tanto drible desperdiçado. Todos lá, largados, esvaziados de dar dó às banais funções cotidianas dos objetos inanimados que são.
Ontem, cheguei à sandice de olhar pra um bule antigo e me lembrar daquele sujeito que só ia pro campo pra ficar parado com as mãos na cintura. Por fim, pensei: quarentena é isso. Jogo garfado, e uma infinita passação de pano.
Vez ou outra, por descuido, chuto os chinelos que ficam largados desavisados pela casa e cada pé são como traves que voam pelo corredor. Por falar em corredor, o meu pelo menos foi promovido a avenida. É olhar pra ele e lembrar de cada trágico domingo em que aquela lateral esquerda se abria pro adversário como uma placa de boas-vindas a caminho do gol. Nunca entendi a incrível capacidade daquele sagrado espaço de grama de permanecer sem marcação.
Verdade seja dita, a vida cotidiana (talvez de pena) tem me dado aqui e ali as lembranças de um tempo que ainda não voltou. Enquanto isso, sigo na fervorosa tentativa de ser eficiente como deve ser quem entra pra jogar. Passar o dia em concentração. Contato zero e foco total! Seria assim, não fosse o fato de que na vida real a partida tá rolando e lá pelas tantas gato, criança e cachorro também já estão no meio do campo. A beleza da várzea!
Nessa toada, quer sim quer não, são muitos os minutos de acréscimo, mas seguimos. Por falar em acréscimos, já são dois meses de quarentena e, com o futebol de inspiração, penso em voz alta: se em dois vira, em quatro acaba. Espero que não demore tanto. Alguma hora, da porta pra fora não vai ter mais impedimento.