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Se mantida, decisão da Justiça do Rio que anulou eleição de Caboclo na CBF pode implicar em punição da Fifa ao Brasil

A Justiça do Rio de Janeiro decidiu nesta segunda-feira anular a Assembleia Geral da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) que alterou a forma de votação para a presidência da entidade. Com a decisão, o pleito que colocou Rogério Caboclo no comando da confederação, em abril de 2018, está anulado. A CBF deverá recorrer para reverter a anulação.

“PELO EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, na forma do artigo 487, I, do NCPC, para nulificar as alterações quanto a modificação das regras eleitorais ocorridas na reunião de 23 de março de 2017 (com a redefinição de pesos diversos entre as Federações e clubes e exigência para candidatura), determinando a realização de nova assembleia para a discussão de tais assuntos, na qual, além das 27 Federações, deverão ser convocados os clubes membros do Colégio Eleitoral”, diz parte da decisão.

Consultados pelo Lei em Campo, especialistas consideram que a decisão poderá trazer consequências não somente para a CBF, mas também para o futebol brasileiro.

“A entidade de administração do desporto possui autonomia para organização e funcionamento (quanto à forma que foi deliberada as regras para a votação de 2018), exceto se constatar ofensa à questões de ordem públicas, normas cogentes que permeiam e limitam essa autonomia. Há previsão expressa no Estatuto FIFA que veda a interferência da Justiça Comum perante as federações e eventual descumprimento das disposições do Estatuto FIFA podem excluir o Brasil de disputar as competições organizadas pela FIFA”, afirma Ana Mizutori, advogada especializada em direito desportivo.

Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo, segue essa linha.

“Existe a possibilidade de punição por parte da FIFA, que pode resultar em exclusão da seleção nacional e dos clubes de todas as competições internacionais das quais estejam participando. Ainda que seja improvável neste momento, pelo teor da decisão e da relevância do Brasil no cenário internacional do futebol, é possível que a interferência estatal na confederação traga consequências esportivas”, afirma.

“A maior consequência para a entidade máxima de administração do desporto brasileira é a instabilidade jurídica. A desordem que tem se verificado na CBF segue com desdobramentos preocupantes não apenas para a modalidade esportiva que organiza, mas para a credibilidade do esporte como um todo. O esporte se movimenta e cresce junto com os parceiros comerciais que nele investem, além da atratividade do público. Situações como esta afetam as relações comerciais, desgastam a relação com o público torcedor”, avalia Ana Mizutori.

Para Fernanda Soares, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, há dois questionamentos importantes a se fazer sobre a decisão.

“O primeiro é sobre a autonomia desportiva. O art. 217 da Constituição Federal prevê que o estado deve observar a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento. Essa decisão interfere diretamente na autonomia da CBF de se organizar. Só que não há princípio absoluto e o princípio da autonomia desportiva tem limites. Se de fato os presidentes de federações alteraram os pesos dos votos da eleição em 2017 contra a vontade dos clubes da Série A, me parece fazer algum sentido essa intervenção do estado. O outro questionamento é sobre a determinação sobre quem assumirá o comando da CBF de forma interina até que se faça uma nova eleição. O estatuto da CBF prevê que o diretor mais velho deve assumir o cargo; apesar disso, não foi o que o juiz determinou, o que não me parece correto”, analisa.

Na ação, que foi obtida pelo Lei em Campo, o juiz Mario Cunha Olinto Filho, da 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nomeou o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e o presidente da FPF (Federação Paulista de Futebol), Ronaldo Carneiro Bastos, como interventores, eles ficaram responsáveis por comandar a CBF por 30 dias até que uma nova eleição seja organizada. Nenhum deles poderá concorrer ao cargo.

A Justiça ainda determinou que os interventores convoquem o colégio eleitoral da CBF – formado pelas 27 federações estaduais e clubes da Série A – para votarem sobre a alteração do estatuto da entidade em 2015. As principais discussões são sobre o peso nos votos e a cláusula de barreira para registro de candidatura à presidente da confederação.

“Nomeiam-se os senhores Luiz Rodolfo Landim Machado (Presidente do clube de expressiva torcida, o Flamengo) e Reinaldo Rocha Carneiro Bastos (Presidente da Federação Paulista de Futebol), para, transitoriamente, cumprirem as determinações acima listadas, ou seja: a convocação do Colégio Eleitoral para votarem acerca da alteração estatutária no que diz respeito a redefinição das regras do estatuto de 2015 (…)”, completa o magistrado na decisão.

É preciso deixar claro que a ação, um pedido do Ministério Público, não contesta o pleito em si, mas sim a Assembleia Geral da CBF que determinou as regras da votação. Para a entidade, a eleição não pode ser anulada, uma vez que a ação foi protocolada na Justiça um ano antes do pleito, em 2017.

Toda discussão começou em março de 2017, quando a CBF promoveu uma assembleia geral, que não contou com a participação dos clubes, e definiu novas regras para suas eleições. O Colégio Eleitoral da entidade passou a ser formado pelas 27 federações estaduais de futebol, os 20 clubes da Série A e os 20 clubes da Série B do Brasileiro.

Buscando ‘manobrar’ a maioria dos clubes, a entidade estabeleceu que os votos das federações estaduais teriam peso 3, os votos dos clubes da Série A teriam peso 2 e os votos dos clubes da Série B teriam peso 1. Dessa forma, se as 27 federações escolhessem o mesmo candidato, ele teria 81 votos, contra 60 votos dos clubes somados.

No pleito que ocorreu em abril de 2018, já levando em consideração a mudança, Rogério Caboclo venceu a eleição com 135 votos. Desses, apenas Flamengo, Corinthians e Athletico não votaram no dirigente que hoje está afastado da presidência por conta da denúncia de assédio moral e sexual de uma funcionária da entidade.

Para a CBF, a eleição não pode ser anulada, uma vez que a ação foi protocolada na Justiça um ano antes do pleito, em 2017. Além disso, a entidade cita que por ser privada, sua eleição não pode ser rejeitada pela Justiça, alegando autonomia de organização e funcionamento prevista na Constituição.

Vinicius Loureiro não vê inconstitucionalidade na decisão. “Ainda que a Constituição garanta autonomia administrativa às entidades de administração do desporto, isso não quer dizer que elas estão isentas de cumprir o que a lei determina. Sem entrar no mérito da decisão, é possível que o Ministério Público provoque o Poder Judiciário caso as associações ou empresas esportivas deixem de cumprir suas obrigações legais. Isso não quer dizer que eles estejam interferindo na tomada de decisão das entidades, apenas buscando garantir o cumprimento de formalidades legais”, finaliza o advogado.

Crédito imagem: O Globo

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